A demissão

Henrique Custódio
O PSD entrou mais uma vez em ebulição e, com ele, o País. Neste momento não há canal de televisão que não apresente um debate sobre o assunto, rádio que sobre ele não alinhe comentários a puxar ao judicioso, primeiras páginas que não lhe dispensem o melhor do seu espaço, comentadores que não se apliquem, esforçados, a desencantar mistérios na demissão de Luís Filipe Menezes.
Isto apesar de a coisa, razoavelmente, não ter mistério que se veja. Luís Filipe Menezes limitou-se a dar mais uma cambalhota após uma entusiasmada série delas à frente do PSD. Aceita-se que este último exercício teve a sua espectacularidade, mas não desmerece qualquer dos que exibiu nesta sua fugaz liderança, seja a promessa de desmantelar o Estado em seis meses, de impor uma nova Constituição, de privatizar tudo numa legislatura ou de declarar o seu partido em estado impróprio para governar, asserções que igualmente desdiria com a mesma descontracção, após críticas e sarcasmos colhidos nos jornais.
É, aliás, um ponto assente que este atleta nunca teve fôlego para a alta competição mas, em contrapartida, foi-se tornando exímio na pista dos circos políticos.
Seja lá como for, Menezes desistiu e desta vez nem chorou nem nada perante a televisão, mesmo afirmando, de novo, que a traição e a infâmia o continuam a perseguir.
Pode ser, ou não, que Menezes sonhe recandidatar-se, tal como é possível haver por aqui, ou não, a tal manobra visando uma «vaga de fundo» que desencadeie o regresso triunfal do líder agora demissionário. Com a figura em presença tudo é possível, mas o que importa é que a demissão de Menezes desencadeou o alvoroço da praxe e, nem uma semana depois, já vários candidatos escarvam promessas na linha de partida.
O primeiro a chegar-se à frente foi Pedro Aguiar Branco, para ser também o primeiro a desistir a favor de Manuela Ferreira Leite, que de medíocre ex-ministra da Educação e má ex-ministra das Finanças (por exemplo, são dela os primeiros grandes ataques à Função Pública), com o passar dos anos e a promoção mediática se transmutaria numa «personalidade incontornável» destilando «competência» e «prestígio» que ninguém sabe donde vieram ou como foram adquiridos, mas que a generalidade dos órgãos de Informação garante e proclama. Há também um Pedro Passos Coelho, que parece ter deixado de ser o «jovem dirigente» que protagonizou durante décadas para surgir agora - ao que consta finalmente licenciado e tudo -, maduro o suficiente para reivindicar o troféu da casa, além do inevitável Pedro Santana Lopes, que continua a «andar por aí» nos seus preparos de «menino-guerreiro», sempre pronto a subir ao primeiro palco que apanhe a jeito.
Todavia, o drama maior do PSD já não assenta no conhecido «saco de gatos» que sempre constituiu a disputa pelo poder no partido. O seu maior problema, actualmente, chama-se José Sócrates, cujo Governo PS está não apenas a cumprir toda a política de restauracionismo capitalista também praticada e defendida pelos Executivos do PSD, como o está a fazer com muito mais eficácia – tanta que, com Menezes ou sem ele, o PSD não consegue de há três anos para cá opor-se seriamente ao que quer que seja na política deste Governo.
Não é por acaso que José Júdice, um ex-PSD agora unha-com-carne com José Sócrates, chegou já ao extremo de propor a «fusão» entre o PS e o PSD. Na verdade nada os tem distinguido, no terreno concreto da governação que ambos têm partilhado em exclusivo.
A não ser, eventualmente, a melhor performance de Sócrates. Na política de direita, claro.


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