Reflexões para um debate

António Abreu (Membro da Comissão Política)

O Mi­nis­tério da Edu­cação pôs em de­bate um do­cu­mento que devia ser uma re­visão cur­ri­cular mas a que acabou por chamar re­forma do se­cun­dário.

No nosso ponto de vista, uma tal re­forma de­veria con­tri­buir para ate­nuar as de­si­gual­dades que, em vir­tude das pro­fundas di­fe­renças so­ciais de origem, os es­tu­dantes têm à par­tida. Tor­nando as es­colas mais bem equi­padas e atrac­tivas sob todos os pontos de vista. Tor­nando a acção so­cial es­colar mais eficaz. Adap­tando os cursos às ne­ces­si­dades do País e às vo­ca­ções. As­se­gu­rando bandas largas de co­nhe­ci­mentos que per­mitam a maior va­ri­e­dade de es­co­lhas para o su­pe­rior. Não re­cu­ando para o bá­sico a de­fi­nição pre­ma­tura de op­ções. Re­du­zindo a carga ho­rária em termos de aulas para per­mitir a in­ves­ti­gação do pró­prio es­tu­dante na es­cola e fora dela. Mas com­pa­ti­bi­li­zando isso com tempo su­fi­ci­ente para aulas prá­ticas e de la­bo­ra­tório. Não ce­dendo ao fa­ci­li­tismo, caro a al­gumas fa­mí­lias e «gurus», de re­montar o sis­tema de ava­li­ação na base de exames, re­dutor de uma boa gestão pe­da­gó­gica dos pro­gramas. Mas in­sis­tindo na for­mação con­tínua dos pro­fes­sores para que disso be­ne­ficie a ava­li­ação con­tínua.

Por outro lado, de­víamos re­flectir sobre se não seria al­tura para equa­ci­onar a in­te­gração no en­sino re­gular de novos perfis dos cursos tec­no­ló­gicos cujos es­tu­dantes por aí querem ficar.

A sen­sação com que se fica de­pois de ler este do­cu­mento é a de que se re­corre à de­ma­gogia e po­pu­lismo ou se ca­pi­ta­liza a sim­patia de al­gumas me­didas para acen­tuar a se­lec­ti­vi­dade de classe, na re­tenção e nos di­fe­rentes per­cursos, e re­duzir ainda mais as des­pesas na Edu­cação, quando este ano os cortes já foram grandes e o atraso cró­nico do nosso País exige a ma­nu­tenção nelas de ele­vadas per­cen­ta­gens do PIB.

Entre o pri­meiro tipo de me­didas in­cluem-se o fim das provas glo­bais e uma maior dis­persão de exames no 11º e 12º anos, uma apa­rente re­dução da carga ho­rária, a di­fe­ren­ci­ação do en­sino ar­tís­tico, uma es­tru­tura cur­ri­cular com menos cursos e menos es­pe­ci­a­li­zados re­la­ti­va­mente ao que era o pro­jecto do PS ou a cri­ação da Área do Pro­jecto e dos Es­tá­gios no en­sino tec­no­ló­gico.

Entre o se­gundo tipo de ob­jec­tivos estão a in­tro­dução do exame no 9º ano, an­te­ce­dendo e for­ma­li­zando aí a he­ca­tombe de se­lec­ti­vi­dade do 12º ano, com o pre­texto de se chegar ao 10º com me­lhor pre­pa­ração e para que o en­sino su­pe­rior não se res­sinta tanto do in­su­cesso es­colar an­te­rior. Estão os pre­juízos na ava­li­ação con­tínua e na pe­da­gogia em be­ne­fício do «es­tudar para exames». Não se in­dicam por que formas se as­se­gura a in­vo­cada ne­ces­si­dade de mo­bi­li­dade entre cursos, sendo de prever que, a partir do 9º ano, se con­so­lidem per­cursos di­fe­ren­ci­ados mas es­tan­ques, muito de­ter­mi­nados pelas con­di­ções so­ciais ou re­gi­o­nais de origem.

 

In­co­e­rên­cias abundam

 

Em re­lação a cursos e dis­ci­plinas, im­porta sa­li­entar que con­tinua ainda uma falta de for­mação de pro­fes­sores, que al­gumas com­bi­na­ções de dis­ci­plinas são in­co­e­rentes com os per­cursos a que po­derão dar acesso. Nos cursos tec­no­ló­gicos são pre­ju­di­cadas as for­ma­ções em Fí­sica, Quí­mica ou Me­câ­nica. A Fi­lo­sofia de­sa­pa­rece do 12º ano.

É sig­ni­fi­ca­tivo que se não re­fira a ne­ces­si­dade de in­vestir mais em di­versos as­pectos para se atin­girem me­lhores re­sul­tados. Um en­sino de me­lhor qua­li­dade. A cor­recção das de­fi­ci­ên­cias da re­visão cur­ri­cular do bá­sico. O re­forço dos in­ves­ti­mentos nele e no pré-es­colar. Ou a for­mação do­cente. E se re­suma tudo a exames, perfis de cursos, com­bi­na­ções de dis­ci­plinas ge­rais e es­pe­cí­ficas, cargas ho­rá­rias, tempo de uni­dades lec­tivas, com in­co­e­rên­cias de vá­rios tipos que têm que ser cor­ri­gidas.

É sig­ni­fi­ca­tivo, também, que se fale de re­forma quando o do­cu­mento só faz alusão a duas das di­fe­rentes mo­da­li­dades ofe­re­cidas (en­sino ci­en­tí­fico-hu­ma­nís­tico, novo nome dos cursos ge­rais, e en­sino tec­no­ló­gico), re­me­tendo para do­cu­mento pos­te­rior as res­tantes três (en­sino ar­tís­tico, en­sino pro­fis­si­onal, for­mação vo­ca­ci­onal).

Ao mesmo tempo que trata do en­sino se­cun­dário, o do­cu­mento também se re­fere a al­te­ra­ções a in­tro­duzir na Lei de Bases do Sis­tema Edu­ca­tivo, que se pas­saria a de­signar por Lei de Bases da Edu­cação e da For­mação Vo­ca­ci­onal.

O que con­templa não per­mite con­cluir sobre a von­tade de apro­veitar re­cursos e do­centes exis­tentes e a formar para montar um ver­da­deiro sis­tema de For­mação e Edu­cação ao Longo da Vida.

O au­mento da es­co­la­ri­dade obri­ga­tória de 9 para 12 anos é ob­jec­tivo que o PCP há muito de­fende. Mas não terá con­di­ções para ir para a frente com a falta

de in­ves­ti­mentos, o in­su­cesso e aban­dono bru­tais antes desse li­miar, a falta de es­colas com qua­li­dade, con­forto e equi­pa­mentos ade­quados.

Mas estas, como re­fe­rimos, são apenas al­gumas re­fle­xões para um de­bate que im­porta alargar.



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