O ladrão de Bagdad

Leandro Martins
An­ti­ga­mente - como estes «an­ti­ga­mentes» são re­la­tivos! - as re­por­ta­gens de imagem de guerra davam para ver, ao vivo, como as ac­ções se de­sen­ro­lavam e, a partir da guerra do Vi­et­name, as no­tí­cias pas­saram a ter, elas pró­prias, um peso grande no de­sen­rolar dos con­flitos. Os re­pór­teres fil­mavam tudo, acom­pa­nhando as tropas, tor­navam cor­rendo a meter as bo­binas en­la­tadas no cor­reio aéreo, nos ae­ro­portos al­guém as pes­cava e corria a re­velar os filmes, a correr se fa­ziam mon­ta­gens e, de co­ração aper­tado, nessa noite ou no dia se­guinte, as fa­mí­lias viam na TV como era grave e hor­rível e triste uma guerra assim.
De­pois da Guerra do Golfo, a coisa «me­lhorou»: na noite dos de­sertos, ris­cadas a verde, pas­savam as bombas ci­rúr­gicas, nem se­quer os ar­dentes in­cên­dios se viam, vozes havia que con­tavam os mortos, ou­tras vozes, pagas a bom dólar, as­se­gu­ravam que a li­ber­dade se ins­ta­lava à bomba sem matar nin­guém. E tudo era em di­recto, isto é, podia-se não ver nada mas o que se via era ins­tan­tâneo, sem cor­re­rias nem es­fal­fa­mentos.
Desta vez, o me­lho­ra­mento foi de ar­romba. Cer­cados num hotel e ainda assim bom­bar­de­ados pelo fogo amigo, os jor­na­listas mos­travam a cara e ou­viam-se ao longe os es­trondos. Do outro lado, jor­na­listas que mais se as­se­me­lhavam a apre­sen­ta­dores de botas bo­tildes, davam as no­tí­cias que o amigo dei­xava. De dia, viam-se, de um lado, os «ale­gados» fe­ridos a dar en­trada nos hos­pi­tais; do outro lado, civis ape­li­dados de mi­li­tares eram obri­gados a ajo­e­lhar-se no pó do de­serto, meia dúzia de mu­lheres im­plo­ravam água.
Du­rante uma se­mana, a guerra con­tada pelo Tio Sam: um sol­dado a dar um pon­tapé num vidro. Na se­mana se­guinte, co­lunas pro­gre­diam na po­eira, en­quanto as vozes davam conta da «queda» de ci­dades que nunca mais caíam. Na ter­ceira se­mana, a guerra passou a ser um ge­neral a ex­plicar porque es­tavam pa­rados. Todo este tempo, Saddam, fi­lhos e mi­nis­tros, sen­tados em som­brias salas, con­ver­savam para a gente ver. Eram só­sias, di­ziam, os tais que eram tantos que ne­nhum foi apa­nhado para amostra.
Fi­nal­mente, a li­ber­dade, as ver­da­deiras cenas da guerra. O saque. Mas as ima­gens con­ti­nu­aram a ser po­bres, sempre os mesmos a correr agar­rados a jar­rões, a ca­deiras e a fri­go­rí­ficos, en­quanto os ver­da­deiros la­drões, a co­berto das câ­maras, iam es­va­zi­ando mu­seus. Por fim, o la­drão de Bagdad chegou e disse que vai ser tudo muito rá­pido, os planos de re­cons­trução estão feitos, os or­ça­mentos apro­vados, é só co­meçar a chupar o pe­tróleo.
Pre­firo outro Hollywood, o outro la­drão, que usava tur­bante e voava sobre um ta­pete.



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