Faluja

Jorge Cadima

A re­sis­tência à ocu­pação mi­litar do Iraque pelos EUA e seus la­caios é uma re­sis­tência na­ci­onal

O Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas dos EUA, General Myers, declarou na passada 6ª- eira que a situação no Iraque «está, na realidade, a correr bastante bem» (AP, 23.4.04). Passadas 48 horas, o número de soldados americanos mortos no Iraque desde o início de Abril ascendia a 122 (www.repubblica.it, 25.4.04), numa média de quase 5 mortes por dia. No passado dia 16, o jornal italiano Repubblica dizia na Internet, às 20 horas e 36 minutos, que segundo o ministro da Defesa dos EUA, Rumsfeld, a «revolta de Moqtada al-Sadr falhou» Uma hora e 47 minutos mais tarde, a mesma fonte dizia que o mesmo ministro acabava de anunciar que 20 000 soldados americanos que deviam regressar a suas casas nos próximos dias, após cumprir a sua comissão de serviço no Iraque, iriam ter de permanecer naquele país.

As cada vez mais delirantes afirmações dos responsáveis norte-americanos sobre o decurso da guerra no Iraque evidenciam aquilo que o mundo inteiro já compreendeu: a resistência à ocupação militar do Iraque pelos EUA e seus lacaios é uma resistência nacional, popular e de massas; e as forças agressoras e ocupantes – longe de serem todo-poderosas – são incapazes de controlar a situação, sofrendo um desgaste permanente que as lança para uma repressão cada vez mais assassina.

A estrutura de coordenação das ONGs activas no Iraque emitiu um comunicado conjunto – numa iniciativa inédita, quase completamente ignorada pela dócil comunicação social do regime e do patronato – denunciando «serem tes­te­mu­nhas da ocu­pação de hos­pi­tais pelas forças oci­den­tais, como acon­teceu em Najaf e no Hos­pital Geral de Fa­luja, para aí po­si­ci­onar franco-ati­ra­dores que dis­param sobre civis. [...] Nu­me­rosas am­bu­lân­cias foram al­ve­jadas pelos mi­li­tares ame­ri­canos, mesmo quando trans­por­tavam fe­ridos a bordo» (www.unita.it, 14.4.04). Eis o «outro lado» da his­tória dos franco-ati­ra­dores: «Es­pe­ci­a­listas dos Ma­rines dizem que Fa­luja é um dos campos de ba­talha mais «rico em alvos» para os franco-ati­ra­dores desde a ba­talha por Es­ta­li­ne­grado, du­rante a II Guerra Mun­dial [...]. Os franco-ati­ra­dores dos Ma­rines, cuja pa­lavra de ordem é «um tiro, um morto» dis­param dos tectos, em zonas den­sa­mente po­vo­adas de Fa­luja [...]. Em­bora ofi­ci­al­mente seja po­lí­tica ofi­cial de­sen­co­rajar os Ma­rines de contar o nú­mero de pes­soas que ma­taram, con­tinua a ser há­bito fazê-lo. Em quase duas se­manas de con­flito aqui, um cabo duma ci­dade do Midwest des­tacou-se como o maior franco-ati­rador, com 24 mortes con­fir­madas. Como termo de com­pa­ração, o mais des­ta­cado franco-ati­rador do Corpo de Ma­rines no Vi­et­name matou 103 pes­soas em 16 meses. [...] “Senti-me bem a fazer o meu tra­balho, bem em eli­minar uns gajos maus”» afirmou o democrático-ocidental cabo (Los An­geles Times, 17.4.04). É assim que se «pa­ci­fica» (nas palavras do Brig. Gen. Kimmit, CNN, 2.4.04) essa cidade de 300 000 habitantes. Onde, segundo fontes hospitalares locais, as tropas imperialistas já mataram mais de 600 iraquianos.

A barbárie destrutiva dos terroristas de Washington é também o resultado do dilema que enfrentam. Queimaram as hipóteses de recuo, ao tornar claro ao mundo inteiro que o seu objectivo último é a hegemonia planetária, também pela via militar. E, agora, o grande capital dos EUA compreende que uma derrota da sua aventura iraquiana teria consequências imprevisíveis, potencialmente revolucionárias. Não são os únicos com esse temor. Como disse o Comissário britânico da União Europeia, Chris Patten, «dizer que o Iraque se pode tornar num pro­blema tão di­fícil como o Vi­et­name é er­rado, pois penso que pode ser muito mais sério» (Reuters, 17.4.04). Daí que seja de particular importância a solidariedade dos trabalhadores e povos de todo o mundo com a heróica resistência do povo iraquiano. Para travar quaisquer crimes ainda maiores. E também para que a comparação do Los An­geles Times com Estalinegrado venha a ser bem mais profética do que esse jornal americano alguma vez pensou.


Mais artigos de: Opinião

Insaciáveis

O Partido Socialista e os partidos da direita parecem ter encontrado uma forma original de comemorar o 25 de Abril: Unindo votos para a aprovação na Assembleia da Republica de novos e graves retrocessos democráticos. A moda parece ter vindo para ficar. O ano passado em torno da nova legislação dos partidos políticos,...

O senhor engenheiro engraxa?

No sagrado respeito pela ordem natural das coisas e em serviço combinado, a Renascença e o Público entrevistaram Belmiro de Azevedo. José Manuel Fernandes fez as honras do Público. Trata-se de uma entrevista a um homem de Abril («antes do 25 de Abril ninguém o conhecia. Hoje é o homem mais rico de Portugal»), espécie de...

O velho Abril

Não passa um ano sem que, Abril chegado, não venham alguns - são hoje muitos, às claras - proceder à ressurreição de velhas múmias de um passado velho. Abril não teve apenas datas gloriosas, sempre contadas a partir de 25. Não é por acaso que, quando se quer referir o fascismo, se diz 24 de Abril. E é gente do 24 que,...

O silêncio

A detenção, a semana passada, do major Valentim Loureiro acabou por se revelar menos inesperada que as reacções que desencadeou - o que só confirma que nenhuma estranheza é terminal: à sua espera pode sempre haver outras maiores.A detenção, propriamente dita, foi e não foi estranha.Para quem já se convencera que a...