Segurança Social

Ministro das Finanças manipula dados

Eugénio Rosa
Mais uma vez o programa Prós e Contra da televisão pública, do dia 9 de Janeiro, prestou um mau serviço de informação ao País. Como habitualmente tem acontecido, seleccionou um conjunto de participantes que tinham mais ou menos a mesma opinião, que era a única que previamente se queria transmitir. Mesmo a nível sindical escolheu-se um sindicato que representa menos de 10 000 trabalhadores, em substituição dos grandes sindicatos da Função Pública que representam a maioria dos 750 000 trabalhadores da Administração Pública.
Nesse pro­grama, o sr. mi­nistro das Fi­nanças, apro­vei­tando esse es­paço pú­blico e ma­ni­pu­lando dados sobre a Se­gu­rança So­cial pro­curou criar nos por­tu­gueses a ideia de que daqui a 10 anos, por­tanto em 2015, já não ha­veria di­nheiro para pagar as pen­sões de re­forma.

Esta afirmação não corresponde à verdade, revela uma grande ignorância intencional ou real da Segurança Social, tendo como objectivo claro, tal como sucedeu em relação à Segurança Social da Administração Pública, justificar medidas que o governo está a preparar, agora contra os trabalhadores por conta de outrem das empresas privadas, cujas prestações que recebem da Segurança Social são já das mais baixas da União Europeia.
É falso que esteja em perigo o pagamento das pensões de reforma.
O Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que é uma reserva da Segurança Social, já ultrapassa os 5000 milhões de euros, ou seja, mais de 1000 milhões de contos. Mesmo na situação de grave crise em que o País está mergulhado, consequência também da política de obsessão pelo défice, o défice da Segurança Social em 2005 foi reduzido e, de acordo com o Orçamento da Segurança Social para 2006 apresentado pelo Governo e aprovado pela Assembleia da República, prevê-se este ano um défice nulo. Portanto, o fundo de reserva da Segurança Social é mais do que suficiente para se ter tempo para implementar medidas visando garantir a sustentabilidade financeira da Segurança Social a médio e a longo prazo, porque a curto prazo ela não está certamente em perigo como o ministro pretendeu fazer crer.
O alarmismo que o Governo está a pretender criar com declarações como as feitas pelo ministro das Finanças visa sobretudo justificar medidas do mesmo tipo das que o Governo tomou contra os trabalhadores da Administração Pública, mas agora contra os trabalhadores das empresas privadas.

Di­fi­cul­dades são fruto da crise eco­nó­mica

Os dados do Quadro I >> mostram as consequências para a Segurança Social da estagnação económica que atingiu Portugal, a qual está a ser agravada pela política do Governo centrada na obsessão do défice.
Entre 1996 e 2000, portanto em cinco anos, a despesa com o pagamento de subsídios de desemprego aumentou 15,1%, enquanto nos cinco anos seguintes (2001/2005) cresceu 106,9% . Pelo contrário, durante o primeiro período (1996/2000) as receitas da Segurança Social, que têm como origem as «Contribuições» pagas pelas empresas e pelos trabalhadores, cresceram 43,7%, enquanto no segundo período (2001/2005) aumentaram apenas 12,4%.
É evidente a quebra no crescimento destas receitas e o aumento rápido das despesas com o pagamento de subsídios de desemprego.
Se o aumento em percentagem das despesas com o pagamento de subsídios de desemprego entre 2001-2005 tivesse sido semelhante ao verificado no período anterior, ou seja, em 15,1%, então em 2005 a despesa com o pagamento do subsídio de desemprego teria sido inferior em 800 milhões de euros, ou seja, teria havido um saldo positivo que seria suficiente para cumprir a Lei de Bases da Segurança Social relativamente às transferências para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, que não tem sido respeitada pelo Governo, nomeadamente pelo executivo de Sócrates.

Menos ac­tivos por pen­si­o­nista, mas mais ri­queza criada

Um dos argumentos mais uma vez utilizados pelo sr. ministro das Finanças para criar o alarmismo é a diminuição dos número de activos por pensionista.
No entanto, por esquecimento propositado ou por ignorância, não se refere que o aumento da riqueza criada por empregado tem sido muito maior do que a diminuição do número de activos por pensionista. Os dados do Quadro II >> provam isso cabalmente.
Entre 1953 e 2004, a riqueza criada por trabalhador cresceu 281 vezes e a remuneração por trabalhador aumentou apenas 245 vezes. Mas como os valores base de 1953 são muito diferentes – em 1953 o valor do PIB por empregado é mais do dobro do valor da remuneração por empregado – o resultado final em 2004 apresenta diferenças maiores que a simples comparação dos números apresentados anteriormente (281/245) permite concluir. Efectivamente, se analisarmos as diferenças em euros, entre 1953 e 2004, concluímos que em relação ao PIB por empregado é de 26 239 euros, enquanto relativamente às remunerações por empregado é de 10 475 euros, ou seja, menos de metade.
De acordo com o Anuário da Segurança Social e as Estatísticas da Segurança Social, entre 1975 e 2004 o número de activos por pensionista baixou de 3,78 para 1,63, portanto diminuiu 2,3 vezes. No entanto, durante o mesmo período (1975/2004), o PIB por empregado, ou seja, a riqueza criada por empregado, aumentou 41 vezes, pois passou de 641 euros para 26 332 euros como mostram os dados do Quadro III >>.

Li­mi­ta­ções do sis­tema de fi­nan­ci­a­mento

O actual sistema de financiamento do Regime Geral da Segurança Social, chamado também subsistema Previdencial, que abrange os trabalhadores por conta de outrem, assenta fundamentalmente em quotizações dos trabalhadores e nas contribuições das empresas calculadas com base nas remunerações pagas.
É um sistema cuja concepção e implementação foi realizada há mais de 50 anos, quando a realidade das empresas, da economia e da sociedade eram muito distintas das actuais. É um sistema que assenta no princípio, que se adequava à realidade da altura, de que as empresas que criavam mais riqueza eram aquelas que tinham mais empregados, ou seja, empresas de trabalho intensivo, existindo uma correlação positiva entre riqueza criada e número de trabalhadores empregados.
A realidade actual é muito diferente, pois agora são fundamentalmente as empresas de capital e conhecimento intensivo as que criam mais riqueza, não se verificando, tal como sucedia no passado, uma correlação positiva entre riqueza criada e número de trabalhadores empregados, mas sim entre riqueza criada e intensidade de conhecimento e investimento utilizado.
Esta alteração profunda na estrutura produtiva das empresas e nas sociedades modernas está a determinar que o valor da riqueza criada esteja a aumentar mesmo em Portugal muito mais rapidamente do que o valor das remunerações, o que é agravado pelo aumento da desigualdade na repartição da riqueza produzida, como mostram os dados do Quadro IV >>.
Entre 1953 e 2004, o valor da riqueza criada, medida pelo PIBpm, cresceu 459 vezes, enquanto o valor das remunerações aumentou 400 vezes. Mas como em 1953 o valor do PIB era mais do dobro do dobro do valor dos «ordenados e salários», a diferença no resultado final é muito maior do que aquela que se fica com a simples análise dos dois valores anteriormente apresentados (459 e 400 vezes). Basta dizer que em milhões de euros, entre 1953 e 2004, a riqueza produzida cresceu 134 893 milhões de euros, enquanto as remunerações aumentaram apenas 53 861 milhões de euros, ou seja, 2,5 vezes menos.
Como as contribuições patronais para a Segurança Social são calculadas com base nas remunerações, e como estas estão a crescer a um ritmo inferior ao aumento da riqueza, é evidente que a base de cálculo das contribuições das empresas se está a estreitar, sendo uma percentagem cada vez mais pequena da riqueza criada, o que determina que o financiamento da Segurança Social assente em tal fórmula de cálculo se esteja a esgotar, criando dificuldades crescentes à sustentabilidade financeira da Segurança Social.

En­cargos das em­presas não pro­vocam baixa com­pe­ti­ti­vi­dade

Um dos ataques mais frequentes em Portugal contra a Segurança Social pública é que as contribuições pagas pelas empresas são exageradamente elevadas no nosso País quando comparadas com a média da União Europeia. O Quadro V >>, construído com dados publicados pelo Eurostat em 2005, prova que isso também não corresponde à verdade.
Os dados deste quadro mostram que o peso das contribuições e cotizações, medido em percentagem do PIB, está em Portugal entre 1,7 pontos percentuais (UE25) e 3,3 pontos percentuais (Zona euro) abaixo da média dos países da União Europeia; portanto, não tem qualquer fundamento técnico a afirmação que a baixa competitividade das empresas portuguesas se deve aos elevados encargos que têm com a Segurança Social dos seus trabalhadores.

Ga­rantir a sus­ten­ta­bi­li­dade Se­gu­rança So­cial

Embora não seja previsível que a Segurança Social enfrente, a curto prazo, um problema grave de sustentabilidade financeira, o certo é que são necessárias medidas também do lado da receita (o neoliberalimo defende que seja fundamentalmente do lado da despesa, o que se traduziria inevitavelmente pela redução das já baixas prestações pagas), que devem ser implementadas rapidamente, de forma a garantir a sua sustentabilidade financeira a médio e a longo prazo.
É indispensável um conjunto de medidas que terão de convergir para esse objectivo.
Como contributo para esse debate e definição apresentam-se algumas que são, a nosso ver, importantes. No entanto, é preciso já dizer que não esgotam esta matéria, que é complexa e deverá ser tratada com cuidado e profundidade, e não com a ligeireza como o pensamento dominante neoliberal trata habitualmente.
[ ver todos os Qua­dros >> ]