Detenções

Henrique Custódio

Esta se­mana, a de­tenção para in­ter­ro­ga­tório do pre­si­dente da câ­mara mu­ni­cipal de Águeda, Ma­nuel Castro Aze­vedo, ter­minou após sete horas de in­ter­ro­ga­tório com um re­sul­tado já tri­vial: foi cons­ti­tuído ar­guido num pro­cesso ju­di­cial por sus­peita de prá­tica de crimes de cor­rupção e pe­cu­lato e li­ber­tado sob uma caução de 100 mil euros (20 mil contos), quantia cujo ele­vado mon­tante con­fi­gura graves sus­peitas do tri­bunal sobre o ar­guido.

A tri­vi­a­li­dade do caso prende-se di­rec­ta­mente com o re­cente e se­me­lhante epi­sódio ocor­rido com outro au­tarca, Fá­tima Fel­gueiras, por sinal também pre­si­dente de uma câ­mara mu­ni­cipal (a que se acres­centou, nas úl­timas horas, ru­mores sobre um pro­cesso se­me­lhante en­vol­vendo o pre­si­dente da câ­mara mu­ni­cipal de Pa­redes, do PSD).

As di­fe­renças mais subs­tan­tivas são que esta úl­tima foi eleita pelo PS e pre­side à câ­mara de Fel­gueiras, en­quanto Castro Aze­vedo o foi pelo PSD e di­rige o mu­ni­cípio de Águeda.

Quanto ao resto – que é o es­sen­cial -, nada os dis­tingue: foram ambos de­tidos por largas horas, ambos saíram ar­guidos em pro­cessos onde são acu­sados de crimes vá­rios (pe­cu­lato, cor­rupção e etc.), ambos se en­con­tram sobre me­didas de co­acção im­postas pelo tri­bunal, ambos estão sus­pensos de fun­ções (a pri­meira por im­po­sição do juiz, o se­gundo vo­lun­ta­ri­a­mente), ambos per­tencem a «par­tidos de poder» e a ambos os res­pec­tivos par­tidos já afir­maram re­tirar a con­fi­ança po­lí­tica «caso ve­nham a ser con­de­nados».

Outra se­me­lhança, ainda, os ir­mana: ambos al­can­çaram o poder sob fla­grantes prá­ticas de ca­ci­quismo, ao ponto de os dois se ha­verem im­posto aos res­pec­tivos par­tidos nas duas úl­timas elei­ções au­tár­quicas apesar de, também sobre ambos, já haver im­pen­dido à época, e no mí­nimo, des­pres­ti­gi­antes sus­peitas pú­blicas.

No caso de Fá­tima Fel­gueiras, com in­ves­ti­ga­ções ju­di­ciais já co­nhe­cidas e per­se­guindo graves sus­peitas de cor­rupção na sua ac­ti­vi­dade como pre­si­dente da câ­mara mu­ni­cipal.

No caso de Ma­nuel Castro Aze­vedo, com este a de­sem­pe­nhar o papel de jo­guete dos in­te­resses do ca­cique local, o em­pre­sário An­tónio Cruz Silva (ou «o Silva do Tra­vassô», como é po­pu­lar­mente co­nhe­cido), di­ri­gente má­ximo do PSD na re­gião, ac­tual de­pu­tado do PSD e co­nhe­cido na terra por fazer e des­fazer car­reiras po­lí­ticas a seu bel prazer. Foi o que fez pre­ci­sa­mente com Ma­nuel Castro Aze­vedo, um dis­creto ex-fun­ci­o­nário das Fi­nanças, ve­re­ador do PSD, que foi ines­pe­ra­da­mente co­lo­cado à frente da lista do PSD à câ­mara por An­tónio Cruz Silva, que en­tre­tanto havia afas­tado o «can­di­dato na­tural» do par­tido (e que por isso saiu mesmo do PSD). Assim, Castro Aze­vedo foi eleito há já dois man­datos e com mai­oria ab­so­luta, tendo-se tor­nado ma­téria de fa­la­tório na ci­dade a cons­tante pre­sença no edi­fício dos Paços do Con­celho do em­pre­sário «pa­tro­ci­nador» da sua can­di­da­tura. O re­sul­tado está à vista: o pre­si­dente da câ­mara, Castro e Aze­vedo, está acu­sado de prá­ticas de cor­rupção exac­ta­mente com uma em­presa de que é pro­pri­e­tário o «Silva do Tra­vassô»…

Mais grave que a tri­vi­a­li­dade em que se está a tornar este tipo de acu­sa­ções a au­tarcas (des­pres­ti­gi­ando, ob­vi­a­mente, o poder local) é o ci­nismo com que tanto o PS como o PSD se com­portam nestas si­tu­a­ções.

Para ob­terem vi­tó­rias elei­to­rais a qual­quer preço, cau­ci­onam ale­gre­mente o ca­ci­quismo e dão co­ber­tura a todo o tipo de com­por­ta­mentos e ac­tu­a­ções po­lí­ticas.

Para se li­vrarem das efec­tivas res­pon­sa­bi­li­dades que têm nos even­tuais des­mandos dos seus eleitos, re­tiram-lhes a con­fi­ança como se não os co­nhe­cessem.

Mas co­nhecem. E, po­li­ti­ca­mente, são os pri­meiros res­pon­sá­veis pelas suas elei­ções…



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