- Nº 1818 (2008/10/2)

Um toque de magia

Argumentos

Aquilo que se conhece acerca do poder financeiro da Igreja Católica portuguesa apenas traça os pálidos contornos da realidade. Os dinheiros da Igreja não ficam parados e circulam constantemente de mão em mão. Vão de negócio em negócio, de fundação em fundação, de IPSS em IPSS, de misericórdia em misericórdia, de banco em banco. Sem darem nas vistas, ocultos pela concordata, recebem subsídios do poder político e prestam-lhe serviço. Extravasam os caminhos da Igreja e, sem se fazerem notar, instalam-se nos centros de decisão públicos e privados. Ninguém, certamente, saberá enumerar exaustivamente quantos lugares ocupam as instituições católicas nas administrações do Estado de José Sócrates. O mesmo acontece em relação aos grandes grupos económicos que se subordinam – primeiro por interesse, depois por rotina, finalmente por disciplina e convicção – aos ditames prosaicamente materialistas da Igreja.
É esta a varinha de condão do Patriarcado. Transforma em oiro tudo aquilo em que toca. Mas depois, ao contrário do que fariam os velhos usurários, não dá o assunto por encerrado. Converte o dinheiro em influência e poder. Nas suas escolas e faculdades ensina políticos e banqueiros. A arquitectura da sua «sociedade civil» permite-lhe investir com segurança e controlar a dimensão social do Estado. Por aí caminha no sentido de se substituir ao poder público nas áreas vitais do ensino, da segurança social, da saúde, das finanças, etc. O episcopado sabe para onde vai.
A Igreja Católica tem um longo passado político. Para ela, na sua visão da história e ao contrário do que afirma, o ser humano, pouco interesse tem. O Vaticano aspira formar, não o homem novo, mas as gerações de homens permanentemente velhos que habitarão amanhã um mundo novo governado pela igreja. Dizia Escrivá de Balaguer, o fundador do Opus Dei, que esse universo futuro deve ter alma sacerdotal e mentalidade laical. É à gestação desse mundo que estamos a assistir.
Há muito pouco tempo, o capitalismo estava no alto da montanha, no topo da pirâmide. Tinha desmantelado e ocupado o essencial do aparelho socialista e proclamava-se pioneiro e construtor da sociedade mundial da abundância. De repente, num abrir e fechar de olhos, tudo veio abaixo. Tornou-se patente que o sistema capitalista era gerador da miséria e da exploração do homem, da acumulação brutal de riqueza pelas suas elites e da destruição dos princípios da igualdade e da democracia. Para além disso convivia com a mentira pública, com o mundo do crime e, ele próprio, era impotente para resolver as contradições do grande capital. Tinha um passado sujo, um presente infame e o futuro que prometia era simples miragem.
A súbita derrocada da banca e das bolsas causou a surpresa de muitos estratos de classe. Mas o acidente tinha sido previsto, há muito, por grupos elitistas do grande capital e pela Igreja. Os capitalistas formaram (como já foi visto) a sua rede de sobrevivência e de fuga, os seus clubes, o seu maquis. A Igreja aprofundou as suas raízes capitalistas criando, simultaneamente, um «corredor de fuga litúrgica»: apoiava e adoptava o «capitalismo humanista», o «bom capitalismo»; mas condenava o «capitalismo selvagem», aquele que ignorava os direitos do homem e a Ética cristã.
Na realidade, este desastre resulta das leis de desenvolvimento e globalização do próprio sistema capitalista mundial. O que agora une os campeões do dinheiro é a sua decisão de irem até aos extremos para salvarem o capitalismo moribundo. Vão-se os anéis mas que fiquem os dedos! Os povos que paguem sem revoltas a factura dos ricos para que estes continuem a explorá-los. As propostas de Bush têm este sentido.
O Vaticano e os grupos financeiros do Opus Dei mantêm os seus sofisticados silêncios. Tendo, no entanto, a clara noção da gravidade desta problemática que os mergulha nas lamas do capital. Calam-se mas fornecem a governantes e a banqueiros as armas com que eles esgrimem na «Política da Salvação».
A tese surge da sombra mas não é inesperada. É quase que infantil e revela o desespero de causa dos ricos: o capitalismo é bom mas há homens maus; é preciso salvar o bom capitalismo dos homens maus.
Tenhamos presente que os dias que se aproximam são de agudização da luta de classes. Confiemos no poder dos nossos ideais mas lutemos. O governo dos ricos deve desaparecer dos horizontes dos homens, como os horrores dos pesadelos.

Jorge Messias