
- Nº 1631 (2005/03/3)
A confissão do ex-ministro das finanças do governo PS
Privatizações foram um mau negócio para o País
Temas
As privatizações levadas a cabo por sucessivos governos do PS, PSD e PSD/CDS-PP não só impediram o desenvolvimento do País como constituíram, mesmo em termos de receitas, um mau negócio para o Estado porque fizeram perder uma importante fonte de financiamento do Orçamento do Estado.
Guilherme Oliveira, ex-ministro das Finanças do PS, no prefácio que escreveu para o estudo da Secretaria de Estado do Tesouro e Finanças – «Sector Empresarial do Estado: evolução no período 1996-2001» – ainda elaborado pelo governo PS, afirma que, neste período (96/2001), ou seja com governos PS, se obteve «um encaixe de 15 919,8 milhões de euros» com as privatizações quando «no período 1989-1995», ou seja, com governos PSD, «o encaixe tinha sido de 6827,3 milhões de euros, correspondentes na sua generalidade às operações de privatizações do sector bancário e segurador».
E acrescentava, gabando-se: «o encaixe total obtido no período 1996-2001 (com governos PS) é revelador não só da decisão política de intensificação das operações de privatização como uma das principais transformações estruturais da economia portuguesa».
Vejamos quais foram as consequências em termos de perda de receitas anuais para o Orçamento do Estado, ou seja, como é que a destruição do Sector Empresarial do Estado (SEE) contribuiu para o actual problema do défice orçamental. E isto porque muitas vezes se procura fazer esquecer que os problemas que o País enfrenta neste momento têm como causa políticas erradas do passado.
Mas antes vamos recordar alguns aspectos fundamentais desse processo ainda pouco claro da privatização das empresas que pertenciam ao Estado.
Como se privatizou e o que se privatizou
Em Portugal, no ano de 1988, portanto, quando o governo do PSD de Cavaco Silva entrou em funções, as empresas públicas contribuíam com 19,4% do PIB nacional, ou seja, de toda a riqueza criada anualmente no País, e representavam 10,9% do emprego. Mas tão importante ou ainda mais importante do que tudo isto era o facto de a esmagadora maioria das empresas estratégicas, fundamentais para implementar uma política de desenvolvimento económico e social, serem empresas públicas.
A Constituição da Repúublica, aprovada em 1976, estabelecia no seu artº 83 que «todas as nacionalizações efectuadas depois do 25 de Abril de 1974 são conquistas irreversíveis das classes trabalhadoras». Desta forma a Constituição procurava, por um lado, impedir o retorno à reconstituição dos grupos económicos que dominaram o País durante muitos anos e que foram a causa também do atraso em que ele se encontrava e de grandes injustiças e, por outro lado, manter nas mãos do Estado instrumentos que permitissem fazer sair o País do atraso.
Com o apoio do PS fez-se aquilo que o estudo elaborado pela Secretaria de Estado do Tesouro descreve da seguinte forma: «com a revisão constitucional de 1982 e com a alteração da Lei de Delimitação dos sectores através do Decreto Lei nº 406/83 deram-se os primeiros passos para a privatização de sectores como o bancário, segurador, adubeiro e cimenteiro».
Depois, durante o governo de Cavaco Silva é publicada a lei nº 84/88 de 20 de Julho, que permitiu a transformação por simples decreto-lei das empresas públicas, ainda que nacionalizadas, em sociedades de capitais públicos ou de maioria de capitais públicos, embora devendo o Estado ter a maioria do capital.
Aqui interessa realçar a similitude com algo que se está a verificar neste momento no sector da Saúde, ou seja, a transformação dos Hospitais que estavam no Sector Público Administrativo em Hospitais SA, ou seja, em sociedades anónimas embora ainda de capitais públicos. É evidente que nesta situação basta uma simples decisão governamental para fazer entrar o capital privado ou para que parte ou a totalidade do capital destas sociedades anónimas possam ser vendidas ou entregues para pagar dívidas a privados.
Assim, foi ao abrigo desta legislação que, em 1988, foram transformadas em sociedades de capitais maioritariamente públicos quatro empresas; em 1989, já foram sete empresas públicas; em 1990, cinco empresas públicas; em 1991, onze empresas; em 1992, cinco empresas; e, em 1993, duas empresas. Para além disso, entre 1988 e 1990, foram também transformadas em empresas de capitais maioritariamente públicos oito seguradoras e onze bancos que eram empresas públicas.
A transformação de empresas públicas em empresas maioritariamente de capitais públicos permitiu a privatização de uma parte do seu capital mesmo antes da revisão constitucional.
A prová-lo está o facto de que no início de 1989, mesmo antes de ser abolido o princípio constitucional da irreversibilidade das nacionalizações, o governo do PSD de Cavaco Silva, ter iniciado a privatização da UNICER, do Banco Totta-Açores, da Aliança Seguradora e da Tranquilidade com a venda de 49% do capital de cada uma destas empresas.
No entanto, foi a revisão constitucional de 1989, feita com o apoio do PS e de toda a direita, que anulou o principio da irreversibilidade das nacionalizações que constava da Constituição de 1976, tendo sido depois aprovada, em 1990, a lei quadro das privatizações – Lei 11/90 de 5 Abril – que permitiu a privatização integral e maciça das empresas nacionalizadas.
Assim, em 1990, com o governo do PSD, foram vendido os restantes 51% do capital da UNICER e Tranquilidade, 100% da CENTRALCER, 33% do BPA, 31% do BTA, 51% da TRANSINSULAR, e 86% do Jornal Notícias.
Em 1991, são vendidos 100% da Sociedade Financeira Portuguesa e do Diário de Notícias, os restantes 51% da Aliança Seguradora, 80% da Portline, 60% da Bonança, 40% do BESCL e 80% do BFB.
Em 1992, é vendido 22% do capital da PETROGAL, 60% do BESCL, 100% da Rodoviária Nacional, da Rodoviária do Douro e da Mundial Confiança, 17,6% do BPA, 20% do BFB, 100% da Império, 100% do BANIF, 100% do CPP e 15% da Bonança.
Nesta venda a grosso das empresas públicas, caiem nas mãos de estrangeiros16,7% do capital do BESCL, 11,5% da Império, 25% do CPP (actualmente já são praticamente 100%), etc.. Portanto, a preocupação para manter nacionais os centros de decisão de empresas estratégicas, que tinha sido apontado como uma das grandes preocupações do governo, desapareceu.
Em 1993, ainda com o governo do PSD, é vendida a totalidade do capital da Rádio Comercial, da Rodoviária da Beira Litoral, da Rodoviária do Tejo, e da Rodoviária do Alentejo, assim como 61,15% do capital do UBP, 17,5% do BPA e 51% do capital da Socarmar.
Em 1995, são vendidos 24,4% do capital do BPA, 20% do BPSM, 25% da PT-Telecom, 49% da Socarmar e 90% do SNAB, 44% da PORTUCEL, 20% da PETROGAL, mais de 80% da Siderugia Nacional (80% Longos, e 90% Planos), 20% da UBP, 100% da Rodoviária de Lisboa e 100% da Rodoviária do Sul do Tejo, etc.
Mas entre 1996 e 2001, com governos PS, intensificaram-se ainda mais as privatizações.
Para que se possa ficar com uma ideia clara da intensificação da destruição do Sector Empresarial do Estado pelos governos PS, apresenta-se no quadro I a lista completa das empresas vendidas, assim como do encaixe obtido em cada uma delas, lista esta que consta também do referido estudo elaborado e prefaciado por antigos membros dos governos PS.
Para que se possa ficar com uma ideia da dimensão da perda de controlo da Economia como consequência das privatizações, interessa referir que, em 1998, o Sector Empresarial do Estado representava 19,4% do PIB e 10,9% do emprego; e, em 2001, depois das privatizações levadas a cabo por governos do PS, ele já representava apenas 5,1% do PIB e 2% do emprego.
Apesar desta destruição maciça do Sector Empresarial do Estado, o governo PSD/PP escreveu no seu programa o seguinte: - «Apesar do extenso programa de privatizações já realizado, o peso do Estado na economia continuava a ser excessivo, pelo que o Estado deve limitar a sua presença ao que estritamente necessário. Nesse sentido, uma das vertentes essenciais será a da política de privatizações, dando-se especial referência à privatização das empresas do universo IPE».
E assim o governo PSD/PP extinguiu o IPE (Investimento e Participações Empresariais), uma holding cujo capital pertencia 44,8% ao Estado, 20,35% à CGD e 34,04% à PARPUBLICA, portanto controlada totalmente pelo Estado, que fazia a gestão de inúmeras participações do Estado.
O governo PSD/PP procedeu também à última fase da privatização do Banco Comercial dos Açores (8,3 milhões de euros de encaixe), da ENATUR (a alienação de 37,6% do seu capital) e a Gescartão (OPV lançada pela Portucel), tudo isto no valor de 69,3 milhões de euros.
Para além destas empresas estava já anunciada a privatização da TAP, dos CTT, das Águas de Portugal, da REN, da parcela de capital que o Estado detém ainda na EDP, entre outras, que foi interrompida pela dissolução da Assembleia da República e pela, consequente, demissão do governo PSD/PP.
Mesmo depois de anunciada a sua demissão, no último dia em que esteve em funções, o governo PSD/PP vendeu à pressa a um consórcio constituído por dois grupos estrangeiros - o grupo brasileiro EMBRAER e o grupo europeu EADS - 65% das OGMA, uma empresa estratégica da área da defesa e dos transportes aéreos com 1600 trabalhadores. Por esta venda recebeu apenas 11,4 milhões de euros ficando responsável pelo seu passivo da empresa, ou seja, pelas dívidas que tinha a empresa, cujo valor é muito superior à importância recebida pela sua venda.
Receitas anuais que o OE perdeu devido às privatizações
As empresas, enquanto se mantiveram no sector público, para além de poderem ser utilizadas como um importante instrumento de uma política desenvolvimento do País, constituíam também uma fonte importante de receitas para o Orçamento do Estado.
Os dados constantes do quadro II, publicados num Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas, prova isso.
Em 10 anos apenas, e sem terem qualquer estratégia ou objectivos estabelecidos pelo Governo como a lei obrigava, facto esse que o próprio Tribunal de Contas criticou na auditoria que fez, o Orçamento do Estado arrecadou 4653,1 milhões de euros, (932,8 milhões de contos) .
No entanto, os lucros obtidos pelas empresas públicas, ou que eram públicas, foram muito superiores aos valores referidos anteriormente.
No mesmo estudo feito pelo Tribunal de Contas encontram-se outros dados que permitiram construir o quadro III, o qual dá uma ideia clara da fonte importante de receitas para o Estado que eram as empresas públicas.
Como mostram os dados deste quadro, em apenas 4 anos, onze empresas públicas tiveram lucros antes de pagarem impostos que atingiram 9176,7 milhões de euros (1839,7 milhões de contos) e de Resultados Líquidos, ou seja, depois de pagarem impostos, 7057,1 milhões de euros (1414,8 milhões de contos).
Estes valores que constam do Relatório da Auditoria do Tribunal de Contas, portanto dados oficiais, e que apenas abrangem uma pequena parte das empresas que constituíam o Sector Empresarial do Estado, dão uma ideia clara daquilo que o Estado está a perder todos os anos, em termos de receitas para o Orçamento do Estado, devido às privatizações, assim como os gigantescos lucros que arrecadam todos os anos os grupos económicos que se apoderaram das principais empresas públicas que foram privatizadas.
Os dados do mesmo quadro revelam que os lucros líquidos de apenas 11 empresas públicas (uma parte delas já foram privatizadas) em apenas 4 anos – 7057,1 milhões de euros – representam mais de 31% da receita arrecada com o grosso das privatizações de que se gaba o ex-ministro do PS, Oliveira Martins, no prefácio que escreveu (6827,3 milhões com os governos do PSD mais 15 919,8 com os governos do PS, o que somado dá 22 747,1 milhões de euros).
Face a estes dados é-se obrigado a concluir que as privatizações constituíram, mesmo em termos de receitas, um mau negócio para o Estado porque fez perder uma importante fonte de financiamento do Orçamento do Estado.
A dívida pública não parou de crescer
Uma das justificações apresentadas para as privatizações das empresas públicas pelos sucessivos foi a de que por essa forma se obteriam receitas importantes que seriam aplicadas na amortização da Dívida Pública, conseguindo-se assim diminuir os pesados encargos que o Estado tinha de suportar todos os anos com essa dívida.
Os dados do quadro IV mostram que apesar das privatizações realizadas quer pelos governos do PSD, quer pelos governos do PS, quer pelos governos do PSD/PP, a Dívida Pública continuou a crescer rapidamente.
Em apenas três anos de governo do PSD de Cavaco Silva (92/95), a Dívida Pública aumentou 46,2%, ou seja, em média de 5548 milhões de euros por ano; em 6 anos de governos PS de Guterres (95/2001), a Dívida Pública cresceu 37,5%, ou seja, em média 3294 milhões de euros por ano; e, finalmente, em 3 anos de governos PSD/PP (2001/2004), a Dívida Pública aumentou 14,7%, ou seja, uma média de 3557 milhões de euros.
Assim, entre 1992 e 2004, ou seja, em 12 anos, a Divida Pública aumentou 130,6% , ou seja, 47 079 milhões de euros, o que dá um aumento médio de 3923 milhões de euros por ano.
Face à realidade que os dados anteriores revelam, é-se obrigado a concluir que o Estado perdeu um importante instrumento quer de obtenção de receitas para o Orçamento do Estado quer de política económica, e o problema da Dívida Pública em aumento rápido não foi resolvido.
Eugénio Rosa