Dez anos de injustiça

Liberdade imediata para Os Cinco

Hugo Janeiro
No dia 12 de Setembro de 1998, Gerardo, Ramón, António, René e Fernando foram presos nos EUA e acusados de crimes que não cometeram. Um dia antes de milhares de pessoas em todo o mundo exigirem a sua imediata libertação, fomos falar com Laura Fernández, sobrinha de Fernando, e Carlos Parra, assessor da equipa de defesa dos Cinco.

«O que resta aos Cinco patriotas cubanos é a solidariedade internacional»

No dia 2 de Setembro, o Tribunal de Atlanta decidiu manter as condenações de Gerardo e René, e permitir que a juíza Joan Lenard aplique penas mais duras a Fernando, António e Ramón. Qual é a vossa leitura desta decisão?

Laura Fernández
: Nestes largos dez anos de luta aprendemos a não nos iludirmos com o processo legal norte-americano, pois sabemos que está recheado de manipulações, pressões políticas, de revezes e vitórias. Tratamos simplesmente de apoiar Os Cinco e ajudar a equipa de defesa, que faz um trabalho magnífico, sem incoerências ou imprecisões.
Essa foi sempre a posição das famílias, embora não deixemos de ter esperança que, um dia, as autoridades norte-americanas prestem atenção às suas próprias leis, ponham de lado a política hostil contra Cuba, e não só dêem razão aos Cinco, como reconheçam a justeza da sua luta contra o terrorismo.

Carlos Parra: Para a defesa foi um golpe muito forte. Estávamos seguros de que poderíamos reverter a situação, nós, equipa de defesa, famílias, mas também muitos amigos e activistas pela libertação dos Cinco em vários países da Europa e da América Latina. Advogados honestos norte-americanos estão convictos de que as acusações fundamentais que recaem sobre os Cinco não ficaram provadas.
Não demonstraram a acusação de conspiração para obter informações classificadas; não demonstraram que Os Cinco detinham dados secretos extremamente protegidos e que o seu conhecimento dava superioridade a Cuba sobre os EUA.
Assim, não é possível condená-los, para mais quando se sabe que centenas de casos muito mais graves em que se prova a obtenção de informação sensível para a segurança nacional, são resolvidos com meses de prisão e até a penas de multa, como aconteceu com verdadeiros espiões de Israel, das Filipinas e de outros países.

O que é que pode ser feito do ponto de vista legal?

Carlos Parra: Temos até dia 1 de Dezembro para pedir ao Supremo Tribunal que aceite o processo. Há, no entanto, um dado que não podemos desconsiderar. Estamos em ano de eleições nos EUA. Miami é muito importante para McCain, e os aparelhos de governo e judicial da Florida apoiam os Republicanos. Se mesmo no Supremo os interesses políticos se sobrepuserem à lei, à razão, ao cumprimento da Constituição norte-americana e do seu Código Penal, vai ser difícil.
Hoje mesmo nos reunimos com a Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados portuguesa. Contámos a história e eles ficaram assombrados com tudo o que se tem passado.
Uma das questões que gostávamos de sublinhar é que existe uma norma legal que permite a instituições e personalidades da área da justiça darem o seu parecer sobre o processo junto das autoridades competentes. Esta pode também ser uma forma de aumentar o repúdio mundial contra a injustiça que se avoluma há mais de uma década, de pressionar o Supremo dizendo-lhes que o que se está a passar é inaceitável, que, como de facto, se estão a violar emendas constitucionais, normas e regulamentos do sistema judicial. Era bom que de Portugal fossem enviadas algumas apreciações.
Para lá das apelações judiciais, pedimos aos amigos de Cuba, aos democratas, a todos, independentemente da sua crença ou convicções ideológicas, que sejam defensores da verdade e da justiça, que se unam em torno desta causa, que se mobilizem, informem e esclareçam.

Moral elevada

Têm tido contacto com Os Cinco?

Laura Fernández
: Sim, através do correio postal, que pode demorar 15 a 20 dias, ou por telefone, dispondo de um máximo de 300 minutos por mês, os quais eles têm de administrar para falar com esposas, filhos e restantes familiares.
Existem ainda as visitas consulares trimestrais dos funcionários da Secção de Interesses de Cuba nos EUA e as visitas familiares, mas estas têm sido usadas para os castigar, para violar os seus direitos ao arrepio de todas a normas dos Direitos Humanos.
Oficialmente, Os Cinco têm uma quantidade determinada de visitas mensais, mas os obstáculos começam logo quando os familiares têm de solicitar visto de entrada à Secção de Interesses norte-americana em Havana, que retarda durante meses a autorização de entrada no território.
Acresce que só podes estar nos EUA por 30 dias e sem garantia de que a visita se efectue. Isto aconteceu com a filha mais velha de Ramón, que esteve um mês nos EUA à espera de poder visitar o pai e que regressou a Cuba sem o conseguir.
A mãe de António, depois de algumas visitas, viu as autoridades tranferirem-no para um hospital-prisão, isto apesar dele ter solicitado que não o fizessem enquanto a sua mãe estivesse nos EUA. Acabou por ser operado apenas um mês depois.
Posso dizer-te, ainda, que a minha avó leva 17 meses sem ver o meu tio e espera pelo visto desde Novembro do ano passado.

Eras certamente muito jovem quando o teu tio foi detido. O que é que reténs do tempo antes dele ser preso e desta década em que ele está encarcerado?

Laura Fernández: Fernando é muito jocoso, gosta de pregar partidas. Não é daquelas pessoas que passa o dia inteiro a dar-te carinhos, mas quando o faz é sincero e bem disposto.
Recordo-me de um episódio em que me levou a andar de bicicleta. Normalmente, as crianças agarram-se ao adulto que vai na frente, segurando o guiador. Mas ele insistiu que eu me agarrasse à bicicleta porque, explicou-me, «se eu cair e tu estiveres agarrada a mim, vamos ambos para o chão. Se te aguentares na bicicleta com as tuas próprias forças, safas-te melhor de uma queda». Hoje percebo que foi a forma de me dar confiança.
Lembro a primeira correspondência que trocámos, a qual me emocionou muito e a ele também. Disse-me que eu tinha mudado muito, que tinha amadurecido e que isso era para ele uma grande surpresa, embora lamentasse que isso resultasse de uma situação dolorosa. Desde esse dia não mais deixámos de comunicar.
Recentemente terminei a minha licenciatura, e durante os cinco anos que estive na universidade ele esteve sempre ao corrente do que se passava. Dos trabalhos, dos exames, dos horários, etc..
Tenho a certeza que este tipo de relação, mesmo à distância os ajuda a superar as horas difíceis. Procuramos mantê-los a par do que fazemos, da rotina em casa, de pequenos detalhes ou coisas maiores.

Isso é uma maneira de os manter com a moral elevada e ligados a quem anseia pela sua liberdade...

Laura Fernandez: Isso é o que lhes dá força! Eles estão presos não porque se quisessem afastar das suas famílias, porque optassem por deixar de ver os filhos crescer. Foram para evitar que qualquer pessoa, de qualquer nacionalidade, seja vítima de um atentado dos grupos terroristas de Miami.
Só podemos agradecer-lhes, apoiá-los, dar-lhes o orgulho de saberem que as suas famílias estão bem e empenhadas num futuro melhor para Cuba e para os cubanos, e lutarmos sem descanso até ao seu regresso.

Que iniciativas estão previstas para assinalar estes dez anos de injustiça?

Carlos Parra: Vai ser uma jornada muito forte porque o tamanho da injustiça é enorme, quer do ponto de vista legal, quer do ponto de vista dos Direitos Humanos.
Estão previstas manifestações frente às embaixadas dos EUA, promovidas pelos mais de 300 Comités de Solidariedade de mais de 100 países de todo o mundo, o que tem grande significado.
Em Nova Iorque, vai decorrer um concerto com o porto-riquenho Danny Rivera, o dominicano Victor Victor, e, para além de outros, com o actor Danny Glover.
O que nos resta e aos Cinco compatriotas cubanos presos injustamente é a solidariedade internacional.


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