Do desporto elitista ao desporto popular
Durante grande parte do século XX o desporto foi considerado como uma actividade social unitária, orientada por uma doutrina que se foi afirmando de uma forma cada vez mais contraditória em relação à sua expressão prática.
As concepções da Grécia Antiga sobre o desporto juntaram-se às do inglês Thomas Arnold director da «Escola Pública» de Rugby, durante a última metade do século XIX, tudo sintetizado por Pierre de Coubertin, na passagem para o século XX, na sua incontornável «Mensagem Olímpica».
Esta estruturava, ou procurava estruturar, uma autêntica filosofia de vida, em que o fair play, ou seja o respeito pelo adversário e pelas regras, constituía o elemento central. «Culto voluntário e habitual do esforço muscular intensivo, apoiado no desejo de progresso e podendo chegar ao risco», eis como Coubertin definiu o desporto nos finais do século XIX. Para o momento histórico em que surgiu, a definição estava adaptada mas, de forma subtil, escamoteava um aspecto muito importante: é que aquela «filosofia de vida» e esta definição, se referiam a uma actividade altamente selectiva e socialmente segregativa. À prática desportiva só tinham acesso os filhos da aristocracia e da alta burguesia – como acontecia com o próprio Coubertin –, deixando de fora toda a classe trabalhadora e as camadas sociais mais carenciadas.
Um século depois a realidade é muito diferente, mas a visão selectiva do desporto não foi, ainda, liquidada entre nós. É bem visível a facilidade de acesso à prática por parte das camadas favorecidas da população. Mas também bem clara é a noção, entre os trabalhadores, do direito que possuem, tal como outros, de aceder aos benefícios de uma actividade capaz de constituir um importante factor da sua qualidade de vida, porque, se bem orientado, contribui para a melhoria da sua saúde, a manutenção da força de trabalho e o correcto crescimento dos seus filhos.
Esta consciência é já antiga e, apesar de se ter afirmado na 1.ª metade do século XX, assume formas específicas a partir do final da 2.ª Grande Guerra. Assim, surge um número crescente de clubes desportivos com a finalidade de criar condições para a prática e, inclusive, num grande número de países, criam as suas próprias federações para organizar competições especificamente trabalhistas. Em Portugal, em que, durante grande parte deste período, dominou o fascismo, o fenómeno, ainda que também se tivesse manifestado, não alcançou tão elevada expressão, pois teve de enfrentar a repressão salazarista (que, como se sabe, olhava como muito desconfiança qualquer actividade associativa) e as más condições de vida e de trabalho da maioria da população.
Com o 25 de Abril de 1974 esta situação sofreu uma profunda transformação e, com uma rapidez inesperada para alguns, o número de clubes desportivos duplicou em pouco anos. Todavia, estas organizações vivem, no presente, problemas específicos e dificuldades próprias.
Em resumo: chegados que, somos ao novo século – e milénio! – as políticas económicas, sociais e culturais seguidas pelos sucessivos governos não só não retiraram o País da «cauda da Europa», como agravaram as assimetrias sociais e acentuaram as desigualdades de acesso cultural. No desporto sente-se e vive-se esta situação de forma particularmente aguda. Assim, os clubes antigos e os recém-criados, de raiz popular, que procuram fornecer resposta às necessidades de extensos grupos da população, não possuem os meios capazes de o fazer em termos quantitativos e qualitativos eficazes.
Neles mantém-se a actividade desportiva a partir do esforço e da dedicação de um significativo número de dirigentes desportivos voluntários que, com o seu trabalho, contrariam objectivamente a opinião generalizada de que o individualismo, a ausência de solidariedade e o desinteresse «pela coisa pública» passaram a constituir os «valores» socialmente predominantes.
Na verdade são os dirigentes destes clubes de raiz popular que mantêm viva a prática desportiva entre as camadas populares, lutando contra toda a casta de dificuldades. São eles que dão corpo àquilo que aqui designamos por «desporto popular», por surgir e viver em organizações criadas nos meios populares e geridas por elementos que emergem directamente do seu seio. E que, em grande parte, formam os novos praticantes e criam condições para a sua prática, substituindo, praticamente na totalidade, a acção que constitucionalmente deveria ser preenchida pelo Estado.
As concepções da Grécia Antiga sobre o desporto juntaram-se às do inglês Thomas Arnold director da «Escola Pública» de Rugby, durante a última metade do século XIX, tudo sintetizado por Pierre de Coubertin, na passagem para o século XX, na sua incontornável «Mensagem Olímpica».
Esta estruturava, ou procurava estruturar, uma autêntica filosofia de vida, em que o fair play, ou seja o respeito pelo adversário e pelas regras, constituía o elemento central. «Culto voluntário e habitual do esforço muscular intensivo, apoiado no desejo de progresso e podendo chegar ao risco», eis como Coubertin definiu o desporto nos finais do século XIX. Para o momento histórico em que surgiu, a definição estava adaptada mas, de forma subtil, escamoteava um aspecto muito importante: é que aquela «filosofia de vida» e esta definição, se referiam a uma actividade altamente selectiva e socialmente segregativa. À prática desportiva só tinham acesso os filhos da aristocracia e da alta burguesia – como acontecia com o próprio Coubertin –, deixando de fora toda a classe trabalhadora e as camadas sociais mais carenciadas.
Um século depois a realidade é muito diferente, mas a visão selectiva do desporto não foi, ainda, liquidada entre nós. É bem visível a facilidade de acesso à prática por parte das camadas favorecidas da população. Mas também bem clara é a noção, entre os trabalhadores, do direito que possuem, tal como outros, de aceder aos benefícios de uma actividade capaz de constituir um importante factor da sua qualidade de vida, porque, se bem orientado, contribui para a melhoria da sua saúde, a manutenção da força de trabalho e o correcto crescimento dos seus filhos.
Esta consciência é já antiga e, apesar de se ter afirmado na 1.ª metade do século XX, assume formas específicas a partir do final da 2.ª Grande Guerra. Assim, surge um número crescente de clubes desportivos com a finalidade de criar condições para a prática e, inclusive, num grande número de países, criam as suas próprias federações para organizar competições especificamente trabalhistas. Em Portugal, em que, durante grande parte deste período, dominou o fascismo, o fenómeno, ainda que também se tivesse manifestado, não alcançou tão elevada expressão, pois teve de enfrentar a repressão salazarista (que, como se sabe, olhava como muito desconfiança qualquer actividade associativa) e as más condições de vida e de trabalho da maioria da população.
Com o 25 de Abril de 1974 esta situação sofreu uma profunda transformação e, com uma rapidez inesperada para alguns, o número de clubes desportivos duplicou em pouco anos. Todavia, estas organizações vivem, no presente, problemas específicos e dificuldades próprias.
Em resumo: chegados que, somos ao novo século – e milénio! – as políticas económicas, sociais e culturais seguidas pelos sucessivos governos não só não retiraram o País da «cauda da Europa», como agravaram as assimetrias sociais e acentuaram as desigualdades de acesso cultural. No desporto sente-se e vive-se esta situação de forma particularmente aguda. Assim, os clubes antigos e os recém-criados, de raiz popular, que procuram fornecer resposta às necessidades de extensos grupos da população, não possuem os meios capazes de o fazer em termos quantitativos e qualitativos eficazes.
Neles mantém-se a actividade desportiva a partir do esforço e da dedicação de um significativo número de dirigentes desportivos voluntários que, com o seu trabalho, contrariam objectivamente a opinião generalizada de que o individualismo, a ausência de solidariedade e o desinteresse «pela coisa pública» passaram a constituir os «valores» socialmente predominantes.
Na verdade são os dirigentes destes clubes de raiz popular que mantêm viva a prática desportiva entre as camadas populares, lutando contra toda a casta de dificuldades. São eles que dão corpo àquilo que aqui designamos por «desporto popular», por surgir e viver em organizações criadas nos meios populares e geridas por elementos que emergem directamente do seu seio. E que, em grande parte, formam os novos praticantes e criam condições para a sua prática, substituindo, praticamente na totalidade, a acção que constitucionalmente deveria ser preenchida pelo Estado.