Este texto resultou da intervenção numa sessão pública promovida pela CDU, no dia 14 de Fevereiro de 2006, na Biblioteca Municipal de Portalegre a propósito das questões que se levantam em contexto educativo em regiões rurais e do interior do País, como é o caso do norte alentejano e onde se desenvolvem projectos educativos locais e em rede.
O encerramento das escolas pode acelerar a desertificação e aumentar assimetrias dentro do mesmo país como é caso, cada vez mais evidente, entre o litoral e o interior.
Pensar-se que em grandes faixas do território português, nomeadamente na região do nordeste alentejano, nada se passa e não existem potencialidades endógenas na área da educação, revela um total desconhecimento ou desprezo por experiências que se desenvolvem em vilas e aldeias desta e de outras regiões.
A possibilidade de se pensar a escola num papel de promoção de dinâmicas de desenvolvimento em contexto rural, tem conhecido vários exemplos através de projectos educativos que pretendem não perder de vista um duplo sentido:
- os contributos desta (escola) para a melhoria dos contextos
- como pode esta organização (escola) beneficiar dos processos de desenvolvimento em que participa.
Nesta lógica de trabalho procura-se
a) a promoção dos valores e das comunidades locais pelo trabalho dos alunos, nomeadamente na sua escrita e divulgação
b) a reconstrução das identidades locais por um trabalho intergeracional entre crianças e idosos e, mais recentemente com a entrada dos jovens e das suas associações
c) na participação da escola, em parcerias, para o equacionamento, visibilidade e solução de problemas locais.
Nesta perspectiva está subjacente que:
- em primeiro lugar tende-se a qualificar os actores e as instituições nas suas potencialidades e capacidades em vez de desqualificar e desvalorizar nas suas fragilidades e carências
- em segundo lugar desmonta o discurso da exclusão, na sua visão redutora e que legitima a supressão de serviços, nomeadamente o escolar. As referências a processos de desenvolvimento local e ás suas possibilidades justificam a aposta na manutenção e revitalização dos serviços.
Os projectos educativos em desenvolvimento revelam, a cada passo, a pluridimensionalidade dos problemas nas comunidades rurais. Tal dimensão requer uma acção global e integrada ao nível dos actores e das dimensões de trabalho.
Partindo dos problemas das escola e do mundo rural, como problemas sociais, os projectos educativos locais regem-se por princípios de globalização da acção educativa procurando integrar:
1. o trabalho sócio-educativo: promovendo a participação social útil de idosos e a mobilização de actores e associações locais, por exemplo: a criação de um museu local, a criação de um centro comunitário, entre outros.
2. O trabalho pedagógico: diversificando as fontes do currículo e as oportunidades de aprendizagem pela abordagem dos saberes e dos problemas locais, promovendo o confronto da cultura escolar com a cultura local;
3. animação e desenvolvimento local: quando a escola a promove iniciativas como os encontros de alunos e de professores, mostras ou exposições, quando a escola se associa a outras iniciativas da autarquia, de outras estruturas e entidades locais ou ainda quando é a escola a «desencandear» candidaturas a programas de financiamentos.
Um contexto onde uma lógica de desenvolvimento visa potenciar o trabalho da escola, conferindo-lhe outros sentidos tanto para alunos como para professores.
Reconstruir identidades locaisUma crise de identidades como consequência de múltiplas situações de desfavor ou de evolução em relação ao mundo exterior: rural sem agricultura, êxodo rural, novos residentes, a
décalage entre trabalho/espaço de residência, etc.
Para nós acrescem outros três factores:
a) complexos de inferioridade em relação à cultura local
b)fatalismo e resignação perante os problemas e dificuldades
c)privações e desfavores que ofuscam recursos e potencialidades
Propostas para contrariar esta situação e que se têm vindo a desenvolver na região:
- descoberta das raízes, a escrituralização das culturas locais, a criação de espaços de memória, a reconstituição de espaços de animação e sociabilidades
- a intencional interacção entre crianças e idosos; os mais velhos são símbolos vivos da história local, portadores de cultura e gestores de memória que as crianças podem recriar
Produção de sociabilidadesActualmente, com o envelhecimento progressivo da população local, na exiguidade das pensões, na deficiente cobertura de saúde e de assistência genérica aos mais velhos, como penalização das comunidades rurais, contribui para o aumento da distância entre locais e entre vizinhos.
A produção de sociabilidades pode ser:
- a reabilitação/reconstrução de relações de formas tradicionais de relacionamento, entre gerações, reabilitando protagonismos nomeadamente dos idosos
- contribuir para a promoção do local; articular as acções que enformam uma intervenção e animação comunitária; de reabilitação das culturas locais;
- a descoberta e reviver de raízes, ao ressurgimento, reinvenção e reconstrução das tradições, trazendo os mais velhos para o centro da actividade social e educativa, em estreita interacção com as crianças, os jovens, sob vigilância e atenção do resto da família, com maior ou menor implicação desta e condução educativa dos professores.
Sobressai assim, a dimensão sócio-educativa-cultural (e diria afectiva) do desenvolvimento.
Abordagem/solução de problemas locais
e requalificação de serviços- A procura de respostas a problemas locais (o trabalho em torno de projectos educativos locais ou comunitários/ de aldeia)
- A escola num papel de recurso que pode ajudar a contrariar as situações de desfavor e periferização das comunidades
- Com várias entradas: pedagógicas, comunitárias, solicitações de outros parceiros…
A resolução de problemas locais, criação de serviços e requalificação de gentes e instituições/serviços tendem:
- a criar uma cultura de desenvolvimento local e uma vontade colectiva de mudança
- o envolvimento progressivo dos actores, de grupos e instituições criando malhas que constituem uma rede:
a) de escolas, comunidades, professores, alunos
b) na criação de espaços e momentos de troca de experiências (dar exemplos)
c) na horizontalização de relações – a sustentabilidade das acções - e uma afirmação local não mediada pelo centro
Algumas notas de conclusãoO trabalho desenvolvido em escolas e comunidades rurais da região do Nordeste Alentejano que se exprime numa rede de projectos educativos locais revela tratar-se de:
A - Uma intervenção sobre os problemas do mundo rural que, sem escamotear dificuldades, aposta nas potencialidades e nas valias de espaços funcionais que se diferenciam como é o caso das comunidades rurais.
B – A participação da escola no desenvolvimento pode constituir um significativo contributo para inflectir a periferização dos espaços rurais e das escolas neste contexto, porque assumem estratégias e funções educativas
C – Podem existir alternativas à administração centralizada, e hierarquizada do Estado. Que o Estado não seja apenas avaliador e de controlo, mas regulador. Se procure uma unidade no sistema mas sem uniformizar e homogeneizar. Que haja espaço para projectos autónomos e que não imponha um projecto único às escolas
Alguns equívocos ou não verdadesA política educativa que se pretende levar a cabo tende a esquecer a diversidade de experiências que são desenvolvidas por escolas em meio rural ou anular espaços de acção educativa, numa frase: eliminar o presente e não permitir o futuro.
A retórica que se faz aponta para que nas escolas maiores, mais homogéneas nas idades por turma, as vantagens são evidentes e o sucesso é a regra. Passa uma não verdade de que só há insucesso nas escolas pequenas. O que esperar das escolas e do mundo rural? Nada!
Não se reconhece o admite que os autarcas possam analisar custos sociais, educativos, ou mesmo pedagógicos do encerramento das escolas. Esquece-se ou tenta-se contornar a lei.
Esquecemos a importância da participação das famílias na educação dos filhos. Rotulam-se os pais que se opõem de estar a soldo de interesses instalados, logo em zonas desfavorecidas e sistematicamente abandonadas pelo poder central e em situação de permanente desinvestimento.
Não estamos atentos ao abandono da lógica concentracionista por países como o Canadá, Estados Unidos, Noruega, Suécia ou mesmo Espanha, numa procura de soluções de problemas e alternativas mais participadas em comunidades locais.
E por andam as preocupações sociais, a promoção das oportunidades, as solidariedades, o combate às assimetrias regionais….
Amândio Valente