«Atravessa essa fronteira»
Em Portugal, o mapa do apoio às pessoas com deficiência desenha-se de acordo com a iniciativa de quem se vê confrontado com a necessidade de aprender a viver com a diferença. O Governo quer deixá-los entregues à própria sorte, mas há quem resista.
O Governo trata com desrespeito as pessoas com deficiência
«Antes de chegar o João, os projectos dos irmãos eram muitos. Ela, com 10 anos, queria uma menina para lhe fazer penteados e o rapaz, com nove anos, esperava um irmão para jogar futebol.» O João tem hoje 33 anos; «não fala, não se veste sozinho»; portador de trissomia 21, foi considerado um deficiente profundo. Nunca perceberá como mudou a vida da família de Fernanda Brandão nem como a doença dele contribuiu para que outros cidadãos portadores de deficiência tenham hoje, uma melhor assistência, através da Cercigaia. Nem terá noção do desrespeito com que o Governo trata aqueles a quem, como a ele, foi negado ou subtraído o direito à vida em igualdade de circunstâncias com os demais.
«Garantir os direitos de cidadania às pessoas com deficiência» foi o tema do debate que, no sábado, encheu o Salão Nobre da Junta de Freguesia de Santo Ildefonso, no Porto, de testemunhos e sentimentos tão fortes como o amor desesperado de uma mãe que reclama ajuda para aqueles cujos dramas são tão sombrios que ninguém quer olhar para eles – a mãe de um estudante de arquitectura e filosofia contou como se sentiu ao ouvir o ministro da Saúde anunciar, na véspera, o encerramento dos hospitais psiquiátricos; ou como a vergonha de viver num País é cada vez mais tratado como um problema, uma responsabilidade, praticamente uma culpa de cada família que com ele se vê confrontado; ou, ainda, sentimentos tão francamente ternos como os sorrisos e os aplausos que o grupo Saravá despertou quando avançou para animar a tarde com a voz do Bruno (que é livre e forte, ao contrário do corpo) e uma música dos Da Weasel em que alguém muito alegre diz qualquer coisa como «olá, quero tratar de ti»; depois, veio uma outra, um original do grupo, que desafiava: «Atravessa essa fronteira». Ficou no ouvido e nas consciências.
Exercer direitos
Os testemunhos na primeira pessoa, sobretudo quando partem das mães, tendem a impressionar mais do que os números da deficiência em Portugal. Na abertura do debate, Rui Pedro, psicólogo, recordou os controversos 634408 casos referidos nos Censos 2001, mas é inegável que o que mais toca qualquer audiência é a humanidade de cada caso. É, talvez, por isso que a assistência e a garantia dos direitos dos cidadãos com deficiência é vista como um problema apenas daqueles que têm de conviver com ele. É essa, de resto, a estratégia que o Governo de Sócrates, como os que os precederam, reserva a esta faixa da população, «os mais discriminados entre os discriminados», como sublinhou Jorge Machado. O deputado comunista levou ao encontro a proposta de lei do grupo parlamentar do PCP neste domínio, em que se destaca, entre outras medidas, a «inversão do ónus de prova» nos casos de discriminação.
Ilda Figueiredo contou como é simultaneamente difícil, mas valioso, cada pequeno passo dado para a igualdade de tratamento e oportunidade para os portadores de deficiência, consagrada na Comunidade Europeia, mas ainda sem aplicação prática. «Um direito conquistado não é um direito garantido. É preciso lutar por ele todos os dias», diz e faz a eleita da CDU ao Parlamento Europeu.
Professores, pais, associações representativas de diversas formas de deficiência fizeram luz sobre dramas que o Governo quer manter na escuridão e tornaram o encontro como uma reunião de trabalho, a que os eleitos comunistas darão sequência no respectivo âmbito de acção, lembrando que denunciar é o primeiro passo para combater a discriminação. Foi isso que se ouviu de Luís Machado, da Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho, que deu conta da «dimensão e gravidade» com que este fenómeno atinge os cidadãos recorrendo ao exemplo de uma mulher, de 33 anos, que teve a mão direita amputada, perda de capacidade da mão esquerda; «quer a companhia de seguros quer o Tribunal de Trabalho» decidiram que era suficientemente autónoma e que, como tal, não tinha direito à prestação suplementar para terceira pessoa; o acompanhamento psicológico das duas filhas menores da mulher em questão também não pareceu necessário à seguradora, que deixou a resposta para o tribunal e o drama arrasta-se à espera da resposta. «Se esta fosse uma situação particular, não a teria trazido aqui. Mas não é», explicou Luís Machado.
«Garantir os direitos de cidadania às pessoas com deficiência» foi o tema do debate que, no sábado, encheu o Salão Nobre da Junta de Freguesia de Santo Ildefonso, no Porto, de testemunhos e sentimentos tão fortes como o amor desesperado de uma mãe que reclama ajuda para aqueles cujos dramas são tão sombrios que ninguém quer olhar para eles – a mãe de um estudante de arquitectura e filosofia contou como se sentiu ao ouvir o ministro da Saúde anunciar, na véspera, o encerramento dos hospitais psiquiátricos; ou como a vergonha de viver num País é cada vez mais tratado como um problema, uma responsabilidade, praticamente uma culpa de cada família que com ele se vê confrontado; ou, ainda, sentimentos tão francamente ternos como os sorrisos e os aplausos que o grupo Saravá despertou quando avançou para animar a tarde com a voz do Bruno (que é livre e forte, ao contrário do corpo) e uma música dos Da Weasel em que alguém muito alegre diz qualquer coisa como «olá, quero tratar de ti»; depois, veio uma outra, um original do grupo, que desafiava: «Atravessa essa fronteira». Ficou no ouvido e nas consciências.
Exercer direitos
Os testemunhos na primeira pessoa, sobretudo quando partem das mães, tendem a impressionar mais do que os números da deficiência em Portugal. Na abertura do debate, Rui Pedro, psicólogo, recordou os controversos 634408 casos referidos nos Censos 2001, mas é inegável que o que mais toca qualquer audiência é a humanidade de cada caso. É, talvez, por isso que a assistência e a garantia dos direitos dos cidadãos com deficiência é vista como um problema apenas daqueles que têm de conviver com ele. É essa, de resto, a estratégia que o Governo de Sócrates, como os que os precederam, reserva a esta faixa da população, «os mais discriminados entre os discriminados», como sublinhou Jorge Machado. O deputado comunista levou ao encontro a proposta de lei do grupo parlamentar do PCP neste domínio, em que se destaca, entre outras medidas, a «inversão do ónus de prova» nos casos de discriminação.
Ilda Figueiredo contou como é simultaneamente difícil, mas valioso, cada pequeno passo dado para a igualdade de tratamento e oportunidade para os portadores de deficiência, consagrada na Comunidade Europeia, mas ainda sem aplicação prática. «Um direito conquistado não é um direito garantido. É preciso lutar por ele todos os dias», diz e faz a eleita da CDU ao Parlamento Europeu.
Professores, pais, associações representativas de diversas formas de deficiência fizeram luz sobre dramas que o Governo quer manter na escuridão e tornaram o encontro como uma reunião de trabalho, a que os eleitos comunistas darão sequência no respectivo âmbito de acção, lembrando que denunciar é o primeiro passo para combater a discriminação. Foi isso que se ouviu de Luís Machado, da Associação Nacional dos Deficientes Sinistrados no Trabalho, que deu conta da «dimensão e gravidade» com que este fenómeno atinge os cidadãos recorrendo ao exemplo de uma mulher, de 33 anos, que teve a mão direita amputada, perda de capacidade da mão esquerda; «quer a companhia de seguros quer o Tribunal de Trabalho» decidiram que era suficientemente autónoma e que, como tal, não tinha direito à prestação suplementar para terceira pessoa; o acompanhamento psicológico das duas filhas menores da mulher em questão também não pareceu necessário à seguradora, que deixou a resposta para o tribunal e o drama arrasta-se à espera da resposta. «Se esta fosse uma situação particular, não a teria trazido aqui. Mas não é», explicou Luís Machado.