
- Nº 1804 (2008/06/26)
Fábricas «sem fios»
Argumentos
Nos idos daquele pós-Abril de boa memória, que com tanta alegria vivemos, e quando parecia estar quase ali mesmo à mão de semear o alcançar das mais queridas das esperanças, consubstanciadas na Terra sem Amos, serviços, nomeadamente os prestados na área dos correios e telecomunicações, e mais ainda estes últimos, se bem que lhes fosse reconhecida a sua importância, não eram considerados como altamente colocados nas prioridades políticas e sociais. Obviamente que o Pão, a Paz, a Habitação, e também a Educação e a Saúde, eram as prioridades do Povo - eram e são. Obviamente, também nas lutas laborais, seriam as das organizações representativas dos trabalhadores dos sectores industriais, dos operários, que fabricavam produtos palpáveis, ou seja, bens que pesam e podem ser vistos com os olhos e tocados com as mãos, aquelas organizações que poderiam ter mais impacto no aprofundamento das conquistas democráticas de Abril - e, de facto, tiveram-no.
Com efeito, e se nos restringirmos às telecomunicações, elas consistiam num serviço telex não muito conhecido, se bem que importante para as empresas, sobretudo nas suas relações externas, e num serviço telefónico que, excluindo os postos públicos, a cujo acesso só uma minoria da população - menos de 10% - tinha acesso. Não admira, portanto, que boa parte dos activistas deste sector, daqueles que lutavam pelo avanço da Revolução, em todo o seu convencimento, modestamente, colocassem o seu sector profissional - incluindo o autor destas linhas - numa posição que não era cimeira em comparação sobretudo com os sectores industriais, mas também com sectores de serviços, como é o caso da energia. A posição era que as telecomunicações tinham um impacto complementar positivo do ponto de vista económico e social/residencial… mas nada de exageros.
O certo é que a situação «comunicacional» mudou muito deste então. E não foi só o telefone, e sobretudo o telefone móvel, que se tornou entretanto num dos populares e indispensáveis utensílios na nossa e das outras sociedades; nem é também só o papel que desempenha crescentemente o acesso à Internet; nem sequer, ainda, o facto de os serviços de mensagens escritas estarem a ultrapassar tudo o que nós até há bem pouco tempo podíamos imaginar. Às vezes até há quem refira que o notável aumento da presença dos livros na Sociedade (sei, o interesse pelos jornais estará em queda, pudera!), quando se compara com o panorama de pouco antes de Abril, para além de uma penetração nova da escolaridade, também terá a ver com uma nova presença da leitura/escrita estimulada pelos novos meios de comunicação.
Não, não foi só isto tudo, o que já não seria pouco.
O que aconteceu foi a situação comunicacional ter mudado também ao nível das empresas, em geral, e, em particular, das fábricas. Com efeito, à medida que as tecnologias da informação foram entrando nos processos de fabrico, elas não foram implementadas só por si próprias, foram antes sendo introduzidas em conjugação crescente com as tecnologias das comunicações (indo-se formando o complexo das TIC - tecnologias da informação e comunicação). E isto aconteceu, e vai acontecendo, não só dentro de cada fábrica mas envolvendo várias instalações fabris. E já há os que se referem às fábricas «globais» - o que quer que isso seja.
Neste particular, o certo é um «novo» paradigma, com cerca, digamos, de duas décadas na organização fabril ter emergido, nomeadamente na indústria automóvel: em inglês just-in-time. Com ele a produção é organizada envolvendo constelações de fábricas - é o caso da Auto Europa que teve de encerrar em 13 de Junho de 2008 devido à falta de componentes que deveriam ter chegado e não chegaram, em consequência da paralisação ocorrida nos transportes em protesto contra a alta do preço dos combustíveis.
Mais recentemente regista-se a tendência para a entrada numa nova fase: a das chamadas fábricas «sem fios» - sem fios refere-se à situação comunicacional - em resultado dos progressos registados nas comunicações rádio. Uma solução que aumentará substancialmente a flexibilidade nas mudanças a introduzir nos processos de fabrico, para além de levar a reduções de custos da ordem dos 90% em termos de TICs.
É verdade que as fábricas «sem fios» vão ser introduzidas mais depressa na Ásia, na China, do que no Ocidente, a braços com instalações cabladas de que têm relutância em desfazer-se. Mas também é verdade que é naquela região que as coisas na área fabril estão a acontecer!
Francisco Silva