CGTP-IN comenta a crise e as respostas

Com justas dúvidas

Muitas empresas invocam a «crise global» para aplicarem medidas que não têm a ver com esse contexto, e o Governo apresenta um Orçamento «suplementar» com previsões desactualizadas e medidas de reduzido impacto na economia.

As me­didas do Go­verno e das em­presas não con­vencem

Na segunda-feira, ao dar conta da reunião da Comissão Executiva da CGTP-IN, Manuel Carvalho da Silva revelou os traços gerais de um levantamento, realizado pelas estruturas da central nos meses de Dezembro e Janeiro, abrangendo um universo de 400 em­presas e as me­didas por estas anun­ci­adas, a pretexto de responder aos efeitos da crise. Havendo um bloqueio na situação económica, com causas nacionais e internacionais, ele foi catalogado de crise e esta crise é invocada por muitas empresas, para imporem medidas que não se destinam a resolver os problemas da crise, explicou aos jornalistas o secretário-geral da Intersindical Nacional. Admitindo que há problemas reais, salientou que a estes se sobrepõe uma muito grande invocação instrumental da crise.
Dessa actuação dominante, orientada mais para o aumento dos lucros do que para a salvaguarda do emprego, resultam a acelerada destruição do aparelho produtivo, o aumento do incumprimento das leis, o aumento da chantagem sobre o Estado, o aumento dos problemas das micro, pequenas e médias empresas, e a crescente exploração dos trabalhadores mais jovens, acusa a CGTP-IN.
Nos 400 casos analisados, concretizou o dirigente da central, «vemos deslocalizações oportunistas, ou seja, aproveitar a crise para forçar uma deslocalização; vemos reduções oportunistas de postos de trabalho; encerramentos e falências que cheiram a fraude por todos os poros; actuação unilateral, de imposição de mecanismos que são violações das leis (lay-off, bancos de horas, flexibilidade de trabalho); vemos invocação da crise para não aumentar os salários dos trabalhadores e para transformar emprego estável em precariedade absoluta».
A central reclama uma mais eficaz fiscalização das medidas anunciadas pelas empresas e dos respectivos fundamentos, bem como da aplicação de apoios públicos.
Mas as me­didas anun­ci­adas pelo Go­verno também sofrem de grande falta de credibilidade. Na conferência de imprensa foi divulgada uma apreciação da CGTP-IN ao Orçamento do Estado «suplementar» (proposta de lei 247/X), que o Governo apresentou na AR.
Por um lado, «o novo ce­nário ma­cro­e­co­nó­mico já está de­sac­tu­a­li­zado» e isso «tem consequências na previsão de receitas fiscais». A central realça que «são muito elevadas» as diferenças entre as previsões do Governo, do Banco de Portugal e da Comissão Europeia. «A incerteza e mesmo um certo irrealismo» dos números do Governo ficam mais evidentes quando a central olha o enquadramento internacional que lhes está subjacente. A correcção da esperada variação do PIB (de +0,6 por cento, no OE 2009, aprovado em Novembro, para -0,8 por cento (segundo o Governo, mas a Comissão Europeia aponta para -1,6 por cento), implica uma redução da receita fiscal, sobretudo no que toca ao IVA. Também deverá estar sobrestimada pelo Governo, nesta alteração do OE, a previsão de cobrança de IRC, afirma a CGTP-IN, reportando-se ao que já é conhecido sobre os lucros das maiores empresas em 2008.
Por outro lado, «em 2009, não serão muito grandes» os efeitos das medidas de combate à crise, com que o Governo justificou alterar o OE. A central recorda que tais medidas fazem parte da «Iniciativa para o Investimento e o Emprego» e analisa cada uma delas, concluindo que a respectiva concretização depende do interesse e do investimento das empresas (ou famílias) interessadas, com excepção da redução de três por cento nas contribuições para a Segurança Social, referentes a trabalhadores com mais de 45 anos.
Procurando averiguar quanto custam as medidas e quem vai pagá-las, a Inter analisou os dados do Governo: de um custo total de 2040 milhões de euros, um terço é financiamento comunitário e os restantes 1360 milhões correspondem a aumento de despesa pública nacional (850 milhões) e perda de receita (510 milhões) fiscal e, fundamentalmente, da Segurança Social.
Na estimativa da CGTP-IN, as quatro medidas de emprego terão um custo total de 413,4 mi­lhões de euros, em 2009, e de 512,2 mi­lhões para o período de vigência das isenções concedidas às empresas (entre dois e dez anos). Esta estimativa tem por base «hipóteses maximalistas», pelo que os valores reais deverão ser mais reduzidos. Mas o Governo, na alteração do OE para 2009, afirma que os custos das medidas específicas de emprego atingirão... 580 mi­lhões de euros!
Além disso, as iniciativas anunciadas segunda-feira pelo ministro do Trabalho não são no­vi­dade. Com a única excepção do alargamento do subsídio social de desemprego, cujos efeitos serão «residuais», o Governo «pega num conjunto de medidas já anunciadas e vende o mesmo produto duas ou três vezes», criticou Carvalho da Silva.

Res­ponder com a luta

Os trabalhadores da Bor­dalo Pi­nheiro, que no sábado realizaram uma marcha nas Caldas da Rainha, pela viabilização da histórica fábrica de faianças e pela defesa dos postos de trabalho, apresentaram segunda-feira uma queixa na ACT, exigindo que os 200 mil euros que entraram sexta-feira nos cofres da empresa (pagos pela Câmara Municipal, para completar o valor da aquisição de património) sejam utilizados para liquidar os salários de Janeiro. O Sindicato da Cerâmica, citado pela agência Lusa, explica que tal obrigação decorre da lei, mas o administrador e principal accionista, Jorge Serrano, defende que o dinheiro deve ser aplicado... na redução de pessoal.
Na semana passada, a comissão de representantes dos trabalhadores já tinha denunciado «manobras intimidatórias» semelhantes, ocorridas ainda durante o pagamento dos salários de Dezembro, no dia seguinte à manifestação realizada em Lisboa e ao compromisso do Governo de que, num prazo de dois meses, será apresentado um plano de viabilização. Mais um dia passado, e o administrador surgiu na Ga­zeta das Caldas a defender um empréstimo de 700 mil euros, para pagar indemnizações aos trabalhadores, e que metade destes aceitassem perder o emprego.
Os trabalhadores de duas fábricas da Cor­ti­ceira Amorim, em Mozelos (Santa Maria da Feira), foram anteontem surpreendidos pelo anúncio da intenção de despedir 118 pessoas, na produção de aglomerados compósitos, e outras 75, na unidade de rolhas. Os 193 despedimentos são «indispensáveis para a contenção do esperado impacto negativo da crise global», afirma, no comunicado que enviou à entidade fiscalizadora da Bolsa de Valores, o grupo de Américo Amorim, líder mundial do sector, que anunciou lucros de 10,5 milhões de euros, no final do terceiro trimestre de 2008, e despendeu em Dezembro dez milhões de dólares para tomar 25 por cento da US Floors, nos EUA.
Operários do segundo maior grupo corticeiro nacional, vice-presidente da associação patronal Apcor, que se mantêm em greve desde 21 de Janeiro, deslocaram-se segunda-feira ao governo civil de Aveiro, reclamando o pagamento dos salários em atraso nas empresas Su­bercor e Vi­nicor. Aos corticeiros do grupo Su­berus, que têm permanecido junto aos portões da fábrica, também em Mozelos, juntaram-se camaradas da Facol, do mesmo concelho, que têm por receber os salários desde Novembro.
Para o próximo sá­bado, o Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte convocou uma vigília, junto à sede da Apcor, em Santa Maria de Lamas.


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