Um escândalo

Henrique Custódio
Numa investigação estribada em dados governamentais, o Diário Económico revelou esta semana uma ocorrência extraordinária: Entre 2000 e 2004, tanto o PS como o PSD (conforme o que está no poder) se apropriaram da maioria esmagadora dos dinheiros públicos destinados a «apoios de excepção» às autarquias, através dos famosos «contratos-programa».

Vamos por partes.

Os contratos-programa «são um instrumento através do qual o Estado comparticipa projectos de investimento da responsabilidade dos diferentes níveis da Administração Pública», ou seja, financia obras de carácter local com dinheiro do Orçamento.
Em 2000 e 2001 – anos em que o PS esteve no Governo, com Guterres à frente – as autarquias do PS receberam 77,3% e 62,1%, respectivamente, do total das verbas concedidas através dos contratos-programa, quando apenas representavam 41,6% dos municípios.
Em 2003 chega ao poder central a coligação de direita PSD/PP e a «roda da sorte» passou para outros afortunados: as câmaras do PSD e coligadas com o PP receberam 79,11% das verbas para contratos-programa, quando estes partidos dominavam apenas 52,2% das câmaras do País, e no ano seguinte, em 2004, a coisa ainda se agravou, com as câmaras do PSD e do PSD/PP a arrecadar 84,5% destas verbas.
A CDU, que governa cerca de 10% dos municípios portugueses, nem a migalha de 1% tem obtido para os seus – sempre fundamentados – projectos...
Mas a coisa não se fica por aqui.
A Lei das Finanças Locais (LFL) é taxativa, na definição das situações excepcionais que justificam e permitem a atribuição de contratos-programa aos municípios (com o mágico financiamento central às obras locais), após prévia e fundamentada candidatura. Resumidamente, abrangem as seguintes áreas: Financiamento de projectos de grande relevo local ou regional, desde que se verifique a sua urgência e se comprove a «manifesta incapacidade financeira dos municípios»; calamidade pública; construção de edifícios e sedes de autarquias; afectações negativas em consequência de investimentos da administração central; circunstâncias graves que afectem drasticamente as infra-estruturas e os serviços municipais de protecção civil; recuperação de áreas de construção clandestina ou de renovação urbana.
Todavia, ao contrário do que prescreve a LFL, não só estas dotações para os contratos-programa têm vindo a crescer todos os anos, como as iniciativas e obras que financiam estão muito longe de corresponder a projectos «urgentes», de «calamidade pública» ou de «relevância comprovada».
Sabem o que é que estes «financiamentos de excepção» têm andado a pagar, normalmente em vésperas de eleições (pois claro...)? Construção de canis, arranjo de praças, construção de piscinas ou revitalização de campos de jogos – tudo projectos que, além do seu óbvio carácter propagandístico, deviam, pela sua natureza, ser financiados directamente pelos recursos correntes das autarquias!
De que se ri esta gente do PS e do PSD, quando ouve as inacreditáveis ameaças de Alberto João Jardim de que «cortará os fundos regionais» às autarquias que votem na oposição?
Eles próprios fazem a mesmíssima coisa!
Com uma ligeira diferença: Jardim proclama-o boçalmente, eles não se atrevem a tanto e, como se vê, é à sorrelfa, que PS e PSD «canalizam» os dinheiros públicos em proveito próprio...


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