Histórias para arquivar
O mundo vai conhecendo mais da ponta do iceberg do que tem sido a vida do Iraque invadido. Para além do horror de Abu Grahib, que Bush, Rumsfeld & Cia se esforçam em impingir como «actos isolados» e não como uma política sistemática do Departamento de Estado, aparece agora a ACLU (União Americana de Liberdades Civis) com nova documentação sobre os abusos sobre a população e especialmente contra os detidos. Depois de um ano de diligências e amparado na Acta de Liberdade de Informação, Anthony Romero, representante da ACLU, garante que o abuso é «rotina» e que «as investigações (do regime de Bush) sobre as alegadas torturas e abusos têm sido totalmente inadequadas» e que «passaram por alto os abusos. Os documentos contam-nos uma história de torturas amplamente generalizadas para além das paredes de Abu Grahib».
Num relatório sobre a sodomização de uma idosa, os investigadores encerraram o caso por «falta de provas». Noutro, apesar de haver suficientes indícios de que vários militares tinham participado em execuções extra-judiciais, nenhum foi processado. Um soldado apresentou uma declaração jurada sobre «crimes de guerra» no Campo Vermelho de Bagdade, mas o processo foi posto de lado por «provas insuficientes». A ACLU não está só quando deixa escapar que a situação dos direitos humanos não é melhor hoje do que nos dias de Saddam, entre outras razoes pelo facto de que – e agora quem o declara é a Human Rights Watch (HRW), organização em nada de esquerda – muitos do esbirros de Saddam fazem hoje parte das forças de segurança do governo colaboracionista. A HRW não se surpreende que a polícia e os guardas estejam a cometer «abusos sistemáticos contra os detidos» e que muitas das suas práticas «sigam imutáveis».
Nisto das torturas, os ocupantes norte-americanos e os colaboracionistas contam com a soldadesca britânica. A BBC publicou há poucos dias fotografias que confirmam novas formas das coincidências de estilo entre Blair e Bush. Algumas mostram os prisioneiros iraquianos em simulações de actos sexuais humilhantes e que os mesmos são utilizados como pranchas de surf. Belo fair play!
Chávez fortalecido
No cumprimento diligente do seu papel de Sharon na América do Sul, Uribe – sobre quem escreveremos com mais detalhe proximamente – levou as relações da Colômbia com a Venezuela à beira da rotura com o caso Granda. Perante a posição firme de Caracas, que exigiu uma desculpa pela violação da sua soberania nacional, o Palácio de Narinho teve de dar um golpe de rins – como terá sido a ralhação de Washington! – e conseguir uma forma de apresentar desculpas dentro do eufemístico que pode ser a linguagem diplomática. Num comunicado acordado com Caracas e que em momento algum fala de «guerrilhas» mas sim de «terrorismo», «contrabando» e «narcotráfico», que ambos os estados se comprometem, como é natural, a combater – o governo de Uribe declara (os sublinhados são da Redacção) a sua «maior disposição para rever os factos que são do conhecimento público, de forma a que, se resultaram inconvenientes
perante o exame da República Bolivariana de Venezuela, não se repitam».
Mais adiante, ao falar de uma estratégia bi-nacional – evidente referência a Washington, que meteu a colher num assunto em princípio só entre dois e por isso foi criticada até pelos próprios colombianos [1] – para enfrentar os delitos já mencionados, adianta que esta se fará «sempre desde o mais estrito respeito pela legalidade [2] e em particular pela soberania de ambos os países [3]».
Este incidente resolveu-se, para frustração dos cães da guerra, pela via diplomática e também porque o mesmo só era dos interesse dos Estados Unidos – impedir a integração da América Latina e conseguir o isolamento da Venezuela – e dos grandes vendedores de armas – interessados numa corrida ao armamento entre os dois países vizinhos.
__________
[1] Bula Escobar, ex-embaixador de Bogotá em Caracas, afirmou que as declarações do Departamento de Estado não foram construtivas nem edificantes e permitem especular sobre o interesse de um terceiro.
[2] Editorial de El Tiempo, de Colômbia, a 16 de Janeiro: «… neste caso houve elementos pouco ortodoxos, como a pretensão de aplicar, noutro país, um programa de recompensas desenhado sob a normativa nacional. Na melhor das hipóteses foi um ‘golo com a mão’»…
[3] Outro apontamento de El Tiempo: «Haveria que perguntar até que ponto o
endurecimento da política face ao governo de Chávez é uma decisão inspirada na defesa dos interesses colombianos, ou mais o apoio irrestrito à política do governo de Bush na América Latina, que inclui a caracterização de um espécie de ‘eixo do mal’, no qual estariam os governos da Venezuela e Cuba…» (…) «o dever da política externa é o de favorecer o interesse nacional próprio e não o de terceiros…»
Num relatório sobre a sodomização de uma idosa, os investigadores encerraram o caso por «falta de provas». Noutro, apesar de haver suficientes indícios de que vários militares tinham participado em execuções extra-judiciais, nenhum foi processado. Um soldado apresentou uma declaração jurada sobre «crimes de guerra» no Campo Vermelho de Bagdade, mas o processo foi posto de lado por «provas insuficientes». A ACLU não está só quando deixa escapar que a situação dos direitos humanos não é melhor hoje do que nos dias de Saddam, entre outras razoes pelo facto de que – e agora quem o declara é a Human Rights Watch (HRW), organização em nada de esquerda – muitos do esbirros de Saddam fazem hoje parte das forças de segurança do governo colaboracionista. A HRW não se surpreende que a polícia e os guardas estejam a cometer «abusos sistemáticos contra os detidos» e que muitas das suas práticas «sigam imutáveis».
Nisto das torturas, os ocupantes norte-americanos e os colaboracionistas contam com a soldadesca britânica. A BBC publicou há poucos dias fotografias que confirmam novas formas das coincidências de estilo entre Blair e Bush. Algumas mostram os prisioneiros iraquianos em simulações de actos sexuais humilhantes e que os mesmos são utilizados como pranchas de surf. Belo fair play!
Chávez fortalecido
No cumprimento diligente do seu papel de Sharon na América do Sul, Uribe – sobre quem escreveremos com mais detalhe proximamente – levou as relações da Colômbia com a Venezuela à beira da rotura com o caso Granda. Perante a posição firme de Caracas, que exigiu uma desculpa pela violação da sua soberania nacional, o Palácio de Narinho teve de dar um golpe de rins – como terá sido a ralhação de Washington! – e conseguir uma forma de apresentar desculpas dentro do eufemístico que pode ser a linguagem diplomática. Num comunicado acordado com Caracas e que em momento algum fala de «guerrilhas» mas sim de «terrorismo», «contrabando» e «narcotráfico», que ambos os estados se comprometem, como é natural, a combater – o governo de Uribe declara (os sublinhados são da Redacção) a sua «maior disposição para rever os factos que são do conhecimento público, de forma a que, se resultaram inconvenientes
perante o exame da República Bolivariana de Venezuela, não se repitam».
Mais adiante, ao falar de uma estratégia bi-nacional – evidente referência a Washington, que meteu a colher num assunto em princípio só entre dois e por isso foi criticada até pelos próprios colombianos [1] – para enfrentar os delitos já mencionados, adianta que esta se fará «sempre desde o mais estrito respeito pela legalidade [2] e em particular pela soberania de ambos os países [3]».
Este incidente resolveu-se, para frustração dos cães da guerra, pela via diplomática e também porque o mesmo só era dos interesse dos Estados Unidos – impedir a integração da América Latina e conseguir o isolamento da Venezuela – e dos grandes vendedores de armas – interessados numa corrida ao armamento entre os dois países vizinhos.
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[1] Bula Escobar, ex-embaixador de Bogotá em Caracas, afirmou que as declarações do Departamento de Estado não foram construtivas nem edificantes e permitem especular sobre o interesse de um terceiro.
[2] Editorial de El Tiempo, de Colômbia, a 16 de Janeiro: «… neste caso houve elementos pouco ortodoxos, como a pretensão de aplicar, noutro país, um programa de recompensas desenhado sob a normativa nacional. Na melhor das hipóteses foi um ‘golo com a mão’»…
[3] Outro apontamento de El Tiempo: «Haveria que perguntar até que ponto o
endurecimento da política face ao governo de Chávez é uma decisão inspirada na defesa dos interesses colombianos, ou mais o apoio irrestrito à política do governo de Bush na América Latina, que inclui a caracterização de um espécie de ‘eixo do mal’, no qual estariam os governos da Venezuela e Cuba…» (…) «o dever da política externa é o de favorecer o interesse nacional próprio e não o de terceiros…»