- Nº 1723 (2006/12/7)

Modernizações

Opinião

«A Grã-Bretanha vai modernizar o seu dispositivo nuclear», informou na Câmara dos Comuns o primeiro-ministro britânico Tony Blair com a solenidade de quem anuncia a cura para o cancro ou a salvação da pátria. E explicou porquê: perante as «novas ameaças» como os programas nucleares do Irão ou da Coreia do Norte «seria insensato e perigoso que a Grã-Bretanha desistisse da sua força de dissuasão nuclear, quando nenhuma das outras potências o faz».
Anote-se o pormenor de Blair fazer identificar a anunciada modernização do dispositivo nuclear com uma «resposta» a uma pretensa «desistência» da «força de dissuasão» britânica, que ninguém viu a não ser ele.
Acontece que o actual dispositivo nuclear britânico, baseado nos submarinos Trident, além de não estar obviamente ameaçado por «desistências» de qualquer espécie, apenas estará desactualizado em 1922-24, ou seja apenas daqui a cerca de 20 anos.
«Modernizar» uma coisa que está avançada 20 anos parece um absurdo, mas passa a loucura quando se acrescenta que tal modernização está avaliada (para já...) em cerca de 30 mil milhões de euros, coisa que pelos vistos não impressiona Tony Blair, que ainda acrescentou outro plano do seu Governo nesta matéria: o de a Grã-Bretanha ir também participar no programa norte-americano de fabrico do míssil Trident D5, a ser usado por ambos os países até 2040 (praticamente durante os próximos... 50 anos!), dado que o sistema de dissuasão nuclear britânico está «estreitamente associado ao norte-americano».
Pois está. Por isso não se percebe quem quer Tony Blair enganar quando propõe esta «modernização» britânica de 30 mil milhões de euros sob o pretexto de garantir uma «força nuclear independente», quando toda a gente sabe que aqui, como na generalidade da sua política externa, a Grã-Bretanha depende quase cegamente dos EUA e dos seus ditames imperiais, que a subserviência de Blair supõe partilhar.
Assim, já se percebe por que quer o primeiro-ministro britânico enterrar uma fortuna colossal numa modernização nuclear flagrantemente desnecessária para o seu país: pretende agradar ao patrão do outro lado do Atlântico e manter a Grã-Bretanha bem atrelada ao carro do vencedor do momento.
É claro que Blair se esquece de um pormenor fundamental, mesmo para o seu imperial raciocínio: se os EUA substituírem o Trident por outro sistema – o que não é nenhuma impossibilidade, basta surgir um interesse interno qualquer na terra dos cóbóis -, o seu país ficará a braços com o dilema de ter de ir atrás ou arriscar-se a ficar, então, realmente «independente» em matéria nuclear, mas a custos elevadíssimos.
Também é evidente que Blair ignora olimpicamente o que dizem os britânicos desta «renovação nuclear», bem resumido nas palavras de um general na reserva, citado pela revista Economist, argumentando que esta avalanche de dinheiro seria muito mais bem empregue na defesa convencional, particularmente quando o exército britânico está a esgotar as suas capacidades tanto no Iraque como no Afeganistão.
Isto sem falar num outro pormenor, que esta gente parece ter esquecido no meio da euforia com que actualmente vivem o seu «império global» do dinheiro: é que na actual situação, onde a força nuclear existente pode destruir o planeta dezenas de vezes, as bombas atómicas não servem rigorosamente para nada, porque se algum dia servissem, acabavam absolutamente com tudo...

Henrique Custódio