E contudo ele move-se
Celebrações da Revolução de Outubro em Moscovo, vi-as apenas na «2:», o que não significa forçosamente que delas não tenha havido notícia nos outros canais portugueses mas aponta, caso acerca delas alguma coisa tenha sido dito, para que tudo se tenha limitado a pouco mais que referências vestigiais. Na «2:», sim, vi imagens ainda que fugazes da Praça Vermelha cheia de gente, um ou dois grandes planos de velhotes e velhotas, uns segundos da intervenção de Ziuganov e, em igual lapso de tempo que me pareceu especialmente emocionante, o desfile de homens que eram jovens soldados em 41, quando da arremetida nazi sobre Moscovo, e agora já não o são. Talvez não ficassem muito bem com os grossos casacões da farda de Inverno e os grandes barretes de pele, mas ainda assim gostei de vê-los, sobreviventes e aprumados. Reflecti então que a sua confiança no futuro sobrevivera a Hitler mas terá sido abalada por Gorbatchev e Ieltsin, que lançaram a cinza da amargura sobre os últimos anos das suas vidas. Mas também não pude gastar muitos segundos em reflexões porque logo a seguir a mininotícia desapareceu do televisor e o jornalista Vasco Trigo, que apresentava o Jornal 2 daquele domingo, rematava-a com um curioso comentário: «... A poucos dias do aniversário da queda do Muro de Berlim!», disse ele. Quase cheguei a interrogar-me sobre a que vinha aquilo do Muro quando seria mais adequado falar do Palácio de Inverno, mas logo afinal entendi: tratava-se de recordar que isso da Revolução de Outubro, esse pesadelo, estava definitivamente ultrapassado, morto e sepultado porventura sob os escombros do Muro, pelo que podem as gentes dormir descansadas, algumas gentes pelo menos. Tratava-se, enfim, de pela enésima vez reafirmar a certidão de óbito, não fosse algum fiel cidadão do mundo ocidental e muitíssimo livre assustar-se receando que o defunto estivesse em vias de se mexer e, por isso, assustar-se. Afinal, o aparentemente estranho remate final de Vasco Trigo compreendia-se lindamente porque, como se sabe, nisto da Revolução de 17 e seus derivados a televisão é danadinha para tranquilizar as pessoas.
Um cadáver irrequieto
Ainda assim, porém, esta vocação obituária que, bem se sabe não é apenas da televisão ainda que seja ela o seu mais eficaz veículo é significativa. A questão é que o defunto comunismo por todo o lado se revela como um cadáver extremamente irrequieto, embora seja certo que nuns lugares mais que noutros. Nem estou a falar apenas dos partidos comunistas, pois bem se sabe que alguns se debilitaram enquanto outros se obstinam numa lucidez que radica na certeza de que o real lhes assegura a razão (ou de que, como há tempos Saramago respondeu a Marília Gabriela na TV Globo, «não há outra coisa»): falo do comunismo como inevitável vocação de milhões de homens e de mulheres que no mundo inteiro sofrem a guerra e a fome e querem eliminar-lhes as causas, rejeitam a extinção das condições de vida no planeta e querem acabar com a intensa e múltipla espoliação que tende a provocá-la. Falo, enfim, da generalizada recuperação de Marx e do marxismo até no interior de círculos que se tinham deixado contagiar pelo falso boato da sua obsolescência. Quando, há dias, no importante encontro internacional realizado em Serpa (e que os media portugueses prudentemente ocultaram), Miguel Urbano Rodrigues recordou que «o velho brado antinómico de Rosa Luxemburgo, “Socialismo ou Barbárie”, não perdeu actualidade», veio sublinhar uma verdade fundamental sem a qual toda a análise política a médio ou longo prazo perde validade. E escusado será referir que o Socialismo a que aludia Rosa Luxemburgo é aquele a que apontou a ainda hoje assustadora Revolução de Outubro, não o «socialismo moderno» do senhor engenheiro Sócrates e de outros que precederam o senhor engenheiro no capítulo das modernidades socialistas.
O facto é que por todo o planeta, perante uma gama de crimes cuja elencagem nem caberia no espaço que aqui ainda me sobra, a indignação dos povos freme e a vocação comunista emerge como a única solução possível, ainda que de modo nenhum a curto prazo. E o suposto cadáver que se agita, que se soergue ou que se mantém de pé, e por isso os porta-vozes da ditadura capitalista/imperialista, conscientes ou não do que dizem e do que isso significa, esconjuram-no continuando a lembrar a sua morte. Acontece, porém, que esconjurá-lo não altera a realidade. E hoje bem podemos imitar, no actual contexto mundial, o que há séculos disse, cheio de razão, o velho Galileu: «- E, contudo, ele move-se!».
Um cadáver irrequieto
Ainda assim, porém, esta vocação obituária que, bem se sabe não é apenas da televisão ainda que seja ela o seu mais eficaz veículo é significativa. A questão é que o defunto comunismo por todo o lado se revela como um cadáver extremamente irrequieto, embora seja certo que nuns lugares mais que noutros. Nem estou a falar apenas dos partidos comunistas, pois bem se sabe que alguns se debilitaram enquanto outros se obstinam numa lucidez que radica na certeza de que o real lhes assegura a razão (ou de que, como há tempos Saramago respondeu a Marília Gabriela na TV Globo, «não há outra coisa»): falo do comunismo como inevitável vocação de milhões de homens e de mulheres que no mundo inteiro sofrem a guerra e a fome e querem eliminar-lhes as causas, rejeitam a extinção das condições de vida no planeta e querem acabar com a intensa e múltipla espoliação que tende a provocá-la. Falo, enfim, da generalizada recuperação de Marx e do marxismo até no interior de círculos que se tinham deixado contagiar pelo falso boato da sua obsolescência. Quando, há dias, no importante encontro internacional realizado em Serpa (e que os media portugueses prudentemente ocultaram), Miguel Urbano Rodrigues recordou que «o velho brado antinómico de Rosa Luxemburgo, “Socialismo ou Barbárie”, não perdeu actualidade», veio sublinhar uma verdade fundamental sem a qual toda a análise política a médio ou longo prazo perde validade. E escusado será referir que o Socialismo a que aludia Rosa Luxemburgo é aquele a que apontou a ainda hoje assustadora Revolução de Outubro, não o «socialismo moderno» do senhor engenheiro Sócrates e de outros que precederam o senhor engenheiro no capítulo das modernidades socialistas.
O facto é que por todo o planeta, perante uma gama de crimes cuja elencagem nem caberia no espaço que aqui ainda me sobra, a indignação dos povos freme e a vocação comunista emerge como a única solução possível, ainda que de modo nenhum a curto prazo. E o suposto cadáver que se agita, que se soergue ou que se mantém de pé, e por isso os porta-vozes da ditadura capitalista/imperialista, conscientes ou não do que dizem e do que isso significa, esconjuram-no continuando a lembrar a sua morte. Acontece, porém, que esconjurá-lo não altera a realidade. E hoje bem podemos imitar, no actual contexto mundial, o que há séculos disse, cheio de razão, o velho Galileu: «- E, contudo, ele move-se!».