COISAS DOS TEMPOS MODERNOS

«A opi­nião pú­blica é, cada vez mais, o re­sul­tado de uma opi­nião pu­bli­cada exaus­ti­va­mente»

Um dos traços característicos da situação hoje existente no mundo reside na ampla, poderosa e constante operação de desinformação organizada, levada a cabo pela generalidade dos órgãos de comunicação social. Na sua quase totalidade propriedade dos grandes grupos económicos e financeiros, os media dominantes divulgam, apenas e só, o que aos seus donos interessa que seja divulgado - e repetem, até ser aceite como verdade, tudo aquilo, e só aquilo, que serve os interesses do grande capital. Esse o critério básico – de classe, pois claro - por que se rege a comunicação social dominante. Esse o seu critério de ver­dade.
Por outro lado, basta um simples olhar, ainda que superficial, às práticas dessa comunicação social, para nos apercebermos dos métodos por ela utilizados e detectarmos o seu ponto de partida essencial: o total desrespeito pelos direitos, pela inteligência, pela sensibilidade dos cidadãos e das cidadãs.
Com efeito, a liberdade de informar, conquistada através de históricas batalhas que integram o património da luta dos povos pela democracia e pela liberdade, foi subvertida e está hoje transformada numa farsa hipócrita, sendo entendida e praticada, de facto, pela comunicação social dominante, como li­ber­dade de de­sin­formar. Da mesma forma, o di­reito à in­for­mação, conquista complementar dessas históricas batalhas, foi transformado num indisfarçável su­jeito à de­sin­for­mação, aceite por efeito de uma poderosa e permanente operação de lavagem de cérebros colectiva à escala planetária que molda a opinião de milhões de pessoas. Aquilo a que, hipocritamente, os media dominantes, chamam opi­nião pú­blica – que invocam, sempre, na defesa dos interesses do grande capital e, sempre, contra os interesses de quem trabalha e vive do seu trabalho – é, cada vez mais, o resultado de uma opi­nião pu­bli­cada exaustiva e massivamente, num serviço combinado entre notícias divulgadas e opiniões produzidas por co­men­ta­dores po­lí­ticos, gémeos no cumprimento da tarefa de bem servir os interesses dos donos da quase totalidade dos jornais, revistas, rádios, televisões.

Exemplos do que acima se diz, encontramo-los todos os dias nos media nacionais e, de forma mais acentuada, quando os interesses dos seus donos o exigem.
O método é já clássico. Por exemplo, em relação ao Governo Sócrates/PS. É necessário po­pu­la­rizá-lo?: então, excluída à partida a hipótese de essa popularidade ser adquirida através da prática de uma política popular – ou seja: de uma política que sirva os interesses da imensa maioria do portugueses – é necessário criar-lhe, artificialmente, a po­pu­la­ri­dade necessária. E é simples, tão simples como cozinhar uma refeição de bacalhau com batatas: durante dias, ou semanas, espalham-se as notícias que se querem ver aceites, das quais, ao mesmo tempo, os co­men­ta­dores po­lí­ticos, em coro síncrono, vão tirando con­clu­sões, fruto de apro­fun­dadas aná­lises; as con­clu­sões são amplamente difundidas até entrarem no «discurso anónimo» de que é feita a opi­nião pú­blica – e está a refeição pronta a servir; depois, para a sobremesa, haverá que encomendar a indispensável, a inevitável, a suculenta, a saborosissima, son­dagem de opi­nião – e está a refeição servida: «Governo vai de férias com popularidade em alta»; «Governo com novo fôlego depois da partida de Freitas»; «Governo em súbito estado de graça»; «Governo com a cotação de quase todos os ministros em alta» (quase todos, significa, todos menos dois: um, na mesma, e uma, em queda – o que, como se sabe, é sempre de bom tom e dá credibilidade à coisa). Ou seja: a son­dagem de opi­nião diz-nos tudo o que, antes dela, as no­tí­cias e os co­men­ta­dores po­lí­ticos nos haviam dito e redito.
E, a confirmar que esta gente não dorme em serviço e que isto anda tudo ligado, eis que a son­dagem de opi­nião nos serve ainda, a terminar a refeição, como digestivo, a pertinente in­for­mação de que «os dois novos ministros estreiam-se com nota positiva».

Assim se esperava e assim se sabia: no mesmo dia da publicação da sondagem soubemos da prestação do novo ministro dos Negócio Estrangeiros, na comissão permanente da Assembleia da República. Prestação que –in­forma o jornal da sondagem – começou por «secar algumas das críticas previsíveis dos partidos mais à esquerda», e no decorrer da qual o ministro «afirmou, sem hesitações, que ‘a diplomacia sem a força é insustentável’; e «antecipou, sem complexos, que o ‘bebé’ pode cair-lhe no colo durante a presidência portuguesa» - tudo a confirmar a sondagem, como era de esperar. O jornal in­forma, ainda, que, face à intervenção de um deputado do PCP, «o MNE respondeu-lhe à letra»: «Vazia é a retórica que há décadas os senhores aqui trazem a propósito de política externa».
Os «senhores» a que o ministro se referia éramos nós, comunistas, e a «retórica vazia» era, tão somente, a defesa da independência e da soberania nacionais, sempre assumida pelo PCP, ao longo dos seus oitenta e cinco anos de vida. Em oposição - reconheça-se e sublinhe-se com orgulho - à política de desprezo e de violação dessa soberania e dessa independência; à política de subserviência rasteira aos donos do mundo, particularmente ao imperialismo norte-americano; à política praticada há trinta anos por sucessivos governos PS e PSD e que o actual governo PS/José Sócrates - «em alta» - está a levar por diante. Com a excelente prestação de um ministro dos negócios estrangeiros tão calhado para a tarefa, tão pró-americanista primário, que dir-se-ia ter sido despachado e recomendado pelo governo do Estados Unidos da América.