INSULTO AOS IDEAIS DE ABRIL

«Uma lei an­ti­de­mo­crá­tica, muito mais pró­xima do 24 do que do 25 de Abril»

Abril, mais uma vez. Mais uma vez a co­me­mo­ração da festa que foi o 25 de Abril de 1974 e os dias e os meses que se lhe se­guiram: a festa do povo nas ruas fes­te­jando o fim do fas­cismo, da opressão e da re­pressão; a festa do povo nas ruas dando, num ca­minho novo, os pri­meiros passos para um tempo novo, um tempo de li­ber­dade, de paz, de jus­tiça, de so­li­da­ri­e­dade, de cons­trução de uma de­mo­cracia que, assim, feita co­lec­ti­va­mente, nascia com um con­teúdo de­mo­crá­tico raro e global: na im­plan­tação da li­ber­dade, no de­sígnio de pôr termo à guerra e ao co­lo­ni­a­lismo e de trazer a paz a Por­tugal, na pre­o­cu­pação so­cial de in­citar os tra­ba­lha­dores e o povo a apro­pri­arem-se dos di­reitos que por di­reito hu­mano lhes per­ten­ciam, no es­tí­mulo aos avanços sócio-eco­nó­micos que, tra­du­zidos em im­por­tantes e his­tó­ricas con­quistas dos tra­ba­lha­dores e do povo, cons­ti­tuíram um mo­mento maior da nossa His­tória e o acto mais pro­gres­sista e de maior mo­der­ni­dade da nossa vida co­lec­tiva.
Para a imensa mai­oria dos por­tu­gueses que vi­veram esses dias e esses meses, a re­vo­lução de Abril e as suas con­quistas cons­ti­tuem uma re­fe­rência sin­gular que deixou marcas im­pres­sivas em todas as me­mó­rias. A Re­vo­lução mos­trou ou con­firmou a mi­lhares e mi­lhares de pes­soas que a luta pode tornar pos­sível o im­pos­sível. E essa é uma lição que im­porta ter pre­sente sempre e par­ti­cu­lar­mente nos mo­mentos em que as di­fi­cul­dades e os obs­tá­culos são mai­ores e mais di­fí­ceis.

As con­quistas de Abril, pelo seu con­teúdo pro­gres­sista e re­vo­lu­ci­o­nário, pela mo­der­ni­dade de que se re­ves­tiam, pelos si­nais de fu­turo que trans­por­tavam, fi­zeram es­tre­mecer o grande ca­pital na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal que cedo pôs em marcha os me­ca­nismos ca­pazes de de­fender a todo o custo o ve­lhís­simo sis­tema ba­seado na ex­plo­ração do homem pelo homem – logo, ba­seado na vi­o­lação de di­reitos hu­manos fun­da­men­tais - fonte de in­jus­tiças, de de­si­gual­dades, de ex­plo­ração e de opressão.
A contra-re­vo­lução foi posta em marcha logo que foram dados os pri­meiros passos de cons­trução de uma de­mo­cracia em tudo res­pei­ta­dora dos di­reitos hu­manos. Graças a po­de­rosos apoios do grande ca­pital na­ci­onal e es­tran­geiro, em frontal opo­sição e des­res­peito pela Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa, a contra-re­vo­lução, agindo a partir do Poder e à margem dele, li­quidou parte con­si­de­rável dessas con­quistas; a re­forma agrária foi des­truída – e, assim, o la­ti­fúndio foi re­cons­ti­tuído, hec­tares e hec­tares de terras vol­taram a ficar ao aban­dono, se­aras foram trans­for­madas em cou­tadas; um an­ti­de­mo­crá­tico e an­ti­cons­ti­tu­ci­onal pro­cesso de pri­va­ti­za­ções, tra­du­zido no saque de todas as em­presas pú­blicas ren­tá­veis, voltou a pôr as ala­vancas do poder eco­nó­mico nas mãos de grandes grupos eco­nó­micos e fi­nan­ceiros e con­duziu à acen­tu­ação da ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores e a uma cada vez maior de­si­gual­dade na dis­tri­buição da ri­queza; di­reitos im­por­tantes al­can­çados pelos tra­ba­lha­dores, foram-lhes re­ti­rados por ordem e em be­ne­fício do grande ca­pital; a in­de­pen­dência e a so­be­rania na­ci­o­nais so­freram fortes e graves ma­cha­dadas; acen­tuou-se o em­po­bre­ci­mento do con­teúdo de­mo­crá­tico do re­gime saído de Abril. Ou seja: em nome da de­mo­cracia e da mo­der­ni­dade, a po­lí­tica de di­reita nas­cida da contra-re­vo­lução mu­tilou gra­ve­mente a de­mo­cracia e a mo­der­ni­dade de Abril.
A luta contra a po­lí­tica de di­reita é, assim, uma luta por Abril e pelos seus ideais de li­ber­dade, jus­tiça so­cial, bem estar, paz, so­li­da­ri­e­dade.

Co­me­mo­ramos o 29.º ani­ver­sário do 25 de Abril num mo­mento em que os exe­cu­tantes da po­lí­tica de di­reita – que tem sido pra­ti­cada desde 1976 (pra­ti­ca­mente sem in­ter­rupção) pelo PS, pelo PSD e pelo CDS-PP, so­zi­nhos, aos pares ou todos juntos – se pre­param para des­ferir mais um vi­o­lento golpe no con­teúdo de­mo­crá­tico do re­gime. Num mo­mento, também, em que o pi­quete de ser­viço a essa po­lí­tica – neste caso o Go­verno Bar­roso/​Portas – acaba de en­ver­go­nhar Por­tugal e os por­tu­gueses li­gando os nomes do nosso País e do nosso povo ao brutal acto de bar­bárie co­me­tido, no Iraque, pelo im­pe­ri­a­lismo norte-ame­ri­cano. Num caso e noutro é Abril que está a ser posto em causa, são os ideais de Abril que estão a ser es­pe­zi­nhados e avil­tados, é a de­mo­cracia cada vez mais em­po­bre­cida de con­teúdo de­mo­crá­tico.
O apoio do Go­verno por­tu­guês à bru­ta­li­dade im­pe­rial no Iraque é também, na cir­cuns­tância, o apoio ao do­mínio do mundo pelo Im­pério, ao do­mínio do mundo por um re­gime donde emergem, cada vez mais evi­dentes, o tom, o ar­gu­mento e a prá­tica fas­ci­zantes ao ser­viço dos «in­te­resses fun­da­men­tais dos EUA».
A cha­mada «lei dos par­tidos» - con­ge­mi­nada e pro­du­zida pelos par­tidos da po­lí­tica de di­reita a pre­texto de uma de­no­mi­nada «re­forma do sis­tema po­lí­tico» - é uma lei pro­fun­da­mente an­ti­de­mo­crá­tica, muito mais pró­xima do 24 do que do 25 de Abril, um in­sulto aos ideais de Abril. É, além disso e como não podia deixar de ser, uma lei que tem o PCP, prin­cipal obs­tá­culo à con­cre­ti­zação plena da po­lí­tica de di­reita, como alvo prin­cipal do seu con­teúdo an­ti­de­mo­crá­tico. O pa­la­vreado pre­ten­sa­mente de­mo­crá­tico em que os pro­mo­tores em­balam a lei que fi­zeram, é uma des­ca­be­lada ma­ni­fes­tação de hi­po­crisia. Hi­po­crisia que ul­tra­passa todos os li­mites co­nhe­cidos se se tiver em conta, para além do con­teúdo an­ti­de­mo­crá­tico da lei, o mo­mento es­co­lhido para a sua apro­vação. Com efeito, fazer coin­cidir a apro­vação de tal lei com o 25 de Abril cons­titui, por parte desses par­tidos, uma au­tên­tica pro­vo­cação, um au­tên­tico acto de ter­ro­rismo po­lí­tico.