Sete anos de Guantanamo

André Levy
A 11 de Janeiro cumpriram-se sete anos que os EUA montaram o campo de detenção na base naval da Baía de Guantanamo, na ilha de Cuba, onde têm aproveitado o vazio jurídico para deter, interrogar e torturar centenas de detidos, apelidados de «combatentes inimigos», privando-os dos direitos mais elementares, como o de saberem de que são acusados, terem acesso a um advogado de defesa, ou poderem contactar as suas famílias e informá-las da sua localização. As condições de detenção têm sido alvo de crítica por parte de inúmeros países, partidos, instituições e organizações de direitos humanos. O número de presos que se suicidaram ou tentaram o suicídio é segredo classificado.
Os detidos têm nacionalidades diversas e muitos foram alvo de «rendições extraordinárias» ilegais, algumas das quais através de aeroportos portugueses. Ao longo destes sete anos alguns dos detidos foram libertados após campanhas pela sua libertação. Tal tem sucedido sobretudo no caso da nacionalidade dos presos ser de países «amigos» dos EUA. As experiências recontadas por estes detidos é testemunho da violência exercida pelas forças armadas dos EUA no campo, e da arbitrariedade de que foram alvo muitos presos, cujo único «crime» foi estar no «local errado na altura errada». Veja-se, a título de exemplo, o filme «A Caminho de Guantanamo» (2006) que descreve como 4 amigos, cidadãos britânicos, que foram ao Paquistão para um casamento, cometeram o «erro» de visitar o país vizinho, o Afeganistão, dias antes da invasão dos EUA. Foram capturados pela Aliança do Norte, entregues aos EUA e transportados secretamente para Guantanamo, onde foram presos, interrogados e torturados durante três anos.
Ao longo dos seus dois mandatos, a administração Bush interrogou até ao tutano os presos e tentou julgá-los secretamente em tribunais militares. Somente em Junho de 2008 o Supremo Tribunal dos EUA reconheceu a estes detidos o direito às protecções concedidas pela Constituição dos EUA, incluindo o direito ao habeas corpus. O presidente eleito,Obama, anunciou que irá fechar Guantanamo. Embora esta decisão seja louvável, há que recordar que os EUA possuem outros campos espalhados pelo mundo, onde existem prisioneiros em condições semelhantes, sujeitos a tortura, sem poderem comunicar com advogado ou família, como o campo de Bagram, no Afeganistão, e dezenas de outras «prisões negras», algumas em navios circulando no alto mar, portanto em águas internacionais, em regime jurídico indefinido. Há que pôr fim a todos estes locais de detenção.

Destino incerto

O encerramento de Guantanamo levanta o problema do que fazer com os detidos. Alguns dos países da nacionalidade dos presos – não necessariamente o país onde foram apreendidos – recusam-se a recebê-los. Eis que Portugal, na linha da cooperação de Durão Barroso na Cimeira dos Açores, da cooperação com os voos da CIA para Guantanamo – que o actual Governo recusa admitir ou ver investigado – decide oferecer o nosso território como possível destino para alguns dos detidos cujos países nacionais se recusam a recebê-los. O ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, terá certamente querido dar maior pompa à sua declaração por ocasião do 60.º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos do Homem (10/Dez.)(1). Mas Amado, ofuscado pela oportunidade de ajudar o «amigo americano» e dar ares de grande humanitário, não terá certamente pensado em todas as consequências da sua oferta. Tal ficou claro quando os deputados do PCP lhe colocaram questões práticas durante uma sessão da Comissão Parlamentar de Negócios Estrangeiros. Amado não tinha respostas, gerando ainda mais interrogações.
Portugal, antes de mais, tem de tomar uma posição clara sobre a ilegalidade da detenção dos presos de Guantanamo. Depois, as instituições portuguesas têm de discutir porque haveria Portugal de descalçar esta bota aos EUA. Se os países de origem não aceitam os presos, porque não vão para os EUA? Naturalmente, o governo dos EUA receia o processo judicial de que, merecidamente, seria alvo por parte dos detidos, da compensação que lhes teria de dar, e da desculpa pública que teria de engolir. É para evitar isto aos EUA que Portugal os vai receber? E em que condições estariam eles em Portugal? É absolutamente inaceitável que em Portugal haja quaisquer limitações às suas liberdades e direitos: qual seria a base de sustentação legal nacional para o fazer? A estarem livres, o que os impediria de viajar para outros países da UE que não fizeram declarações gratuitas como as do Amado? Talvez Amado esteja a pensar deixá-los na ilha do Corvo sem um tusto.
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(1) http://www.mne.gov.pt/mne/pt/noticias/200812101640.htm


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