Entrevista com Paco Frutos, Secretário-geral do PCE

«Há muitos campos para a cooperação»

No âmbito da sua vista a Lisboa, na passada semana, onde realizou um encontro com a direcção do PCP, o secretário-geral do Partido Comunista de Espanha, Paco Frutos, concedeu uma entrevista ao nosso jornal, em que fala da cooperação internacional e aborda alguns aspectos da actualidade do seu país.

A luta contra a pre­tensão de aprovar uma cons­ti­tuição ne­o­li­beral é uma das áreas da co­o­pe­ração entre par­tidos ao nível eu­ropeu

Quais são os ob­jec­tivos da sua des­lo­cação a Por­tugal?

Paco Frutos – A presente visita insere-se no quadro das relações normais, fluidas e cada vez mais fortes entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista de Espanha. O objectivo é continuar a desenvolver estas relações na base de temas concretos, visando não só o aprofundamento da análise da situação de Espanha, de Portugal e internacional, mas também a definição de propostas políticas comuns que se traduzam em acções políticas em Portugal, Espanha, na Europa e no mundo através dos movimentos pacifistas, dos fóruns sociais, etc.

Con­si­dera que há con­di­ções fa­vo­rá­veis ao apro­fun­da­mento da co­o­pe­ração entre par­tidos co­mu­nistas e pro­gres­sistas ao nível eu­ropeu?

Sim. Creio que há possibilidades de cooperação ao nível europeu em torno de importantes temas para a esquerda como sejam, em primeiro lugar, a luta contra a guerra e pela paz. Nesta área há passos dados no sentido da cooperação e mobilização social e política na Europa e em cada um dos nossos países.
Em segundo lugar, temos a luta para que na Europa não se percam os direitos económicos, laborais e sociais dos trabalhadores. É uma luta que está a ser travada em cada país e ao nível europeu, combatendo directivas comunitárias e, designadamente, a pretensão de aprovar uma constituição neoliberal, que liquide, lamine ou reduza direitos sociais conquistados pela luta da esquerda e pelo movimento operário no decorrer de um longo processo histórico.
Aqui, embora haja opiniões matizadas e diferentes nalguns casos, coloca-se a necessidade da construção de uma Europa que não seja pró-atlantista, enfeudada ou dependente dos Estados Unidos da América, mas uma Europa independente, capaz de ter uma voz própria no concerto internacional, dando a sua opinião e as suas alternativas aos problemas do mundo. Há assim muitos campos para a cooperação.

Existe uma pla­ta­forma comum para essa co­o­pe­ração?

Actualmente, essa plataforma é o Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica do Parlamento Europeu, o qual é integrado por um vasto conjunto de partidos comunistas e progressistas da Europa que trabalham numa linha convergente. A cooperação passa também pelos fóruns sociais, europeu e mundial, bem como por formas bilaterais e multilaterais de relacionamento e entendimento.
Além disso, o Partido Comunista de Espanha integra o Partido da Esquerda Europeia [PEE] e pensamos que este deve ser um instrumento e factor de coordenação dos esforços entre todas as esquerdas europeias, sejam ou não membros do PEE.
A partir do mês de Julho, Portugal assumirá a presidência da União Europeia. É importante que todas as acções que o Partido Comunista Português organize a propósito desta presidência e das cimeiras que decorrerão em Portugal tenham a participação das organizações sociais, sindicais e políticas de esquerda em defesa de determinadas reivindicações.

Que ba­lanço faz o Par­tido Co­mu­nista de Es­panha da go­ver­nação do exe­cu­tivo so­ci­a­lista li­de­rado por José Luís Ro­dri­gues Za­pa­tero, de­sig­na­da­mente das re­formas so­ciais e la­bo­rais em­pre­en­didas neste pe­ríodo?

O balanço é branco e preto. Há aspectos positivos que o Partido Comunista de Espanha tem apoiado e aprovado, nomeadamente, a retirada das tropas do Iraque, a Lei da «InDependência» [Lei sobre a promoção da autonomia individual e cuidados a pessoas em situação de dependência], ou a lei dos matrimónios homossexuais (pessoalmente, eu era mais partidário de uma lei de uniões de facto).
O lado negro refere-se a um conjunto de políticas sobre as quais estamos em desacordo. Trata-se das políticas económicas, fiscais e europeias prosseguidas pelo Partido Socialista, as quais, consideramos, não se distinguem muito da política realizada pelo Partido Popular. É mais ou menos a mesma filosofia, assente no conceito neoliberal de mercado. Por isso, criticamo-las e mobilizamo-nos para lutar contra elas. Opusemo-nos igualmente à reforma laboral que, no ano passado, o Partido Socialista e o Partido Popular negociaram e aprovaram conjuntamente.

As mo­bi­li­za­ções contra as po­lí­ticas anti-so­ciais do go­verno abrem pers­pec­tivas para o re­forço da in­fluência po­lí­tica e elei­toral do PCE?

Trabalhamos para isso. O PCE não faz só análises e críticas, também apresenta propostas concretas para fazer face aos problemas que enfrenta uma parte da sociedade. Pensamos que, a médio longo prazo, irá criar-se uma nova situação que se traduzirá no fortalecimento das posições do Partido Comunista de Espanha e da Esquerda Unida. Contudo, para isso, deve ficar claro que o Partido Comunista de Espanha e a Esquerda Unida são organizações independentes que não se subordinam a nenhuma dinâmica de partidos maiores, designadamente ao Partido Socialista Operário Espanhol, mas têm a sua própria política e as suas próprias propostas para resolver os problemas do país.


O au­mento da in­fluência po­lí­tica do PCE passa pelo re­forço elei­toral da Es­querda Unida?

Passa. Mas a Esquerda Unida tem de alterar algumas das suas políticas concretas para aumentar a sua presença política e eleitoral em Espanha.

A questão das au­to­no­mias tem sido um dos temas can­dentes da ac­tu­a­li­dade es­pa­nhola. Na An­da­luzia re­a­lizou-se há dias um re­fe­rendo que aprovou um novo es­ta­tuto com com­pe­tên­cias alar­gadas. Pro­cesso se­me­lhante teve lugar no ano pas­sado na Ca­ta­lunha. En­tre­tanto, o con­flito no País Basco, que José Za­pa­tero pro­meteu so­lu­ci­onar, per­ma­nece aceso. Qual é a po­sição do PCE sobre a questão das na­ci­o­na­li­dades em Es­panha?

Pensamos (esta é a minha convicção pessoal), que a actual Espanha das autonomias deveria culminar, dentro de um prazo curto e urgente, num estado federal, com competências claras dos estados e um ou outro elemento unitário, federal, permitindo um funcionamento verdadeiramente autónomo às actuais 17 au­to­no­mias espanholas.
O presente debate sobre o «sexo» de Espanha (o território espanhol!...) está enfermo e é errático, produzindo fenómenos como os 36 por cento de participação eleitoral no referendo andaluz ou os 48 por cento de participação no referendo catalão. Isto após o governo ter transformado o novo estatuto da Catalunha numa das questões mais decisivas não só para catalães e espanhóis mas, dir-se-ia, para todo o mundo. Apesar disso, o eleitorado ficou em casa.
Em relação ao conflito basco, creio que o governo actuou mal. Não se pode partir para um processo de negociação com uma organização terrorista, dando a entender que todas as possibilidades estão em aberto... Que podem pedir o que quiserem.
Desde o início que deveria ter ficado claro, em encontros discretos e prudentes, que era preciso pôr fim ao terrorismo e deixar as armas, dando-se em troca a liberdade para todos os presos da ETA, num processo negociado.
A cada organização política cabe defender o que considerar oportuno, de acordo as normas democráticas da Constituição e do estatuto de autonomia. Se o Batasuna, ou qualquer outro partido, quer defender a independência de Euskadi que o faça. E se o povo basco (com normas claras e concretas, como as que foram aprovadas, por exemplo, no Canadá, depois dos dois referendos no Quebeque) decidisse por ampla maioria separar-se, teríamos de aceitá-lo. Pela nossa parte, defenderemos sempre que não deve haver nenhuma ruptura ou desagregação do que é hoje a Espanha, e que deve haver um acordo para uma Espanha federal com a máxima liberdade para cada uma das 17 partes, assegurando-se ao mesmo tempo uma unidade federal do conjunto.

Como avalia os im­pactos da lei dos par­tidos, à luz da qual, o Ba­ta­suna foi ile­ga­li­zado e im­pe­dido de con­correr a elei­ções?

Nós votámos contra essa lei porque considerámos que não iria resolver nada e que, para fazer frente ao problema de ETA/Batasuna, ao problema do terrorismo, não era necessário fazer uma lei de partidos políticos, uma vez que havia elementos suficientes na Constituição.
Todavia, o facto é que ETA/Batasuna, por efeitos desta lei, pela sua não presença pública, etc., começou a sentir dificuldades cada vez maiores, ao ponto de, finalmente, ter decidido pôr em marcha um processo de negociação para terminar com a luta armada. Agora, se quiser concorrer às eleições municipais e au­to­nó­micas do próximo mês de Maio, terá, naturalmente, de renunciar à utilização de métodos violentos e terroristas para impor as suas teses.


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