Resumindo e concluindo

Vítor Dias

Embora es­que­cendo-se de dizer em que dia e em que termos, Durão Bar­roso anun­ciou na AR na pas­sada quinta-feira, e de forma in­tei­ra­mente clara, que o seu Go­verno já tinha au­to­ri­zado a ce­dência da Base das Lajes aos EUA.

O anúncio não passou des­per­ce­bido mas não se perde nada em des­vendar me­lhor o que aquela afir­mação ver­da­dei­ra­mente sig­ni­ficou.

Acon­tece que, em 2 de Ja­neiro, o «DN» no­ti­ciava ter apu­rado de fonte ofi­cial que «o go­verno por­tu­guês já deu luz verde à Ad­mi­nis­tração Bush para uti­lizar a Base das Lajes, na Ilha Ter­ceira, nos Açores, no caso de os EUA de­ci­direm uma ope­ração mi­litar contra o Iraque».

No dia se­guinte, a partir do Brasil onde se en­con­trava, o Mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros pro­duzia um des­men­tido a vá­rios tí­tulos ines­que­cível e que, es­tra­nha­mente, só viu a luz do dia através do «Ex­presso-on­line» desse dia.

Com efeito, Mar­tins da Cruz in­for­mava que os EUA ti­nham de facto con­sul­tado o Go­verno por­tu­guês há algum tempo sobre essa uti­li­zação das Lajes, acres­cen­tando ex­pli­ci­ta­mente que esse pe­dido tinha sido feito «na pers­pec­tiva» de uma Re­so­lução do Con­selho de Se­gu­rança da ONU», o que, a ser ver­dade, na época de­veria ter sido no­tícia de im­pacto mun­dial e não foi.

O Mi­nistro in­for­mava ainda que o seu Go­verno tinha re­lem­brado aos EUA (como é bom sa­bermos que temos um go­verno que re­lembra coisas aos EUA!) que, nos termos do Acordo em vigor, a ce­dência da Base das Lajes aos EUA era «au­to­má­tica» em todos os casos em que hou­vesse uma de­cisão seja do Con­selho do Atlân­tico Norte da NATO seja do Con­selho de Se­gu­rança da ONU.

E é pois à luz destes doutos e ri­go­rosos lem­bretes do Mi­nistro Mar­tins de Cruz que não pode então restar qual­quer dú­vida que, quando Durão Bar­roso anun­ciou já ter au­to­ri­zado a ce­dência das Lajes aos EUA, o que em rigor anun­ciou foi que o seu Go­verno tinha au­to­ri­zado a uti­li­zação das Lajes para um ataque ao Iraque ( que aliás só po­derá ser uma guerra de ocu­pação) de­sen­ca­deado uni­la­te­ral­mente pelos EUA.

Pela sim­ples e óbvia razão de que, como o Mi­nistro dos Ne­gó­cios Es­tran­geiros em boa hora tinha ex­pli­cado, em caso de uti­li­zação das Lajes na sequência de de­ci­sões da NATO ou da ONU a ce­dência seria «au­to­má­tica», sem ne­ces­si­dade por­tanto da «au­to­ri­zação» que Durão Bar­roso re­feriu na AR.

Re­su­mindo e con­cluindo : na oca­sião em que se es­fal­fava a dizer que não an­te­ci­pava a po­sição por­tu­guesa em certos «ce­ná­rios» porque isso seria pre­ju­dicar a con­cre­ti­zação do ce­nário ale­ga­da­mente por si mais de­se­jado ( de­cisão do C.S. da ONU), Durão Bar­roso já tinha dado ao Sr. Bush o mais que ele podia querer do go­verno por­tu­guês para a guerra que de­men­ta­da­mente se pre­para para de­sen­ca­dear.



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