Digitalização <em>versus</em> «ser digital»
Hoje, estando nós mais afastados das origens dos respectivos processos, pode ser entendido com mais clareza. Os objectivos que para as gentes das telecomunicações, para as gentes com a tarefa de buscar as soluções a aplicar na evolução das redes a seu cuidado, de planear o seu desenvolvimento, os objectivos envolvidos no processo de digitalização das telecomunicações eram de uma natureza diferente das questões que, mais tarde, quando da fase de massificação da Internet a partir da segunda metade dos anos 90, tiveram a ver com a necessidade do «ser digital», com o então sempre insistido imperativo: «torna-te digital». E entre um lado - do lado das telecomunicações - e o outro - o lado da Internet e, mais em geral, das tecnologias da informação -, e vice-versa, parecia mesmo existir um golfo de águas profundas e agitadas, um obstáculo não só inultrapassável, como bordejado por margens aparentemente antagónicas.
Com efeito, de cada um dos lados gerou-se um desdenhar do outro lado. Do lado das telecomunicações clamava-se - conservando-se nas rotinas de quem explora uma imensa infra-estrutura à volta do Mundo; à defesa, os seus agentes - que a Internet era uma brincadeira interessante, como que um jogo, um gadget, ou, no máximo, uma rede académica sem qualidade suficiente para se transformar num serviço universal - de facto, a Internet actual está baseada no princípio do «melhor esforço» (best effort) e não da garantia de uma determinada qualidade de serviço -, que, se a Internet existia, a eles operadores de telecomunicações devia agradecer - com efeito sem a utilização das infra-estruturas de telecomunicações, meios de acesso e de transporte, como iria a Internet fazer? Etc. Do lado da Internet clamavam - estes, cheios de juventude, ao ataque - serem eles os portadores do futuro - e, em boa medida, também em termos de telecomunicações, as suas bases tecnológicas vão estando a sê-lo -, clamavam, pois, que a Internet era indestrutível - operava sempre, mesmo com uns troços inoperacionais, o tráfego encontrava sempre meios alternativos para se escoar -, que o «velho» serviço telefónico e os seus arrogantes «donos» estavam em vias de dar «a alma ao criador», que estes, os operadores de telecomunicações é que eram os culpados de a Internet não ter melhor qualidade, pois tanto no acesso, como no transporte não disponibilizavam as necessárias capacidades de transmissão, que eram careiros e por isso a utilização da Internet não podia expandir-se ainda mais, que a «velha telefonia», sem emenda, as dinossáuricas telecomunicações, se recusavam a abrir a passagem ao «digital». Etc. Ambas as partes teriam as suas boas e evidentes razões, mas nenhuma das partes detinha, ou podia deter, a Razão, é claro. Sim, na verdade, o que é a Razão?
No entanto, as telecomunicações tinham acabado de digitalizar as suas infra-estruturas, incluindo a comutação telefónica, criando não só a «rede [telefónica] integrada digital» - RDI, como tinham iniciado a transformação dos acessos, a quem o requeresse, em acessos próprios da «rede integrada com integração de serviços» - RDIS ; tinham, em sobreposição, criado uma «rede de comutação de dados por pacotes», que empregava uma tecnologia semelhante à da Internet, que também emprega comutação por pacotes - uma tecnologia, a das redes de comutação dados por pacotes, que, por exemplo, estava, e está, a funcionar tão bem com os sistemas de certificação de cartões de débito e crédito, e com as caixas tipo «multibanco»; estavam, ainda, as telecomunicações, ou seja, quer, em geral, os acessos RDI à rede telefónica, quer os acessos RDIS, numa fase de crescente utilização (nunca muito maciça, mas crescente); estavam a fornecer a porta de entrada, desde logo para a utilização de faxes - enquanto se via praticamente morrer o serviço telex -, utilização de fax que cresceu exponencialmente, e que, de forma semelhante, acabou por cair com a seguinte ascensão do email - e depois a porta de entrada para os acessos à Internet. Além disso, as telecomunicações fizeram avançar, com o sucesso que se conhece, o telemóvel empregando a tecnologia digital GSM. Tanta modernidade! Que faltaria ainda, para deixarem de as pensarem como os tais dinossauros analógicos?
Faltava a estruturação das «coisas» na sua vera base… as telecomunicações ainda não tinham revirado - mas hão-de revirar - do paradigma «telefónico» para o «internético».
Com efeito, de cada um dos lados gerou-se um desdenhar do outro lado. Do lado das telecomunicações clamava-se - conservando-se nas rotinas de quem explora uma imensa infra-estrutura à volta do Mundo; à defesa, os seus agentes - que a Internet era uma brincadeira interessante, como que um jogo, um gadget, ou, no máximo, uma rede académica sem qualidade suficiente para se transformar num serviço universal - de facto, a Internet actual está baseada no princípio do «melhor esforço» (best effort) e não da garantia de uma determinada qualidade de serviço -, que, se a Internet existia, a eles operadores de telecomunicações devia agradecer - com efeito sem a utilização das infra-estruturas de telecomunicações, meios de acesso e de transporte, como iria a Internet fazer? Etc. Do lado da Internet clamavam - estes, cheios de juventude, ao ataque - serem eles os portadores do futuro - e, em boa medida, também em termos de telecomunicações, as suas bases tecnológicas vão estando a sê-lo -, clamavam, pois, que a Internet era indestrutível - operava sempre, mesmo com uns troços inoperacionais, o tráfego encontrava sempre meios alternativos para se escoar -, que o «velho» serviço telefónico e os seus arrogantes «donos» estavam em vias de dar «a alma ao criador», que estes, os operadores de telecomunicações é que eram os culpados de a Internet não ter melhor qualidade, pois tanto no acesso, como no transporte não disponibilizavam as necessárias capacidades de transmissão, que eram careiros e por isso a utilização da Internet não podia expandir-se ainda mais, que a «velha telefonia», sem emenda, as dinossáuricas telecomunicações, se recusavam a abrir a passagem ao «digital». Etc. Ambas as partes teriam as suas boas e evidentes razões, mas nenhuma das partes detinha, ou podia deter, a Razão, é claro. Sim, na verdade, o que é a Razão?
No entanto, as telecomunicações tinham acabado de digitalizar as suas infra-estruturas, incluindo a comutação telefónica, criando não só a «rede [telefónica] integrada digital» - RDI, como tinham iniciado a transformação dos acessos, a quem o requeresse, em acessos próprios da «rede integrada com integração de serviços» - RDIS ; tinham, em sobreposição, criado uma «rede de comutação de dados por pacotes», que empregava uma tecnologia semelhante à da Internet, que também emprega comutação por pacotes - uma tecnologia, a das redes de comutação dados por pacotes, que, por exemplo, estava, e está, a funcionar tão bem com os sistemas de certificação de cartões de débito e crédito, e com as caixas tipo «multibanco»; estavam, ainda, as telecomunicações, ou seja, quer, em geral, os acessos RDI à rede telefónica, quer os acessos RDIS, numa fase de crescente utilização (nunca muito maciça, mas crescente); estavam a fornecer a porta de entrada, desde logo para a utilização de faxes - enquanto se via praticamente morrer o serviço telex -, utilização de fax que cresceu exponencialmente, e que, de forma semelhante, acabou por cair com a seguinte ascensão do email - e depois a porta de entrada para os acessos à Internet. Além disso, as telecomunicações fizeram avançar, com o sucesso que se conhece, o telemóvel empregando a tecnologia digital GSM. Tanta modernidade! Que faltaria ainda, para deixarem de as pensarem como os tais dinossauros analógicos?
Faltava a estruturação das «coisas» na sua vera base… as telecomunicações ainda não tinham revirado - mas hão-de revirar - do paradigma «telefónico» para o «internético».