Um «não» no coração da Europa
O povo francês afluiu em massa para votar no referendo do último domingo - uma participação de cerca de 70%. Cerca de 55% dos eleitores disseram «não» à dita «constituição europeia», confirmando o resultado que as sondagens apontavam. Foi seguramente uma derrota de Chirac, do governo de Raffarin, da liderança do Partido Socialista Francês e de muitos dos senhores da Europa, onde se inclui naturalmente o actual presidente da Comissão Europeia, Durão Barroso, e o Presidente do Conselho em exercício, o Jean-Claude Juncker. Mas foi, sobretudo, uma derrota da política de direita, do neoliberalismo e do grande capital europeu.
Tenho de afirmar que estava descrente na vitória do «não». Aquando do referendo do Tratado de Maastricht as sondagens apontavam a vitória do «não» e depois o «sim» ganhou tangencialmente. Muito terá contribuído a intervenção de François Mitterrand, assim como da extrema-esquerda que apelou à abstenção. Ambos cumpriram o seu papel histórico. O processo de integração europeia, desde Roma, tem uma natureza clara de classe, mais foi o Tratado de Maastricht, após o acto único, que abriu o caminho para a dita «constituição europeia» e reforço do federalismo, neoliberalismo e militarismo.
Por outro lado, as pressões por parte dos partidários do «sim», a dramatização do «sim» ou o caos, com ou contra a Europa, ao que se soma a ingerência externa (incluindo do nosso Presidente da República, Jorge Sampaio) e os milhões de euros despendidos em propaganda, fizeram-me pensar que surtiram efeito, mas não. A vitória do «não» é também uma vitória contra a arrogância. Tentaram afirmar que a «constituição europeia» era neutra, que era social, nomeadamente o partido do governo e a liderança socialista. Encheram a boca com a Confederação Europeia dos Sindicatos, com o seu «sim» a dita «constituição europeia». Nestas cabeças só o «sim» é válido, o resto é ignorância. A mesma ignorância e alheamento que utilizam para fazer avançar esta União Europeia contra os povos. Aliás, muitos criticaram Chirac pelo risco do referendo, os mesmos que fizeram repetir referendos na Dinamarca ou na Irlanda, quando as suas populações disseram «não» ao Tratado de Maastricht e ao Tratado de Nice, os mesmos que preferem não ter referendo na Suécia por medo dos resultados. É verdade que já nove países ratificaram a dita «constituição europeia», mas a maioria sem referendos, sem discussão, nos corredores dos parlamentos nacionais. E quando houve referendo, como em Espanha, a participação foi baixíssima, o que mostra o distanciamento das populações da União Europeia, evidente também nos níveis de participação nas eleições do Parlamento Europeu. Com este «não», mas também com o «não» ao euro na Suécia, fica igualmente demostrada a clara divisão/distanciamento entre as lideranças do centrão social-democrata/conservador e as populações. Em ambos os casos, o «sim» teria ganho se não houvesse referendo.
A vitória do «não» mostra claramente a importância da soberania e do seu exercício também para deter regressões. É também uma vitória da consciência das repercussões das políticas económicas e sociais da União Europeia na vida quotidiana de todos. Das repercussões nas orientações patentes na «Estratégia de Lisboa», no euro, no Pacto de Estabilidade, na «Estratégia Europeia de Segurança», por exemplo. Do impacto da União Europeia na regressão de direitos laborais e sociais e no desmantelamento dos serviços públicos. Da responsabilidade das orientações económicas definidas nos corredores de Bruxelas, na presente situação económica e social, manifesta pelo baixo crescimento económico ou nos elevados níveis de desemprego, pobreza e desigualdades de rendimento. Mas também da deriva securitária e militarista, em alinhamento com a NATO.
A este «não» de um país fundador junta-se outro na Holanda, caso se confirmem as sondagens. Já se saberá o resultado quando este artigo sair. Apesar de continuar o processo de ratificação, que terminará em Outubro de 2006, o «não» francês mostra também que é possível um outro rumo para a Europa. Este é o desafio dos comunistas, dos progressistas e dos democratas, pois este «não» tem outras valências e pode ter outros resultados, numa altura de crise estrutural do capitalismo.
Mostra também, ao nível nacional, que é necessário por termo à farsa de referendo, sem um amplo debate e ao que tudo indica em simultâneo com as autárquicas. É necessário um referendo, mas é necessário um amplo debate na sociedade portuguesa sobre o conteúdo e as consequências para o desenvolvimento económico e social do país. Esta é a próxima batalha a travar.
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Tenho de afirmar que estava descrente na vitória do «não». Aquando do referendo do Tratado de Maastricht as sondagens apontavam a vitória do «não» e depois o «sim» ganhou tangencialmente. Muito terá contribuído a intervenção de François Mitterrand, assim como da extrema-esquerda que apelou à abstenção. Ambos cumpriram o seu papel histórico. O processo de integração europeia, desde Roma, tem uma natureza clara de classe, mais foi o Tratado de Maastricht, após o acto único, que abriu o caminho para a dita «constituição europeia» e reforço do federalismo, neoliberalismo e militarismo.
Por outro lado, as pressões por parte dos partidários do «sim», a dramatização do «sim» ou o caos, com ou contra a Europa, ao que se soma a ingerência externa (incluindo do nosso Presidente da República, Jorge Sampaio) e os milhões de euros despendidos em propaganda, fizeram-me pensar que surtiram efeito, mas não. A vitória do «não» é também uma vitória contra a arrogância. Tentaram afirmar que a «constituição europeia» era neutra, que era social, nomeadamente o partido do governo e a liderança socialista. Encheram a boca com a Confederação Europeia dos Sindicatos, com o seu «sim» a dita «constituição europeia». Nestas cabeças só o «sim» é válido, o resto é ignorância. A mesma ignorância e alheamento que utilizam para fazer avançar esta União Europeia contra os povos. Aliás, muitos criticaram Chirac pelo risco do referendo, os mesmos que fizeram repetir referendos na Dinamarca ou na Irlanda, quando as suas populações disseram «não» ao Tratado de Maastricht e ao Tratado de Nice, os mesmos que preferem não ter referendo na Suécia por medo dos resultados. É verdade que já nove países ratificaram a dita «constituição europeia», mas a maioria sem referendos, sem discussão, nos corredores dos parlamentos nacionais. E quando houve referendo, como em Espanha, a participação foi baixíssima, o que mostra o distanciamento das populações da União Europeia, evidente também nos níveis de participação nas eleições do Parlamento Europeu. Com este «não», mas também com o «não» ao euro na Suécia, fica igualmente demostrada a clara divisão/distanciamento entre as lideranças do centrão social-democrata/conservador e as populações. Em ambos os casos, o «sim» teria ganho se não houvesse referendo.
A vitória do «não» mostra claramente a importância da soberania e do seu exercício também para deter regressões. É também uma vitória da consciência das repercussões das políticas económicas e sociais da União Europeia na vida quotidiana de todos. Das repercussões nas orientações patentes na «Estratégia de Lisboa», no euro, no Pacto de Estabilidade, na «Estratégia Europeia de Segurança», por exemplo. Do impacto da União Europeia na regressão de direitos laborais e sociais e no desmantelamento dos serviços públicos. Da responsabilidade das orientações económicas definidas nos corredores de Bruxelas, na presente situação económica e social, manifesta pelo baixo crescimento económico ou nos elevados níveis de desemprego, pobreza e desigualdades de rendimento. Mas também da deriva securitária e militarista, em alinhamento com a NATO.
A este «não» de um país fundador junta-se outro na Holanda, caso se confirmem as sondagens. Já se saberá o resultado quando este artigo sair. Apesar de continuar o processo de ratificação, que terminará em Outubro de 2006, o «não» francês mostra também que é possível um outro rumo para a Europa. Este é o desafio dos comunistas, dos progressistas e dos democratas, pois este «não» tem outras valências e pode ter outros resultados, numa altura de crise estrutural do capitalismo.
Mostra também, ao nível nacional, que é necessário por termo à farsa de referendo, sem um amplo debate e ao que tudo indica em simultâneo com as autárquicas. É necessário um referendo, mas é necessário um amplo debate na sociedade portuguesa sobre o conteúdo e as consequências para o desenvolvimento económico e social do país. Esta é a próxima batalha a travar.
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