Sopa no mel

Jorge Cordeiro
Os re­centes aten­tados em Lon­dres não podem deixar de ter o que me­recem: a mais viva con­de­nação de todos quantos iden­ti­ficam no ter­ro­rismo, gra­tuito e di­ri­gido contra gente ino­cente, não apenas uma forma co­barde de acção como um ins­tru­mento que acaba por servir pre­ci­sa­mente aos que ale­ga­da­mente os seus au­tores afirmam com­bater. É pre­ci­sa­mente sobre o claro apro­vei­ta­mento que al­guns, mais ou menos ha­bil­mente, estão a fazer da­queles aten­tados para jus­ti­ficar a sua po­lí­tica de vi­o­lência e do­mi­nação im­pe­ri­a­lista que aqui se deixam três ob­ser­va­ções.
A pri­meira, para re­gistar que ob­jec­ti­va­mente os aten­tados de Lon­dres se re­ve­laram, de modo in­dis­far­çável, uma opor­tu­ni­dade para todos os que de­fendem o re­forço das me­didas se­cu­ri­tá­rias e do mi­li­ta­rismo como ele­mentos in­dis­so­ciá­veis do pro­jecto de con­trolo do mundo pelas prin­ci­pais po­tên­cias im­pe­ri­a­listas. O «em­purrão» que estes aten­tados terão dado ao re­sul­tado do re­fe­rendo sobre o Tra­tado Eu­ropeu do pas­sado do­mingo no Lu­xem­burgo; o con­tri­buto que dele re­sul­tará para que a opi­nião pú­blica in­glesa aceite um pa­cote de le­gis­lação anti-ter­ro­rista que ainda há poucas se­manas Blair havia visto chumbar no par­la­mento in­glês; o im­pulso que já está a dar à pre­pa­ração de nova le­gis­lação de pendor se­cu­ri­tário, de­sig­na­da­mente na Eu­ropa, que visa impor graves am­pu­ta­ções às li­ber­dades e di­reitos dos ci­da­dãos; a co­lagem que desde o pri­meiro mi­nuto Bush fez para jus­ti­ficar as suas guerras de agressão e de ocu­pação — re­velam quanto, sobre a dor de cen­tenas de fa­mí­lias atin­gidas pela bar­ba­ri­dade destes actos, estes aten­tados foram opor­tunos para Bush, Blair e Bar­roso.
A se­gunda, para re­gistar a pro­funda hi­po­crisia dos que como Bush iden­ti­fi­caram estes aten­tados como di­ri­gidos contra o com­bate à po­breza, por ocor­rerem num mo­mento em que os oito países mais ricos re­a­li­zavam uma ci­meira ale­ga­da­mente para a com­bater. Só quem faz da men­tira e da hi­po­crisia a sua forma de agir para do­minar, tão re­vol­tantes quanto os co­bardes actos ter­ro­ristas, pode usar o ar­gu­mento da fome de mi­lhões de seres hu­manos em seu favor, quando são pre­ci­sa­mente os prin­ci­pais res­pon­sá­veis pela per­pe­tu­ação e alas­tra­mento da po­breza no mundo.
A ter­ceira, para su­bli­nhar que o que daqui pode re­sultar será se­gu­ra­mente o acres­centar de vi­o­lência à vi­o­lência, o jus­ti­ficar de novos actos de agressão e novos ar­gu­mentos para le­gi­timar o ter­ro­rismo de es­tado, com o que daí re­sul­tará de alento e apoio para o fun­da­men­ta­lismo e para ac­ti­vi­dade dos grupos ra­di­cais al­guns dos quais, como se co­nhece, cri­ados e ani­mados pelos ser­viços se­cretos ame­ri­canos.


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