Debate no Porto sobre Cidadania e Deficiência

«Atravessa essa fronteira»

José Pedro Rodrigues
Em Portugal, o mapa do apoio às pessoas com deficiência desenha-se de acordo com a iniciativa de quem se vê confrontado com a necessidade de aprender a viver com a diferença. O Governo quer deixá-los entregues à própria sorte, mas há quem resista.

O Governo trata com desrespeito as pessoas com deficiência

«Antes de chegar o João, os projectos dos irmãos eram muitos. Ela, com 10 anos, queria uma menina para lhe fazer penteados e o rapaz, com nove anos, esperava um irmão para jogar futebol.» O João tem hoje 33 anos; «não fala, não se veste sozinho»; portador de trissomia 21, foi considerado um deficiente profundo. Nunca perceberá como mudou a vida da família de Fernanda Brandão nem como a doença dele contribuiu para que outros cidadãos portadores de deficiência tenham hoje, uma melhor assistência, através da Cercigaia. Nem terá noção do desrespeito com que o Governo trata aqueles a quem, como a ele, foi negado ou subtraído o direito à vida em igualdade de circunstâncias com os demais.
«Garantir os direitos de cidadania às pessoas com deficiência» foi o tema do debate que, no sábado, encheu o Salão Nobre da Junta de Freguesia de Santo Ildefonso, no Porto, de testemunhos e sentimentos tão fortes como o amor desesperado de uma mãe que reclama ajuda para aqueles cujos dramas são tão sombrios que ninguém quer olhar para eles – a mãe de um estudante de arquitectura e filosofia contou como se sentiu ao ouvir o ministro da Saúde anunciar, na véspera, o encerramento dos hospitais psiquiátricos; ou como a vergonha de viver num País é cada vez mais tratado como um problema, uma responsabilidade, praticamente uma culpa de cada família que com ele se vê confrontado; ou, ainda, sentimentos tão francamente ternos como os sorrisos e os aplausos que o grupo Saravá despertou quando avançou para animar a tarde com a voz do Bruno (que é livre e forte, ao contrário do corpo) e uma música dos Da Weasel em que alguém muito alegre diz qualquer coisa como «olá, quero tratar de ti»; depois, veio uma outra, um original do grupo, que desafiava: «Atravessa essa fronteira». Ficou no ouvido e nas consciências.

Exercer direitos

Os testemunhos na primeira pessoa, sobretudo quando partem das mães, tendem a impressionar mais do que os números da deficiência em Portugal. Na abertura do debate, Rui Pedro, psicólogo, recordou os controversos 634408 casos referidos nos Censos 2001, mas é inegável que o que mais toca qualquer audiência é a humanidade de cada caso. É, talvez, por isso que a assistência e a garantia dos direitos dos cidadãos com deficiência é vista como um problema apenas daqueles que têm de conviver com ele. É essa, de resto, a estratégia que o Governo de Sócrates, como os que os precederam, reserva a esta faixa da população, «os mais discriminados entre os discriminados», como sublinhou Jorge Machado. O deputado comunista levou ao encontro a proposta de lei do grupo parlamentar do PCP neste domínio, em que se destaca, entre outras medidas, a «inversão do ónus de prova» nos casos de discriminação.
Ilda Figueiredo contou como é simultaneamente difícil, mas valioso, cada pequeno passo dado para a igualdade de tratamento e oportunidade para os portadores de deficiência, consagrada na Comunidade Europeia, mas ainda sem aplicação prática. «Um direito conquistado não é um direito garantido. É preciso lutar por ele todos os dias», diz e faz a eleita da CDU ao Parlamento Europeu.
Professores, pais, associações representativas de diversas formas de deficiência fizeram luz sobre dramas que o Governo quer manter na escuridão e tornaram o encontro como uma reunião de trabalho, a que os eleitos comunistas darão sequência no respectivo âmbito de acção, lembrando que denunciar é o primeiro passo para combater a discriminação. Foi isso que se ouviu de Luís Machado, da Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho, que deu conta da «dimensão e gravidade» com que este fenómeno atinge os cidadãos recorrendo ao exemplo de uma mulher, de 33 anos, que teve a mão direita amputada, perda de capacidade da mão esquerda; «quer a companhia de seguros quer o Tribunal de Trabalho» decidiram que era suficientemente autónoma e que, como tal, não tinha direito à prestação suplementar para terceira pessoa; o acompanhamento psicológico das duas filhas menores da mulher em questão também não pareceu necessário à seguradora, que deixou a resposta para o tribunal e o drama arrasta-se à espera da resposta. «Se esta fosse uma situação particular, não a teria trazido aqui. Mas não é», explicou Luís Machado.


Mais artigos de: PCP

Uma candidatura diferente

A candidatura do PCP às eleições presidenciais de 22 de Janeiro é «uma candidatura diferente que se assume com total transparência e consequentemente contra a política de direita», afirmou, na semana passada, em Almada e Setúbal, o candidato presidencial Jerónimo de Sousa.

Prosseguir a luta por uma sociedade nova

Por todo o País, organizações do PCP assinalam os 88 anos da Revolução de Outubro, data maior da História da Humanidade. Como vem sendo hábito, na sede nacional do Partido, na Soeiro Pereira Gomes, um grande almoço, realizado no próprio dia 7 no refeitório da sede, envolvendo funcionários e colaboradores das tarefas...

Reforma aos 55 anos

O PCP comprometeu-se a apresentar na Assembleia da República um projecto de lei defendendo que a idade de reforma dos trabalhadores das pedreiras passe para os 55 anos de idade, após um encontro do seu grupo parlamentar com uma delegação do Movimento para a Diminuição da Idade de Reforma dos Trabalhadores das Pedreiras,...

Um projecto inovador com a marca CDU

Os comunistas de Moura congratulam-se com a entrega da licença para a Central Solar Fotovoltaica e consideram que fica assim reunidas as condições para o arranque do projecto. Para o PCP, trata-se de um «ambicioso e inovador projecto de desenvolvimento para o concelho e para a região». Os comunistas consideram estar...

Despedimentos na ARA

A empresa de calçado ARA avançou com despedimentos compulsivos aos seus trabalhadores, denunciam os comunistas da Guarda, em nota da Comissão Concelhia de Seia, datada do dia 17 de Outubro. As secções do corte e da costura estão entre as que estão a ser desmanteladas e transferidas para países como a Ucrânia, a Roménia...

Contra o aborto clandestino

Passados vinte e três anos desde a rejeição, na Assembleia da República, do projecto-lei do PCP sobre a interrupção voluntária da gravidez (a 12 de Novembro de 1982), o aborto clandestino continua em Portugal. Neste sentido, o PCP promove, entre os dias 11 e 15 de Novembro, um conjunto de acções, de que se destaca o...