Acesso à Justiça para todos
Confrontada com a impossibilidade de acesso dos trabalhadores aos tribunais – desde que o anterior Governo suprimiu os apoios judiciários e encareceu as custas -, a CGTP-IN efectuou, dia 27, na FIL, em Lisboa, um seminário no propósito de contribuir para alterar o sistema de acesso à Justiça.
«As pessoas com salários normais não são ricas para litigarem nos tribunais»
A iniciativa realizou-se em parceria com representantes da Ordem dos Advogados, o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, o Sindicato dos Oficiais de Justiça, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses e nela participou também o secretário de Estado da Justiça, João Tiago Silveira.
O secretário de Estado disse que, nas próximas semanas, apresentará um anteprojecto de Lei para alterar o sistema, nomeadamente no que respeita à verificação da insuficiência económica. Afirmou pretender valorizar a defesa oficiosa e melhorar o sistema de pagamento faseado, mantendo-o, «através de um sistema sancionatório, em caso de não pagamento».
João Tiago Silveira assumiu que a proposta governamental vai manter, no critério para a atribuição ou não de ajudas, não apenas a referência relativa aos rendimentos do trabalhador, mas também do respectivo agregado familiar que continuarão a ser ponderados para o cálculo do rendimento.
O Governo pretende ainda «criar um sistema de nomeação de «lotes de processos», afirmou o mesmo governante..
Grande parte das propostas enunciadas pelo secretário de Estado mereceram severas críticas ao longo o seminário.
O representante do Governo interveio no início do encontro, felicitou CGTP-IN pela organização do evento, que considerou de extrema importância e actualidade, para, imediatamente após intervir, se desculpar com a agenda e abandonar a sala, evitando assim ouvir as críticas, tanto à sua intervenção como à actuação do Governo PS, proferidas durante os trabalhos.
«Se a CGTP-IN não tivesse feito a denúncia, esta Lei não seria alterada», salientou, no encerramento dos trabalhos, o membro do Conselho Nacional e responsável pelo gabinete de estudos da CGTP-IN, Joaquim Dionísio que aceitou, em nome da central, o desafio do secretário de Estado para discutir estas matérias, «logo que a proposta do Governo for conhecida».
Denunciar as injustiças
Joaquim Dionísio qualificou as alterações enunciadas pelo secretário de Estado, como «tímidas». Salientou que a central sindical esteve sozinha a batalhar contra estas medidas, desde que entraram em vigor, perante a passividade dos órgãos da jurisprudência. Foram efectuadas diligências na Assembleia da República e apresentada uma queixa junto do Provedor de Justiça, de que resultou uma recomendação.
Também denunciou as responsabilidades da Ordem dos Advogados em relação a esta matéria, embora o advogado Pedro Raposo, em representação da Ordem, tenha, na sua intervenção, reiterado a necessidade de se alterar a situação: «Ainda bem que alteraram a sua posição, embora não se possa escamotear as responsabilidades da Ordem nesta matéria», comentou Joaquim Dionísio.
Fez ainda um reparo aos números adiantados pelo representante do Governo, segundo o qual, 70 a 80 por cento dos casos de litígio laboral estavam a ser deferidos: «Se assim fosse, seria uma excelente Lei», afirmou, clarificando que os dados avançados pelo secretário de Estado não dizem respeito aos processos de apoio judiciário, logo, «estamos perante uma fraude».
Joaquim Dionísio lamentou que todos os processo burocráticos de ordem jurídica tenham encarecido e pagos pelos trabalhadores.
Assim, «passaram a existir três categorias de cidadãos: a justiça dos pobres, a justiça dos ricos e a justiça dos excluídos, que são cada vez mais perante o sistema», afirmou.
Sobre os escassos meios existentes na Inspecção-Geral do Trabalho, responsabilizou os vários governos que apostaram na sua paralisação.
As taxas aumentaram
Ao presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, coube fazer as apresentações e, numa curta intervenção, salientou a necessidade da universalização do acesso à Justiça, «em vez de ficar ao serviço de interesses particulares».
«Aumentaram desmesuradamente as taxas de Justiça no domínio do processo laboral, tornando particularmente difícil e mesmo impossível, o acesso dos trabalhadores e dos desempregados para defesa dos seus direitos», denunciou Carvalho da Silva, que abriu os trabalhos.
Na sua intervenção, o secretário-geral da CGTP-IN fez notar que «já no anterior Governo, os responsáveis da Justiça manifestaram a necessidade de se alterar esta realidade, mas ela mantém-se».
A central pretende ver respeitado o artigo 20.º da Constituição da República que consubstancia o direito de acesso de todos os cidadãos ao Direito e aos tribunais, em condições de igualdade.
«A Lei deve garantir isenções, a favor de quem não tenha capacidades económicas para suportar os encargos, e assegurar que o regime das custas judiciais não seja um factor impeditivo do acesso», defendeu Carvalho da Silva.
Harmonização no retrocesso
O surgimento de novos mercados de trabalho, com menos direitos, horários desregulados, piores remunerações e garantias quanto a carreiras e trajectórias profissionais «geram uma espécie de harmonização no retrocesso», afirmou ainda o secretário-geral da central.
A fragilização dos apoios judiciários e das custas judiciais, neste contexto, «potencia o incumprimento das leis do trabalho e da contratação colectiva, à semelhança do Código do Trabalho que é desestruturador da contratação colectiva», considerou.
Carvalho da Silva denunciou a facilidade com que ocorrem encerramentos de empresas.
Igualmente grave, para a CGTP-IN, é a utilização de contratos celebrados com o Estado, usando fundos públicos e comunitários, «não para desenvolverem actividades, mas para prepararem as deslocalizações». Recordou também a impunidade com que são feitos despedimentos colectivos, «a coberto da inqualificável figura da rescisão por mútuo acordo».
Devido ao facto de a IGT ter crescentes dificuldades na fiscalização e da aplicação de sanções, a central reclama do Governo «uma mudança radicalmente qualitativa nesta matéria» e considera «fundamental um sistema de Justiça rigoroso, isento, célere, eficiente, dignificado e credível, dirigido para a realização dos direitos dos cidadãos».
Justiça só para os ricos
«O mau funcionamento do sistema de Justiça, uma má produção legislativa e as dificuldades de acesso para os cidadãos com menos recursos criam a convicção de que há uma Justiça para ricos e outra para pobres, alimentando práticas de incumprimento das leis e de desrespeito pelas mais diversas responsabilidades e compromissos», prosseguiu Carvalho da Silva.
Salientou que a crise não é para todos, «pois alguns têm enriquecido, e muito, à custa de um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários, em baixas qualificações, no desrespeito pelo cumprimento das leis e em muita precariedade», decorrendo daí «uma crise de justiça social, visível na injusta distribuição da riqueza e na forma como o capital se vai acumulando e concentrando».
Tribunais sem dignidade
O juiz do Tribunal de Trabalho de Lisboa, José Eduardo Sapateiro, lembrou a falta de condições físicas, de higiene e saúde nos tribunais e de condições de trabalho com dignidade para os profissionais do sector.
Gomes Canotilho lembrou os encargos «impressionantes» com as taxas de Justiça. Denunciou o processo burocrático para pagamento das indemnizações a trabalhadores, cuja «acção executiva não funciona», e disse crer que o actual regime «confronta a Constituição, na medida em que impossibilita um número significativo de pessoas de aceder à Justiça», afirmou.
O professor e constitucionalista reconheceu-se «chocado» com os exemplos, avançados pela central, de discricionaridade por parte dos juízes, ao ter-se deparado com a prática dos serviços de Segurança Social relativa ao apuramento de insuficiência económica, que é feito através de uma complicada fórmula algébrica matemática. «Passou-se de uma aplicação do Direito justa, para uma aplicação injusta, derivada da aplicação automática da Lei, por parte dos serviços da Segurança Social», afirmou.
O sistema não funciona
Segundo o constitucionalista, «o sistema não funciona de forma racional, uma vez que, praticamente ninguém tem acesso à Justiça por motivo de insuficiência económica, porque as pessoas com salários normais não são ricas para litigarem nos tribunais».
Canotilho afirmou ainda que «a angústia provocada pelo corte nos apoios significa a existência de uma conflitualidade social e laboral que tem a ver com os contratos a prazo, despedimentos sem justa causa e outras situações que só os tribunais podem resolver».
Para o constitucionalista, os trabalhadores «são visados por um sistema legal injusto de patrocínio judiciário e são quem está a sofrer muitas das pressões ligadas a determinadas políticas económicas».
Criticou ainda o facto de apenas aqueles cujo agregado familiar aufira rendimentos abaixo de um salário mínimo e meio poderem ter direito a apoio judiciário, excluindo todos os que ganhem acima dessa indigência.
Para Gomes Canotilho, está em causa «um princípio elementar de qualquer sociedade democrática».
Sobre a possibilidade de os trabalhadores pagarem os processo de forma faseada, o professor disse tratar-se de uma nova modalidade mas sem qualquer desconto, mantendo-se, por isso, a exclusão económica.
Situações desiguais
O catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, Jorge Leite, denunciou «a falta de sensibilidade e preparação dos juizes, até na formação universitária, para atenderem, de forma justa, a estas situações».
O professor lembrou que, na conflitualidade laboral «o trabalhador arrisca tudo, enquanto a entidade empregadora não arrisca nada». Salientou a subcontratação como um contributo à fraude por ser, segundo o próprio código laboral, «uma cedência ilícita de trabalhadores». Também considerou urgente que se melhore a qualidade da legislação, bem como a sua legibilidade.
O docente de Economia, António Casimiro Ferreira, lembrou que o acesso ao Direito é fundamental para uma efectiva coesão social e deve passar a ser considerado no contexto dessa coesão. «Todos devemos lutar pela revogação imediata dos diplomas em causa», apelou.
Terminou com uma frase de Cícero: «Os homens erram. Os néscios permanecem no erro».
Viriato Reis, Procurador da República, classificou como «uma completa hipocrisia dizer-se que o pagamento faseado é uma ajuda ao acesso à Justiça».
Criticou os encargos suportados pelos sinistrados, em processos de execução das sentenças, por os trabalhadores serem postos em situação de igualdade em relação à outra parte, «quando as seguradoras têm um corpo de funcionários para acompanharem o seu cliente, o empresário, e os trabalhadores têm apenas o advogado».
Romper com o medo
Fausto Leite, especialista em Direito do Trabalho, salientou que qualquer falência fraudulenta é, segundo o Código do Trabalho, um crime sobre o qual se deve accionar uma denúncia que isenta o processo do pagamento de taxas.
Ao lembrar as represálias a que os trabalhadores ficam sujeitos quando accionam um contencioso, considerou fundamental «romper o medo, sobretudo quando o trabalhador é prejudicado».
O jurista deu exemplos da forma como a legislação é confusa e deveras burocrática: «É preciso conhecer, pelo menos oito diplomas, além do processo civil e do processo penal e do Código do Trabalho, mais as respectivas regulamentações que perfazem cerca de trinta diplomas. Não há nenhum advogado que as conheça todas», afirmou.
Como Jorge Leite, lembrou a situação dos imigrantes ilegais, que não têm qualquer protecção jurídica e carecem de informação, e apresentou a fórmula de cálculo de rendimentos «apenas compreensível a matemáticos e não a advogados».
Fausto Leite propôs ainda a criação de serviços de atendimento nos tribunais, uma maior intervenção da comunicação social nestas matérias e denunciou o recuo da Ordem dos Advogados que, na última assembleia extraordinária, pugnou contra o excesso de apoios judiciários e, neste seminário, já defendeu a sua reposição, «porque não há leite e a vaca está a morrer», ironizou.
Ao acusar o Governo de autismo, «nesta como noutras matérias», criticou a burocracia dos requerimentos e apresentou como alternativa a assunção de um compromisso de honra entre as partes.
Abaixo-assinado
Continua a decorrer a recolha de assinaturas, no propósito de forçar o Governo a alterar os critérios de atribuição das ajudas e dos apoios imprescindíveis para que os trabalhadores possam aceder aos tribunais.
A CGTP-IN está a preparar, no seu sítio na internet, um fórum de discussão que permita o debate sobre estas matérias, para que todos os interessados possam dar seu contributo para as propostas da central. Actualmente, o sítio contém toda a informação relativa ao acesso ao Direito e ao sistema de Justiça.
O lastro da direita
Com o Governo PSD/PP, as custas judiciais para os trabalhadores nos processos de Trabalho, subiram desmesuradamente e foi eliminada a comparticipação de 50 por cento nos apoios judiciários. Um ano após a tomada de posse do Governo PS, a situação mantém-se e agrava-se. Cada vez mais trabalhadores estão impossibilitados de se socorrer nos tribunais, mesmo quando são vítimas de injustiças em processos de litígio laboral.
Os problemas com o acesso surgiram com a Lei 24/2004, que passou a considerar que só têm direito à protecção jurídica os cidadãos em situação de indigência. O critério de atribuição dos apoios está agora dependente do nível de rendimento de todo o agregado familiar e não apenas do trabalhador em causa, como contemplava a legislação anterior.
O Governo actual conserva, nestas matérias, o lastro deixado pelo Governo de direita.
Urgente agir para mudar
Os oradores foram unânimes em considerar urgente uma mudança do quadro actual, para que a maioria da população não fique excluída de aceder aos tribunais.
Ocorreram ainda dois períodos de debate, onde intervieram vários sindicalistas, que interpelaram os convidados e deram exemplos práticos da forma como os trabalhadores estão excluídos do acesso à Justiça. Denunciaram também as dificuldades acrescidas pela apatia do anterior Governo e do actual, perante tantos atropelos à dignidade dos trabalhadores.
Acabar com a exclusão
A central sindical propôs ao grupos parlamentares a apresentação de dois projectos-lei que podem solucionar o problema do acesso à Justiça.
O primeiro, pretende alterar o sistema, «tornando-o mais justo e equitativo, menos restritivo, mais eficaz e facilitador do acesso de um maior número de cidadãos cuja situação económica não o permita».
O segundo, altera o Código das Custas Judiciais, tornando menos onerosas as taxas de Justiça, particularmente as do foro laboral, repondo as anteriores isenções e reduções, de modo a permitir aos trabalhadores a defesa dos seus direitos.
O secretário de Estado disse que, nas próximas semanas, apresentará um anteprojecto de Lei para alterar o sistema, nomeadamente no que respeita à verificação da insuficiência económica. Afirmou pretender valorizar a defesa oficiosa e melhorar o sistema de pagamento faseado, mantendo-o, «através de um sistema sancionatório, em caso de não pagamento».
João Tiago Silveira assumiu que a proposta governamental vai manter, no critério para a atribuição ou não de ajudas, não apenas a referência relativa aos rendimentos do trabalhador, mas também do respectivo agregado familiar que continuarão a ser ponderados para o cálculo do rendimento.
O Governo pretende ainda «criar um sistema de nomeação de «lotes de processos», afirmou o mesmo governante..
Grande parte das propostas enunciadas pelo secretário de Estado mereceram severas críticas ao longo o seminário.
O representante do Governo interveio no início do encontro, felicitou CGTP-IN pela organização do evento, que considerou de extrema importância e actualidade, para, imediatamente após intervir, se desculpar com a agenda e abandonar a sala, evitando assim ouvir as críticas, tanto à sua intervenção como à actuação do Governo PS, proferidas durante os trabalhos.
«Se a CGTP-IN não tivesse feito a denúncia, esta Lei não seria alterada», salientou, no encerramento dos trabalhos, o membro do Conselho Nacional e responsável pelo gabinete de estudos da CGTP-IN, Joaquim Dionísio que aceitou, em nome da central, o desafio do secretário de Estado para discutir estas matérias, «logo que a proposta do Governo for conhecida».
Denunciar as injustiças
Joaquim Dionísio qualificou as alterações enunciadas pelo secretário de Estado, como «tímidas». Salientou que a central sindical esteve sozinha a batalhar contra estas medidas, desde que entraram em vigor, perante a passividade dos órgãos da jurisprudência. Foram efectuadas diligências na Assembleia da República e apresentada uma queixa junto do Provedor de Justiça, de que resultou uma recomendação.
Também denunciou as responsabilidades da Ordem dos Advogados em relação a esta matéria, embora o advogado Pedro Raposo, em representação da Ordem, tenha, na sua intervenção, reiterado a necessidade de se alterar a situação: «Ainda bem que alteraram a sua posição, embora não se possa escamotear as responsabilidades da Ordem nesta matéria», comentou Joaquim Dionísio.
Fez ainda um reparo aos números adiantados pelo representante do Governo, segundo o qual, 70 a 80 por cento dos casos de litígio laboral estavam a ser deferidos: «Se assim fosse, seria uma excelente Lei», afirmou, clarificando que os dados avançados pelo secretário de Estado não dizem respeito aos processos de apoio judiciário, logo, «estamos perante uma fraude».
Joaquim Dionísio lamentou que todos os processo burocráticos de ordem jurídica tenham encarecido e pagos pelos trabalhadores.
Assim, «passaram a existir três categorias de cidadãos: a justiça dos pobres, a justiça dos ricos e a justiça dos excluídos, que são cada vez mais perante o sistema», afirmou.
Sobre os escassos meios existentes na Inspecção-Geral do Trabalho, responsabilizou os vários governos que apostaram na sua paralisação.
As taxas aumentaram
Ao presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, coube fazer as apresentações e, numa curta intervenção, salientou a necessidade da universalização do acesso à Justiça, «em vez de ficar ao serviço de interesses particulares».
«Aumentaram desmesuradamente as taxas de Justiça no domínio do processo laboral, tornando particularmente difícil e mesmo impossível, o acesso dos trabalhadores e dos desempregados para defesa dos seus direitos», denunciou Carvalho da Silva, que abriu os trabalhos.
Na sua intervenção, o secretário-geral da CGTP-IN fez notar que «já no anterior Governo, os responsáveis da Justiça manifestaram a necessidade de se alterar esta realidade, mas ela mantém-se».
A central pretende ver respeitado o artigo 20.º da Constituição da República que consubstancia o direito de acesso de todos os cidadãos ao Direito e aos tribunais, em condições de igualdade.
«A Lei deve garantir isenções, a favor de quem não tenha capacidades económicas para suportar os encargos, e assegurar que o regime das custas judiciais não seja um factor impeditivo do acesso», defendeu Carvalho da Silva.
Harmonização no retrocesso
O surgimento de novos mercados de trabalho, com menos direitos, horários desregulados, piores remunerações e garantias quanto a carreiras e trajectórias profissionais «geram uma espécie de harmonização no retrocesso», afirmou ainda o secretário-geral da central.
A fragilização dos apoios judiciários e das custas judiciais, neste contexto, «potencia o incumprimento das leis do trabalho e da contratação colectiva, à semelhança do Código do Trabalho que é desestruturador da contratação colectiva», considerou.
Carvalho da Silva denunciou a facilidade com que ocorrem encerramentos de empresas.
Igualmente grave, para a CGTP-IN, é a utilização de contratos celebrados com o Estado, usando fundos públicos e comunitários, «não para desenvolverem actividades, mas para prepararem as deslocalizações». Recordou também a impunidade com que são feitos despedimentos colectivos, «a coberto da inqualificável figura da rescisão por mútuo acordo».
Devido ao facto de a IGT ter crescentes dificuldades na fiscalização e da aplicação de sanções, a central reclama do Governo «uma mudança radicalmente qualitativa nesta matéria» e considera «fundamental um sistema de Justiça rigoroso, isento, célere, eficiente, dignificado e credível, dirigido para a realização dos direitos dos cidadãos».
Justiça só para os ricos
«O mau funcionamento do sistema de Justiça, uma má produção legislativa e as dificuldades de acesso para os cidadãos com menos recursos criam a convicção de que há uma Justiça para ricos e outra para pobres, alimentando práticas de incumprimento das leis e de desrespeito pelas mais diversas responsabilidades e compromissos», prosseguiu Carvalho da Silva.
Salientou que a crise não é para todos, «pois alguns têm enriquecido, e muito, à custa de um modelo de desenvolvimento assente em baixos salários, em baixas qualificações, no desrespeito pelo cumprimento das leis e em muita precariedade», decorrendo daí «uma crise de justiça social, visível na injusta distribuição da riqueza e na forma como o capital se vai acumulando e concentrando».
Tribunais sem dignidade
O juiz do Tribunal de Trabalho de Lisboa, José Eduardo Sapateiro, lembrou a falta de condições físicas, de higiene e saúde nos tribunais e de condições de trabalho com dignidade para os profissionais do sector.
Gomes Canotilho lembrou os encargos «impressionantes» com as taxas de Justiça. Denunciou o processo burocrático para pagamento das indemnizações a trabalhadores, cuja «acção executiva não funciona», e disse crer que o actual regime «confronta a Constituição, na medida em que impossibilita um número significativo de pessoas de aceder à Justiça», afirmou.
O professor e constitucionalista reconheceu-se «chocado» com os exemplos, avançados pela central, de discricionaridade por parte dos juízes, ao ter-se deparado com a prática dos serviços de Segurança Social relativa ao apuramento de insuficiência económica, que é feito através de uma complicada fórmula algébrica matemática. «Passou-se de uma aplicação do Direito justa, para uma aplicação injusta, derivada da aplicação automática da Lei, por parte dos serviços da Segurança Social», afirmou.
O sistema não funciona
Segundo o constitucionalista, «o sistema não funciona de forma racional, uma vez que, praticamente ninguém tem acesso à Justiça por motivo de insuficiência económica, porque as pessoas com salários normais não são ricas para litigarem nos tribunais».
Canotilho afirmou ainda que «a angústia provocada pelo corte nos apoios significa a existência de uma conflitualidade social e laboral que tem a ver com os contratos a prazo, despedimentos sem justa causa e outras situações que só os tribunais podem resolver».
Para o constitucionalista, os trabalhadores «são visados por um sistema legal injusto de patrocínio judiciário e são quem está a sofrer muitas das pressões ligadas a determinadas políticas económicas».
Criticou ainda o facto de apenas aqueles cujo agregado familiar aufira rendimentos abaixo de um salário mínimo e meio poderem ter direito a apoio judiciário, excluindo todos os que ganhem acima dessa indigência.
Para Gomes Canotilho, está em causa «um princípio elementar de qualquer sociedade democrática».
Sobre a possibilidade de os trabalhadores pagarem os processo de forma faseada, o professor disse tratar-se de uma nova modalidade mas sem qualquer desconto, mantendo-se, por isso, a exclusão económica.
Situações desiguais
O catedrático da Faculdade de Direito de Coimbra, Jorge Leite, denunciou «a falta de sensibilidade e preparação dos juizes, até na formação universitária, para atenderem, de forma justa, a estas situações».
O professor lembrou que, na conflitualidade laboral «o trabalhador arrisca tudo, enquanto a entidade empregadora não arrisca nada». Salientou a subcontratação como um contributo à fraude por ser, segundo o próprio código laboral, «uma cedência ilícita de trabalhadores». Também considerou urgente que se melhore a qualidade da legislação, bem como a sua legibilidade.
O docente de Economia, António Casimiro Ferreira, lembrou que o acesso ao Direito é fundamental para uma efectiva coesão social e deve passar a ser considerado no contexto dessa coesão. «Todos devemos lutar pela revogação imediata dos diplomas em causa», apelou.
Terminou com uma frase de Cícero: «Os homens erram. Os néscios permanecem no erro».
Viriato Reis, Procurador da República, classificou como «uma completa hipocrisia dizer-se que o pagamento faseado é uma ajuda ao acesso à Justiça».
Criticou os encargos suportados pelos sinistrados, em processos de execução das sentenças, por os trabalhadores serem postos em situação de igualdade em relação à outra parte, «quando as seguradoras têm um corpo de funcionários para acompanharem o seu cliente, o empresário, e os trabalhadores têm apenas o advogado».
Romper com o medo
Fausto Leite, especialista em Direito do Trabalho, salientou que qualquer falência fraudulenta é, segundo o Código do Trabalho, um crime sobre o qual se deve accionar uma denúncia que isenta o processo do pagamento de taxas.
Ao lembrar as represálias a que os trabalhadores ficam sujeitos quando accionam um contencioso, considerou fundamental «romper o medo, sobretudo quando o trabalhador é prejudicado».
O jurista deu exemplos da forma como a legislação é confusa e deveras burocrática: «É preciso conhecer, pelo menos oito diplomas, além do processo civil e do processo penal e do Código do Trabalho, mais as respectivas regulamentações que perfazem cerca de trinta diplomas. Não há nenhum advogado que as conheça todas», afirmou.
Como Jorge Leite, lembrou a situação dos imigrantes ilegais, que não têm qualquer protecção jurídica e carecem de informação, e apresentou a fórmula de cálculo de rendimentos «apenas compreensível a matemáticos e não a advogados».
Fausto Leite propôs ainda a criação de serviços de atendimento nos tribunais, uma maior intervenção da comunicação social nestas matérias e denunciou o recuo da Ordem dos Advogados que, na última assembleia extraordinária, pugnou contra o excesso de apoios judiciários e, neste seminário, já defendeu a sua reposição, «porque não há leite e a vaca está a morrer», ironizou.
Ao acusar o Governo de autismo, «nesta como noutras matérias», criticou a burocracia dos requerimentos e apresentou como alternativa a assunção de um compromisso de honra entre as partes.
Abaixo-assinado
Continua a decorrer a recolha de assinaturas, no propósito de forçar o Governo a alterar os critérios de atribuição das ajudas e dos apoios imprescindíveis para que os trabalhadores possam aceder aos tribunais.
A CGTP-IN está a preparar, no seu sítio na internet, um fórum de discussão que permita o debate sobre estas matérias, para que todos os interessados possam dar seu contributo para as propostas da central. Actualmente, o sítio contém toda a informação relativa ao acesso ao Direito e ao sistema de Justiça.
O lastro da direita
Com o Governo PSD/PP, as custas judiciais para os trabalhadores nos processos de Trabalho, subiram desmesuradamente e foi eliminada a comparticipação de 50 por cento nos apoios judiciários. Um ano após a tomada de posse do Governo PS, a situação mantém-se e agrava-se. Cada vez mais trabalhadores estão impossibilitados de se socorrer nos tribunais, mesmo quando são vítimas de injustiças em processos de litígio laboral.
Os problemas com o acesso surgiram com a Lei 24/2004, que passou a considerar que só têm direito à protecção jurídica os cidadãos em situação de indigência. O critério de atribuição dos apoios está agora dependente do nível de rendimento de todo o agregado familiar e não apenas do trabalhador em causa, como contemplava a legislação anterior.
O Governo actual conserva, nestas matérias, o lastro deixado pelo Governo de direita.
Urgente agir para mudar
Os oradores foram unânimes em considerar urgente uma mudança do quadro actual, para que a maioria da população não fique excluída de aceder aos tribunais.
Ocorreram ainda dois períodos de debate, onde intervieram vários sindicalistas, que interpelaram os convidados e deram exemplos práticos da forma como os trabalhadores estão excluídos do acesso à Justiça. Denunciaram também as dificuldades acrescidas pela apatia do anterior Governo e do actual, perante tantos atropelos à dignidade dos trabalhadores.
Acabar com a exclusão
A central sindical propôs ao grupos parlamentares a apresentação de dois projectos-lei que podem solucionar o problema do acesso à Justiça.
O primeiro, pretende alterar o sistema, «tornando-o mais justo e equitativo, menos restritivo, mais eficaz e facilitador do acesso de um maior número de cidadãos cuja situação económica não o permita».
O segundo, altera o Código das Custas Judiciais, tornando menos onerosas as taxas de Justiça, particularmente as do foro laboral, repondo as anteriores isenções e reduções, de modo a permitir aos trabalhadores a defesa dos seus direitos.