- Nº 1529 (2003/03/20)
Deslocalização de empresas

Travar as rotas do saque

Assembleia da República

Contribuir para regular e disciplinar os processo de deslocalização e reestruturação de empresas é o objectivo visado pelo PCP em projecto de lei que será hoje submetido a votação na Assembleia da República. Não obstante o reconhecimento de que urge fazer algo neste domínio, face à vaga de abusivos casos de encerramento de empresas e despedimentos, a maioria PSD-CDS/PP parece apostada em deixar tudo como está, o que equivale a dizer que deverá inviabilizar a iniciativa parlamentar comunista.

É pelo menos o que se depreende das posições por si assumidas na discussão efectuada na passada semana, com o essencial das criticas ao diploma do PCP a resumir-se à ideia de que as medidas nele preconizadas podem afastar o investimento estrangeiro.

As regras que venham a ser criadas «não podem ser inimigas do investimento», afirmou, por exemplo, o deputado Jorge Neto (PSD), numa linha de raciocínio compartilhada por Diogo Feyo (CDS/PP) que viu nas propostas do PCP uma clara incompatibilidade com os princípios da liberdade de circulação e de estabelecimento de empresas.

Interpretação esta que é um deliberado entorse aos pressupostos e objectivos que presidem ao diploma da bancada comunista. É que em causa não está a liberdade de fixação das empresas mas sim a definição contratualizada de condições mínimas para aquelas que beneficiem de ajudas públicas.

O que o PCP quer evitar que suceda no futuro é que «um certo tipo de investimento empresarial, especulativo, que procura obter o máximo de lucro no menor período de tempo possível» - como observou o deputado Lino de Carvalho, a quem coube defender o projecto comunista - , continue a instalar-se para sugar recursos e explorar mão de obra barata, demandando, em momento ulterior, para outras paragens.

Numa prática que é, afinal, como foi sublinhado, consequência da «desregulada globalização do sistema económico capitalista», surgindo simultaneamente como o resultado de quem opta, como é o caso português, pela manutenção de um perfil de especialização produtiva assente nos baixos salários, nas baixas qualificações e na forte exploração da mão-de-obra.

É este caminho que os comunistas não aceitam e, por isso, entre outras medidas, propõem que «todo o investimento suportado por ajudas públicas seja sujeito a contrato escrito, onde figure um nível mínimo de incorporação nacional», ficando as empresas que violem as condições contratuais obrigadas a reembolsar e indemnizar o Estado e o município afectado.

Também os gestores das empresas devem responder civil e criminalmente pelas consequências sociais da violação do contrato, segundo o articulado do diploma, que prevê, noutro plano, a existência de um Fundo Extraordinário de Apoio à criação de emprego e que o Governo torne públicos os contratos e ajudas públicas outorgadas a empresas protagonistas de processos irregulares de deslocalização.


Rasto de dor e miséria


No total, desde 1999, segundo as estimativas, foram mais de 200 as empresas envolvendo cerca de 50 mil trabalhadores que encetaram processos de deslocalização, dando origem a processos de despedimento colectivo e à alienação ou transferência de equipamentos.

Nessa extensa lista constam empresas inseridas não apenas nos sectores tradicionais de mão-de-obra intensiva ou com fraca produtividade mas também empresas que se distinguem pela sua tecnologia avançada e eficiência e, inclusivamente, pelas suas elevadas produtividades, como é o mais recente e mediatizado caso da C & J Clarks.

Recordadas por Lino de Carvalho foram os nomes de algumas dessas empresas que deixaram ou estão em vias de deixar atrás de si um rasto de problemas sociais, de miséria e desemprego.

O grupo inglês de calçado C & J Clarks, em Castelo de Paiva, envolvendo 588 trabalhadores, optou pela Índia e pela Roménia;
a empresa de confecções Bawo, em Estarreja, com 80 trabalhadores, tentou transferir clandestinamente equipamentos para a sua fábrica no Egipto;
a Gerry Weber, multinacional alemã de confecções, em Figueiró dos Vinhos, despediu 111 trabalhadores e rumou para a Roménia e Tunísia;
a ECCO’let, dinamarquesa, de calçado, quer despedir os seus 180 trabalhadores da fábrica em Santa Maria da Feira;
a Schoeller, alemã, lançou no desemprego, em Vila Real, 200 trabalhadores;
na ARA, também alemã, em Seia, foram 300 os trabalhadores despedidos;
na Vestus, de capitais holandeses e suecos, no Seixal, foram 414 trabalhadores;
na Melka, em Palmela, o número de trabalhadores atingidos foi de 170;
na Goela Fashion, Santo Tirso, 137 trabalhadores foram para a rua com a transferência da produção para a China e a Eslováquia;
na multinacional suíça ERES, no Fundão, o encerramento lançou 500 trabalhadores no desemprego;
na israelita Bagir, em Coimbra, foi o despedimento colectivo de 283 trabalhadores;
na Lear, de capitais norte-americanos, em Palmela, está em curso um processo de redução de pessoal envolvendo uma parte dos seus 1.469 trabalhadores;
na Alcoa, no Seixal, assiste-se a igual propósito de transferência de uma parte da produção para a Hungria;
na Schneider, que já transferiu parte da sua produção para França, persiste a ameaça do encerramento e o despedimento dos seus 160 trabalhadores;
na NEC, consumou-se a mudança para o Japão e o despedimento de 290 trabalhadores;
na Yazaki Saltano, em Ovar, os seus 2.200 trabalhadores temem pelo futuro perante as ameaças de encerramento;
na Philips, em Ovar, fala-se da sua saída para a Eslováquia, pondo em causa 800 postos de trabalho; na Delphi, em Oeiras, depois da sua saída para a África do Sul, foram 450 os trabalhadores lançados no desemprego;
para igual situação foram remetidos 300 trabalhadores, em Sintra, depois da Samsung ter feito as malas e marchado para a Hungria.