- Nº 1658 (2005/09/8)
Um debate participado

Desporto para todos

Festa do Avante!

A situação do nosso País em matéria de política desportiva é a de um imenso buraco negro. É assim desde o I governo constitucional, já lá vão 29 anos, até ao exacto dia de hoje.
Falar de «desporto para todos» é, pois, uma falácia. O que estes anos têm sido é de «falta de desporto para todos».
A excepção, essa, ocorreu há cerca de três décadas, mais exactamente em 74 e 75, quando uma vaga de liberdade e poder criador varreu o País. Com a Revolução, o conceito de «desporto para todos» ganha verdadeira expressão e transforma-se em realidade. Tudo por acção do PCP no Governo, então com a responsabilidade da política desportiva, num tempo de inigualável participação popular e transformação social.
Dinâmica e trabalho pioneiro que soçobraram logo que o I Governo constitucional toma posse e inicia o processo de desmantelamento de tudo o que fora criado. De então para cá, nada foi feito. O vazio instala-se, como lembrou Carlos Rabaçal, membro do CC, caracterizando a política desportiva desde o 25 de Abril no debate, com o desporto em pano de fundo, realizado sexta-feira à noite no espaço «à conversa com...»
Direito fundamental
Estava dado o mote para a viva troca de opiniões que se seguiu entre os camaradas da mesa e uma plateia interessada onde pontuavam sobretudo dirigentes do movimento associativo e popular.
Moderado por Maria João Santos e contando igualmente com a participação de Artur Martins, presidente da Confederação Portuguesa das Colectividades de Cultura, Recreio e Desporto, no debate foi realçada a importância do desporto – hoje reconhecido como um direito humano fundamental – e o seu enorme papel social. Esse é um traço forte que tem vindo de forma crescente a ganhar terreno nos últimos trinta anos, tendo levado inclusivamente a que este seja declarado pela ONU como o «Ano Internacional do Desporto». É o próprio avanço da ciência que veio assim confirmar o carácter pioneiro, justo e inovador de orientações e práticas levadas a cabo há trinta e mais anos quer pelos então países socialistas quer por quantos, como o PCP, na mesma altura, vendo no «desporto para todos» um factor de bem-estar e qualidade de vida, por esse objectivo pugnaram no período mais criador da Revolução, democratizando o seu acesso nas mais variadas modalidades, escalões e idades.
Mercantilização do desporto
Certo é que tudo mudou de então para cá e aquilo a que o País assiste – e este é um segundo traço para o qual foi chamada a atenção no debate – é à mercantilização do desporto. Desporto, por um lado, enquanto indústria de espectáculo e tudo o que lhe está associado e, por outro, instrumento e agente de venda de material desportivo.
Com o capitalismo a «cavalgar o desporto», como foi dito, não é para admirar, por conseguinte, que fenómenos como o doping ganhem crescente visibilidade ou que os clubes virem sociedades financeiras. Como não é de estranhar, num país onde o governo virou «agente de grandes eventos desportivos», que haja «apitos dourados» sobre teias de cumplicidade destinadas a falsear a verdade desportiva.
Perante o vazio de uma política desportiva digna desse nome, na ausência de serviço público desportivo, como manda o texto constitucional, salva-se o trabalho do movimento associativo e popular e a acção de apoio que lhe é dada pelo poder local. Testemunhos e experiências vivas dessa realidade foram transmitidos no debate por dirigentes associativos em representação de colectividades como o Clube Recreativo de Cruz de Pau ou a colectividade de Alto dos Moinhos.
Sublinhada com particular ênfase foi a ideia de que sem o poder local e o movimento associativo, sem o esforço, a dedicação e a generosa entrega desses milhares de voluntários, não haveria desporto em Portugal.
E uma questão, como cenário, ficou no ar: o que aconteceria se todos os dirigentes associativos paralisassem ? Parava a cultura e o desporto, asseveraram alguns dos intervenientes. É que são 300 mil dirigentes, num universo de três milhões de associados. Uma força imensa, como alguém disse, que «ainda não adquiriu consciência da sua própria força». Por isso – e esta foi uma conclusão partilhada pelos vários oradores - esta é uma luta necessária e para continuar: «o desporto para todos».

João Chasqueira