Jerónimo de Sousa põe a nu falência da política de direita

Governo tenta iludir responsabilidades

O tema era sobre Saúde e serviu para José Sócrates fazer mais um exercício de propaganda com o anúncio de novas medidas.

O Governo tem responsabilidades pela crise

Foi no entanto a crise que acabou por dominar o debate quinzenal, com o PCP a perguntar após a intervenção inicial do primeiro-ministro como foi possível este não ter dito uma palavra sobre o quadro económico e os problemas que afligem os portugueses.
O chefe do Governo foi ao Parlamento levar a boa nova de que fora antecipado para 2009 o objectivo de criar 8200 camas na rede de cuidados continuados e o reforço de 250 novos médicos em medicina geral e familiar. Anunciou ainda a criação do primeiro banco público de células de cordão umbilical, área explorada até agora no nosso País por duas empresas privadas.
Sem deixar de destacar a «grande centralidade» que tem sempre uma matéria como a Saúde, Jerónimo de Sousa não deixou de estranhar que no arranque deste primeiro debate do ano o primeiro-ministro não tenha feito a mais pequena alusão aos dados recentemente conhecidos sobre a evolução económica.
«Depois do abalo telúrico anunciado pelo Banco de Portugal em relação ao cenário macroeconómico que nos espera para 2009, não acha que se justificava uma palavra sobre o tema?», inquiriu o Secretário-geral do PCP, que considerou ser este esclarecimento tanto mais necessário quanto é certo que o Governo andou meses a fio «a negar a crise e as suas consequências para o País».

Sacudir a água do capote

O dirigente comunista pôs ainda o dedo na ferida ao sublinhar não ser aceitável a tese difundida pelo Governo de «que a culpa vem de fora, a culpa é da crise internacional».
«Vai ter de explicar por que é que quando os outros cresciam, nós divergíamos da média da União Europeia. Quando havia crescimento real, por que é que não beneficiámos dele?», insistiu em afirmar Jerónimo de Sousa, lembrando, a propósito, que ainda na véspera se vira «o ministro das Finanças a dizer em relação ao grau de confiança no Estado português que a culpa é da crise internacional».
O chefe do Executivo, na resposta, voltou a tentar iludir a questão de fundo, isto é, descartar-se da parte que lhe toca quanto às causas e consequências da crise. Repetiu que a «crise teve origem nos EUA, que contaminou todos os serviços financeiros mundiais e que não há um único país europeu que tenha estado na origem da crise». E distorcendo no limite do ridículo as posições do PCP, atribuiu a este a paternidade da ideia de que «o Governo português é o responsável pela crise, aqui e no mundo», acusando por isso os comunistas de sectarismo e de «visão destrutiva».
Perante tamanho absurdo, na réplica, o líder do PCP teve de lembrar a Sócrates que a crise internacional tem obviamente «consequências que se repercutem no nosso País». A questão não é essa e «o problema é outro», como fez de questão de realçar. «O problema é o de o Governo recusar as suas responsabilidades pelo estado a que se chegou. Antes de a crise arrebentar vivíamos no paraíso? Então, o desemprego? O Código do Trabalho? O ataque aos serviços públicos? As privatizações? Esta política não tem nenhuma responsabilidade pela actual crise?», inquiriu, acusando Sócrates de fugir sempre a esta questão central, como, aliás, o debate pôde comprovar.

Aumento dos desempregados
Fechar os olhos ao drama

Jerónimo de Sousa no decurso do debate alertou ainda para o facto de uma das consequências mais graves da actual crise ser o crescimento do desemprego. E perante esta evolução, desafiou o Governo a esclarecer se vai continuar a deixar milhares de trabalhadores na situação difícil de não terem acesso ao subsídio de desemprego ou se vai finalmente aceitar a proposta do PCP visando o seu urgente alargamento. É que, enfatizou, «já não são só sinais: é a Tyco, a Autoeuropa, a Bordallo Pinheiro, as pequenas e médias empresas da metalurgia e da cerâmica», entre tantos outros sectores.
A questão ficou sem qualquer resposta de José Sócrates, que procurou camuflar a fuga com a afirmação vaga de que «um terço do seu programa anti-crise tem como destino apoiar financeiramente medidas de promoção do emprego e combate ao desemprego».
O Secretário-geral do PCP, sem desarmar, na contra-réplica, voltou a acusar Sócrates de «fugir à questão central». «Sim ou não ao alargamento do subsídio de desemprego para aqueles homens e mulheres que são novos de mais para chegarem à reforma e velhos de mais para encontrar emprego?», questionou, sublinhando que «são hoje milhares os que estão nestas condições e não encontram solução para a sua vida».
Levantada por Jerónimo, ficando igualmente sem qualquer resposta do primeiro-ministro, foi ainda a situação dos 197 trabalhadores que, na véspera de Natal, no âmbito do PRACE, foram despedidos pelo Governo, sem que este tenha previamente esclarecido qual o futuro das matas públicas, dos Viveiros de Trutas do Marão, do Centro Nacional de Sementes Florestais, da Escola de Sapadores Florestais da Lousã, do Núcleo de Raças Autóctones da Herdade da Contenda, entre outros. «Sei que se gaba de ter eliminado cerca de 50 mil postos de trabalho na administração pública. Mas quando se fala na necessidade do nosso crescimento económico, do desenvolvimento do nosso aparelho produtivo, pergunto que racionalidade – já não falo em justiça social – tem este Governo quando procura liquidar aquilo que é um património do país, atirando para o desemprego homens, mulheres, quadros técnicos capazes de darem a sua contribuição para sairmos da crise?», perguntou, perante a expressão de incómodo do chefe do Governo.

Saúde cada vez mais cara

No capítulo da Saúde, se a criação de um banco público de células estaminais foi acolhida como uma medida positiva, já no plano dos cuidados continuados as medidas anunciadas por Sócrates foram entendidas por Jerónimo de Sousa como «uma linha de desresponsabilização do Estado», que colide com o palavreado anti-neoliberal com qual se traveste hoje o discurso governativo. Do que se trata, com efeito, em sua opinião, é de «desresponsabilizar o Estado por esses cuidados continuados, assumindo as IPSS não um papel de complementaridade mas de elemento fundamental» na sua prestação. José Sócrates não o desmentiu, embora assegurando que esta é «a forma mais eficiente e mais rápida» de melhorar os cuidados continuados, isto é, «contratualizar com as IPSS e com as Misericórdias investimentos rápidos». E fez mesmo uma profissão de fé nos privados, confessando «não acreditar que fosse melhor para os utentes ser o Estado, ele próprio, a fazer as suas instituições, porque isso significaria mais tempo e menor eficiência».
Colocada de forma directa ao primeiro-ministro foi, por outro lado, a questão do agravamento dos custos suportados pelos portugueses no plano da Saúde em resultado das medidas do Executivo, designadamente da diminuição das comparticipações do Estado, verba que no período de 2005 a 2007 se traduziu em mais de 95 milhões de euros, ou seja, um aumento de 14 por cento, como revela em livro o ex-ministro Correia de Campos.
Esta foi mais uma das questões que não mereceu qualquer referência do chefe do Governo, como sem resposta ficou o problema suscitado pelo Secretário-geral comunista relativamente à falta de médicos, a prazo. Sócrates falara do reforço do número destes profissionais, escamoteando que em 2016, segundo previsões oficiais, como lembrou Jerónimo de Sousa, 80 por cento dos médicos de medicina geral e familiar terão mais de 55 anos de idade, em condições por conseguinte de ir para a reforma. «Acha que é com medidas dessas que se resolve este problema de fundo?», inquiriu, antes de pôr em evidência a contradição entre, por um lado, as palavras do governante em defesa do Serviço Nacional de Saúde – que só podem ser para consumo eleitoral, já que vindas de quem tantos ataques desferiu contra esta conquista de Abril - , e, por outro lado, «uma prática que vai em direcção contrária», como é, exemplificou, «a proposta que está em cima da mesa de eliminação das carreiras médicas».


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