Defesa Nacional e Forças Armadas

Os perigosos rumos do populismo

Rui Fernandes
Quando da discussão e votação das Grandes Opções do Conceito Estratégico de Defesa Nacional alertámos, entre outros aspectos, para a perigosa mistura conceptual entre defesa nacional e segurança interna e a abertura daí resultante para o uso das FFAA em missões no plano interno. Agora, surge um novo desenvolvimento com a intenção de fundir os serviços de informações, estando subjacente a este projecto não uma putativa poupança de dinheiros públicos, mas sim a implementação de um outro paradigma nesta matéria, a saber: o paradigma da «segurança nacional».
Procurando desvalorizar o real significado desta fusão do ponto de vista do funcionamento do Estado democrático, Durão Barroso afirmou que é «meramente burocrática hoje em dia a distinção entre ameaça interna e ameaça externa».
Foi assente neste mesmo paradigma que o Governo, pela voz de Durão Barroso e de Paulo Portas, vieram exigir que «as discussões acabem» e que «todos sejamos solidários» com os nossos homens no Iraque, recuperando no plano ideológico e da acção psicológica argumentos usados no tempo do fascismo junto do povo português para condicionar o protesto pelo envio de militares para a guerra colonial.
É partindo deste enquadramento político e ideológico, que depois é introduzido no estilo, no discurso, no jeito, populismo e demagogia em doses variadas e apropriadas consoante as matérias e, claro está, tudo devidamente mediatizado.
Por exemplo, falou-se muito de problemas, ilegalidades, paralisias, práticas à margem dos enquadramentos legais, por parte da PJM. Foi apressadamente aberto inquérito, fechado inquérito e acabou-se o problema. Acabou-se mesmo? Porque é que a maioria parlamentar não aceitou a proposta do PCP de ouvir antigos e actuais responsáveis? Quem garante que tudo funciona hoje dentro da escrupulosa legalidade? O MDN Paulo Portas?
Mas, se olharmos à situação mais global das FFAA, poderemos com relativa facilidade verificar que, entre o discurso e a aparente resolução dos problemas e a realidade, existe uma enorme distância. Olhamos o OE para 2004 e a verdade dos factos é que ele não dá resposta às questões centrais. E o problema não é simplesmente o de mais dinheiro, mas de outras opções. Conforme o PCP de há muito refere, mais dinheiro não significa necessariamente melhores FFAA e maior capacidade operacional.
Importa pois repetir que o aumento orçamental verificado no OE, se deve simplesmente ao facto de a Lei de Programação Militar estipular para 2004 um volume de verbas superiores a 2003. Mas importa também esclarecer que esse facto não significa que no final de 2004 as FFAA estejam melhor apetrechadas do ponto de vista do reequipamento. Uma coisa são as dotações, outra coisa é a concretização.
Uma leitura da LPM e da dinâmica dos programas ao longo dos próximos anos é desde logo indicativo de que só, sensivelmente, para 2010, é que os programas fundamentais ganham expressão financeira e anota-se a curiosidade do salto financeiro previsto de 2005 para 2006, ano de eleições.

Um Orçamento de truques

Se a ministra das Finanças está obcecada com o défice, o ministro Portas está fixo em «limpar» os paióis dos EUA. Só assim se compreende as sucessivas opções por material americano; a intenção de gastar entre 90 a 120 milhões de contos na compra de fragatas que vão depois necessitar de muitos outros milhões para atingirem padrões operacionais razoáveis; que insista, como prioridade, na compra de submarinos, etc.. Tudo isto enquanto permanecem com significativos atrasos a construção dos Patrulhas (só dois), num quadro em que é cada vez mais urgente Portugal ganhar capacidade de fiscalização e cobertura das áreas marítimas sob responsabilidade nacional, entre outros e importantes aspectos, tendo em conta as dinâmicas existentes ao nível da UE quanto à comunitarização da nossa ZEE e o mais que se verá, mas que se pressente.
Mas o OE que acaba de ser aprovado é também um orçamento de truques. Como chamámos à atenção oportunamente, se alguma coisa caracteriza este orçamento é a suborçamentação nas áreas sociais, das pensões e do pessoal. No Exército fala-se de cerca de 200 milhões de euros suborçamentados, mas esta é uma realidade mais global.
Ao bom estilo prepotente, Portas não responde às inúmeras questões que, pela parte do PCP, lhe têm sido colocadas, optando antes por dar largas à sua vertente populista e malabarista.
Não dando resposta a nenhuma das questões de há muito colocadas, avança para a Central de Compras e adiantou já que poupou muitos euros em telemóveis, procurando passar por cima dos chorudos vencimentos que paga a dezenas de acessores. Avança de forma estapafúrdia para o chamado Dia da Defesa com o principal argumento de que «está na lei». Mas procura ignorar que a Lei tem muitas outros aspectos por cumprir e que, ao avançar como avançou para a concretização do Dia, desvirtuou e subverteu as reais razões que conduziram à sua criação. Continua a anunciar a entrega de um relatório sobre a profissionalização, coisa que nunca mais surge, mas relativamente ao qual, de substancial, não prevemos nada bom. Até porque sobre esta matéria está tudo escrito e dito. As dezenas de audições promovidas pela Comissão Parlamentar de Defesa quando da revisão da LSM em 1999, serão sempre um instrumento mais rico do que um tecnocrático relatório. Mas esse tal relatório, para fazer jus ao ministro, terá de conter algo de mediático (por exemplo, a criação de um canal televisivo sobre defesa nacional) que desvie as atenções daquilo que realmente importa, permita colocar mais uns boys e, muito importante, ter mais um instrumento de acção ideológica e psicológica. Entretanto, as FFAA que se amanhem e é assim que surge a «directiva para a transformação do Exército» contemplando o outsourcing e modificando uma visão do Exército como um corpo gerador de forças, para uma força essencialmente operacional, projectável, pronta a ser empenhada, com estruturas mínimas de apoio. É assim também que Durão/Portas surgem a bordo de uma fragata para dizer que a Marinha terá de ser mais pequena mas mais moderna. Mas como ser mais pequena se, comprando as já referidas fragatas, precisam de maiores guarnições e abrem para a necessidade de uma nova linha de apoio logístico? É isso que importa a Durão Barroso/Portas. Façam outsourcings, amanhem-se....

Um perigoso rumo

Todo este não exaustivo conjunto de questões revela o perigoso rumo do populismo e a manutenção dos factores essenciais que conduziram ao estado de degradação existente, factores estes para os quais contribuíram em muito as políticas levadas a cabo pelos governos do PS. Aliás, nesta área sempre houve uma grande consensualização entre o PS e o PSD.
No presente contexto político, é acrescidamente preocupante tendências consensualizantes do PS face à ideia de fusão dos serviços de informações. Por outro lado, preocupa igualmente a atitude compreensiva do Presidente da República e Comandante Supremo das FFAA face a opções de reequipamento que retardam e não se empenham na concretização de programas prioritários e, ao invés, lança programas inseridos numa lógica de projecção de força e integração em forças multinacionais, seja no âmbito da NATO seja através de acordos bilaterais nada transparentes com os EUA.
O PSD, que pelos anos que teve na sua responsabilidade directa o MDN tem muitas responsabilidades no estado a que as FFAA chegaram, tenta aparecer agora com o discurso da salvação da desgraça. E a salvação que apresentam, com o determinante contributo do PP, é terminar a destruição do Estado democrático construído com a Revolução de Abril.
Estas são pois razões, entre muitas outras, para prepararmos desde já umas fortes comemorações dos 30 anos da Revolução de Abril.


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