O segredo de Carlos Paredes

Urbano Tavares Rodrigues
Num dia par­ti­cu­lar­mente bo­nito de Lisboa, em que todas as coisas me sor­riam, ao en­trar num táxi, ouvi re­picar, em tim­bres cris­ta­linos, a gui­tarra má­gica de Carlos Pa­redes. Entre a sur­presa e o en­can­ta­mento, disse ao con­dutor, a sondá-lo:
— Então o se­nhor gosta desta mu­sica...
— Eu? Adoro. Quando a es­cuto, toca-me a alma. Não sei porquê. Tenho todos os discos do Carlos Pa­redes.
Per­cebi então, me­lhor do que nunca, que estes sons que o Carlos, meu amigo e com­pa­nheiro, re­cebeu do povo da nossa terra, assim li­que­feitos em luz, ao povo tornam numa clara men­sagem de ale­gria e es­pe­rança.
O táxi ro­dava pelas ruas da Baixa, perto do Tejo, e eu, sem perder uma nota, re­me­mo­rava tantos mo­mentos de en­ten­di­mento pro­fundo em que a minha vida se cruzou com a de Carlos Pa­redes, na luta pelos nossos ideais ou em con­versas sobre a arte e sobre a es­tranha be­leza de um mundo tão cons­tan­te­mente cruel como é o nosso.
O Carlos Pa­redes dá-nos pre­ci­sa­mente o re­verso da von­tade de poder e da longa ca­ra­vana de in­jus­tiças que sempre com­ba­temos. A sua mú­sica, onde a fe­li­ci­dade pousa nas leiras de Por­tugal e uma branda aragem ir­mana o tra­balho e a festa, traz acordes de igual­dade às de­si­gual­dades da terra e traz so­luços de jú­bilo, porque nela se har­mo­nizam, como num pa­raíso so­nhado, a dor e o prazer.
Ah! Carlos Pa­redes, quantos mo­mentos de exal­tação se­rena e de con­fi­ança na Hu­ma­ni­dade a tua mú­sica me tem tra­zido. Mesmo que o cep­ti­cismo volte de­pois a ar­re­pelar-me o es­pi­rito, ficou em mim essa pu­reza de cri­ança grande que anima toda a tua cri­ação.
A gui­tarra por­tu­guesa, que teu avó e teu pai to­caram com mes­tria, é nas tuas mãos sor­ti­légio go­ver­nado pela ver­dade me­ló­dica, um mis­tério sim­ples e in­fi­ni­ta­mente com­plexo, como todos os mis­té­rios, que es­ti­veste bem perto de de­ci­frar. O que nele per­ma­nece semi?oculto, já longe dos campos do Mon­dego, dos «se­nhores da terra» e da em­bru­xada noite de Coimbra, é como o ovo de Co­lombo: é o se­gredo do amor, que con­siste em passar quase in­sen­si­vel­mente dos muros do eu para o se­reno e total brilho da dá­diva.



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