Terras proletárias

Cortiça, navios, aço, adubos. A estas produções, e a muitas outras, várias gerações de trabalhadores da Península de Setúbal ofereceram a força dos seus braços e os melhores anos das suas vidas. A elas se devem também as características ímpares desta região – se bem que indirectamente, pois é o homem e não a coisa o sujeito da história.
No século XIX, foram constituídos importantes núcleos operários em algumas localidades da região, tendo-se desenvolvido em seu torno uma cultura muito própria, de que o movimento associativo popular é apenas uma das suas expressões, porventura a mais duradoura. Algumas colectividades centenárias, ainda hoje existentes, nascem destes núcleos e com estas – e outras – se desenvolvem a cultura e o lazer, a alfabetização e a leitura colectiva de jornais. Por exemplo, o primeiro jornal de classe dos operários corticeiros portugueses – O Cor­ti­ceiro – nasceria mesmo em Almada, em 1899, e irradiaria pelos núcleos corticeiros existentes, sobretudo na margem sul do Tejo e no Algarve.
É em torno desta vivência colectiva, desta aprendizagem comum, característica dos núcleos urbanos industriais da época e nascida das duras condições de trabalho e da difícil sobrevivência, que se foi ampliando a consciência social e de classe.
Mas é já com o fascismo que se dá a grande explosão industrial dos concelhos da Península de Setúbal. Protegidos pela força brutal da repressão, os patrões dos grandes grupos económicos constróem e reforçam os seus impérios à custa do árduo trabalho dos operários. À CUF, no Barreiro, vêm juntar-se os grandes estaleiros da Lisnave, em Almada (propriedade do mesmo José de Mello que possui o grupo CUF), e a Siderurgia Nacional, no Seixal, pertencente a outro dos verdadeiros donos do País, António Champallimaud. À região convergem milhares de pessoas em busca do trabalho desejado e os concelhos crescem. O desenvolvimento chegaria muito mais tarde, com o poder local democrático, também ele emanação da cultura operária da região.
O resto, é conhecido. Com as empresas, cresce a consciência e intensifica-se a luta. Com o 25 de Abril, os impérios industriais passam para as mãos do Estado e os trabalhadores passam, finalmente, a produzir para o País, para si próprios. Mas por pouco tempo. As sabotagens e os ataques ao (então) forte sector empresarial do Estado chegam com a contra-revolução e só a força e unidade dos trabalhadores impede a sua concretização.
Com o PSD de Cavaco Silva começa a entrega destes gigantes industriais aos privados, algumas delas aos antigos donos. Todas estas empresas, e muitas outras, atravessam hoje uma fase crítica: a Qui­migal (nome dado ao complexo adubeiro do Barreiro após as nacionalizações) e a Si­de­rurgia Na­ci­onal foram segmentadas e privatizadas e da Lis­nave resta apenas o estaleiro de Setúbal.
Apesar destas transformações, os operários ocupam ainda um lugar destacado na região: segundo o Censos 2001, representavam ainda 24 por cento do total, tendo no entanto já sido ultrapassados pelos trabalhadores do comércio e serviços, que representam actualmente 38 por cento.

Há al­ter­na­tiva

A Or­ga­ni­zação Re­gi­onal de Se­túbal, na sua as­sem­bleia, re­a­li­zada em Março deste ano, aprovou as li­nhas ge­rais do que con­si­dera ser o de­sen­vol­vi­mento ne­ces­sário para a Pe­nín­sula. Entre pro­postas sobre trans­portes, aces­si­bi­li­dades e ser­viços pú­blicos, também lá es­tavam ou­tras, sobre o de­sen­vol­vi­mento eco­nó­mico in­te­grado.
· nova ori­en­tação po­lí­tica e de gestão para os sec­tores bá­sicos e es­tra­té­gicos: cons­trução e re­pa­ração naval; si­de­rurgia, ce­lu­loses, ci­mentos, adubos, me­ta­lo­me­câ­nica pe­sada; cons­trução au­to­móvel e ma­te­rial eléc­trico.
· ces­sação dos pro­cessos de pri­va­ti­zação dos ser­viços pú­blicos e fun­ções do Es­tado.
· pri­o­ri­dade à ac­ti­vi­dade pro­du­tiva com in­cen­tivos à pro­dução na­ci­onal de base re­gi­onal e va­lo­ri­zação e apoio às micro, pe­quenas e mé­dias em­presas.
· di­ver­si­fi­cação das ac­ti­vi­dades in­dus­triais e apro­vei­ta­mento e va­lo­ri­zação dos vá­rios re­cursos agrí­colas, pe­cuá­rios, pis­ca­tó­rios e flo­res­tais.
· au­mento da com­po­nente na­ci­onal da pro­dução do sector au­to­móvel.



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