As emissões sobre a história dos Jogos Olímpicos

Francisco Silva
Cre­tinos! É o que me apetece chamá-los, depois de tão bombardeado pelos meios de comunicação social, a começar pela televisão e em particular pelas emissões da RTP1 – serviço público, ou o serviço público é apenas para a RTP2? Não sei, nem bem nem mal –, a propósito das emissões sobre os Jogos Olímpicos no período – semanas, dias – que antecedeu a realização dos recentes Jogos Olímpicos de Atenas.
Chamá-los cretinos – e se os chamasse assim não me referiria apenas aos tradutores para português dos filmes e à sua bem patente ignorância, ou aos responsáveis de que tal possa vingar nas traduções, nem sequer aos estrangeiros originadores de tais filmes, que sabem porque fazem as coisas como as fazem, nem aos que escolheram os produtos –, chamá-los cretinos foi apenas um primeiro impulso e quem escreve deve antes de tudo arrefecer as suas fúrias, refreá-las e ter tento na língua, até porque já terei mais do que idade para tal!
Mais a mais, há anos que tento não escrever sob o desporto e cingir-me apenas a áreas mais próximas da minha contiguidade profissional. Isto, a)porque tendo sido praticante desportivo anos a fio, mesmo a um nível de trabalho e entusiástica dedicação que me permitiu participar em competições internacionais diversas, incluindo nos Jogos Olímpicos, b)porque, além disso, mesmo tendo tirado um curso de treinador pela Federação do desporto que pratiquei com tanta paixão, infelizmente nunca tendo tido tempo para me dedicar ao seu ensino devido às minhas obrigações profissionais, c)ou porque tendo passado pelo dirigismo desportivo, quer ao nível de clube, quer de Federação / Associação Regional, por onde ainda vou andando - pior que melhor -, d)e ainda por ser um «praticante de bancada» e assistente / leitor via comunicação social com grande persistência e assiduidade ao longo de várias décadas; isto, porque não obstante toda a minha proximidade com o desporto (e mais poderia ainda aduzir quanto a minha proximidade ao Desporto, mas, por agora, vou ficando por aqui!), dizia, porque não obstante o que foi dito - e tal vez por isso mesmo - nunca me achei habilitado para tal, sobretudo tratando-se de um assunto tão importante. Mas não pude mais ficar-me como um mudo!
Os Jogos Olímpicos são mesmo um assunto de grande importância, construídos, desde a Antiguidade, com base no atletismo e em desportos de combate. E este destaque ficou bem evidente nos trabalhos apresentados pela RTP1 sobre a História dos Jogos Olímpicos, tanto os da Grécia como os actuais. E, por isso, bem haja a RTP1, a qual, fora de ironias e com toda a seriedade, deve ser louvada por ter passado tais programas, não obstante todas as deficiências que lhes possam ser apontadas.
Deficiências de falta de rigor visível em contradições e dizeres opostos em fases diferentes, de parcialidades para fazer lembrar com acuidade que a Guerra Fria ainda não está deglutida, parcialidades estes a provocarem os costumeiros erros – quantas vezes a parecerem propositados para manter as ideias das massas «como devem ser». Deficiências acrescentadas pelos erros devidos à má tradução – tanto os erros genéricos (incluindo interpretações abusivas) como os erros relativos a termos de índole «técnica», mas termos que dizem respeito a questões tão significativas que podem ser considerados clamorosos.
Já agora vou referir dois deles, a níveis diversos, mas nenhum deles relativo a qualquer desporto menos conhecido das «massas» globais ou de interesse menor para o nosso público. Assim:

1. A tra­dução de Olympic Games por Olim­píadas – o termo cor­recto é dito e re­dito du­rante os filmes em in­glês, por vezes dito apenas como Games; isto, de­pois de, na mesma es­tação, se ter ex­pli­cado aos «ig­no­rantes» dos te­les­pec­ta­dores que o correr do tempo está di­vi­dido em pe­ríodos de quatro anos que são as Olim­píadas e que o final de cada uma destas é ce­le­brado pela re­a­li­zação de Jogos Olím­picos.
2. A tra­dução de «meio fundo» por «meia dis­tância» – pa­rece uma brin­ca­deira de mau gosto, mas será apenas uma ig­no­rância e falta de cui­dado atrozes, enfim um ba­co­quismo; com efeito, no meio fundo e também no fundo (1500 m, 5000m, 3000m obs­tá­culos, 10000m e ma­ra­tona, pista, es­trada e corta mato), os por­tu­gueses ti­veram oca­sião de ce­le­brar os seus mai­ores feitos des­por­tivos de todos os tempos, de forma con­ti­nuada, re­a­li­zados tanto por parte de mu­lheres como de ho­mens. E feitos di­fi­cil­mente igua­lá­veis, ou se­quer apro­xi­má­veis.

E fico-me por aqui, já esquecido da minha imprecação inicial…


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