O congelamento das reformas imposto pelo PS

Anselmo Dias
Para muitos comentadores ligados à direita e às políticas de direita, uma das grandes marcas ligadas «ao reformismo» do Governo de José Sócrates está plasmada nas alterações havidas no sistema público de segurança social, designadamente na parte que tem a ver com o factor de sustentabilidade e com a fórmula de cálculo das actualizações das pensões de reforma.
Todos esses comentadores confluem no elogio ao ministro Vieira da Silva e, por via deste, ao primeiro-ministro, José Sócrates, «cuja visão es­tra­té­gica evitou, a prazo, a fa­lência da se­gu­rança so­cial» de acordo com os panegiristas do actual Governo.
Para estes, a sustentabilidade da segurança social deve passar por medidas no interior do sistema, incluindo clivagens a nível dos próprios beneficiários, e não pela diversificação das fontes de financiamento, designadamente pela criação de uma taxa, mesmo que modesta, sobre as transacções em bolsa e por outras vias tendentes a uma melhor distribuição da riqueza criada, tendo em conta o seu elevado grau de concentração num reduzido número de famílias.
O PS optou, com o retrocesso na segurança social, por resguardar os senhores do dinheiro e penalizar os mais pobres.
Por que via? Por via de uma fórmula de cálculo das pensões que indexa a respectiva actualização à evolução da economia, à revelia de uma maior justiça social, designadamente no conjunto daquelas que concorram para a redução do fosso de rendimentos entre, por exemplo, os 20% das famílias mais ricas e os 20% das famílias mais pobres.
Para se ter uma ideia do que está em causa e para se ter uma ideia dos prejuízos decorrentes das medidas implementadas pelo PS vejamos os seguintes exemplos.

Fór­mula de ac­tu­a­li­zação das pen­sões

Como é sabido, a actualização das pensões está condicionada por um conjunto de variáveis que, aqui, se recordam:

1. O valor vigente das pensões, tendo em conta a sua distribuição por 4 escalões;
2. O valor do indexante de apoios sociais que, neste momento, corresponde a 419,22 euros;
3. A taxa de inflação verificada no ano anterior;
4. A evolução da economia, medida pelo PIB.

Destas quatro variáveis importa, por agora, destacar a última, ou seja, a evolução do PIB, na medida em que do seu crescimento depende a evolução ou a regressão do poder de compra dos pensionistas e reformados.
A questão que colocamos é a seguinte:
- E se a economia crescer, por exemplo, nos pró­ximos oito anos, a taxas médias às verificadas entre 2001 e 2009, o que é que acontecerá, em termos de poder de compra, aos reformados?
A resposta é - salvo se, entretanto, não houver uma ruptura com a actual política – a seguinte:
Todos – mas todos – irão perder poder de compra.
Em que valores? Depende do valor da inflação.
Para podermos aquilatar da dimensão dos prejuízos vejamos, então, a evolução da economia e a evolução da inflação nos últimos 8 anos (de 2002 a 2009, inclusive).

Evo­lução da eco­nomia: no período em apreço houve dois anos em que o crescimento do PIB foi negativo (2003 e 2009).
Nos restantes anos o crescimento do PIB balizou-se entre um mínimo de zero, em 2008, e um máximo de 1,9%, em 2007, ou seja, em nenhum deles a economia cresceu acima dos 2%.
Evo­lução da in­flação: no período atrás referido a inflação balizou-se entre um máximo de 4,4%, em 2001 e um mínimo de 2,3% em 2005.
Equacionadas estas realidades e projectando-as para os próximos oito anos, caso, repetimos, não haja uma ruptura com a actual politica, teríamos a seguinte realidade:

1. Pen­sões iguais ou in­fe­ri­ores a 1,5 do IAS (pen­sões até 628,83 euros)
Estas pensões terão aumentos nominais em cada ano correspondente à inflação verificada no ano anterior, ou seja, na terminologia demagógica do Governo, estes pensionistas manterão o seu poder de compra.
Isto não é verdade.
Há, é certo, no dia 1 de Janeiro, a reposição do poder de compra que os reformados tinham no dia 1 de Janeiro do ano anterior. Mas como durante 12 meses haverá aumentos dos bens de consumo e serviços isto significa que há um prejuízo em função daquilo que for a evolução da inflação entre o dia 1 de Janeiro e o dia 31 de Dezembro.
Qual a dimensão deste prejuízo? Depende em função do cabaz de compras de cada pensionista e reformado, bem como do período em que se processam os aumentos daquilo que se consome. O que se sabe é que, quanto maior for o aumento dos produtos alimentares, dos medicamentos e da habitação, maiores serão os prejuízos para as pessoas abrangidas neste escalão.

2. Pen­sões ba­li­zadas entre 1,5 e 6 vezes o IAS (entre 628,83 e 2515,32 euros)
Estas pensões terão um prejuízo anual correspondente à diferença entre o valor da taxa de inflação deduzida de 0,5 pontos percentuais.
Para se perceber a dimensão do prejuízo em causa tomemos, como exemplo, a situação de um reformado com uma pensão no valor de 1000 euros.
Se esta reforma crescesse, pelo menos, na base da inflação verificada no ano anterior, a mesma, ao fim de 8 anos, teria um valor de 1269 euros, em vez dos 1221 euros. O prejuízo acumulado nos próximos 8 anos, na base dos valores verificados em cada ano, totalizariam qualquer coisa como 2884 euros.

3. Pen­sões ba­li­zadas entre 6 e 12 vezes o IAS (entre 2515,32 e 5030,64 euros)
Estas pensões terão um prejuízo anual correspondente à diferença entre o valor da taxa de inflação deduzida de 0,75 pontos percentuais.
Para se perceber a dimensão do prejuízo em causa tomemos, como exemplo, a situação de um reformado com uma pensão no valor de 3000 euros.
Se esta reforma crescesse, pelo menos, na base da inflação verificada no ano anterior, a mesma, ao fim de 8 anos, teria um valor de 3807 euros, em vez dos 3591 euros. O prejuízo acumulado nos próximos 8 anos, na base dos valores verificados em cada ano, totalizariam qualquer coisa como 12 903 euros.

4. Pen­sões su­pe­ri­ores a 5030,64 euros
Estas pensões estão congeladas, sendo aquelas que, em valor absoluto mais perdem.

A al­ter­na­tiva pro­posta pelo PCP

A alternativa do PCP é aquela que consta do projecto de Lei 772/X-4ª, datado de 7/5/2009 e rejeitado pelo PS em 18/6/2009, na Assembleia da República, e cuja formulação passamos a referir:

I - Pen­sões iguais ou in­fe­ri­ores a 1,5 do IAS ( pen­sões até 628,83 euros)
a) No caso de os dois va­lores serem po­si­tivos (in­flação e PIB), o au­mento será igual ao valor do IPC do ano an­te­rior acres­cido de me­tade da taxa de cres­ci­mento real do PIB ve­ri­fi­cada no ano an­te­rior, não po­dendo ser in­fe­rior ao valor do IPC acres­cido de 0,5 pontos per­cen­tuais;
b) No caso dos dois va­lores serem ne­ga­tivos (in­flação e PIB), o au­mento será de 0,5 pontos per­cen­tuais;
c) No caso de um valor ser ne­ga­tivo e outro po­si­tivo, o au­mento será igual ao valor po­si­tivo do PIB ou do IPC acres­cido de 0,5 pontos per­cen­tuais.

II - Pen­sões ba­li­zadas entre 1,5 e 6 vezes o IAS (entre 628,83 e 2515,32 euros)
a) No caso de os dois va­lores serem po­si­tivos (in­flação e PIB), o au­mento será igual ao valor do IPC do ano an­te­rior acres­cido de um terço da taxa de cres­ci­mento real do PIB, não po­dendo ser in­fe­rior ao valor do IPC acres­cido de 0,3 pontos per­cen­tuais;
b) No caso dos dois va­lores serem ne­ga­tivos, o au­mento será de 0,3 pontos per­cen­tuais;
c) No caso de um valor ser ne­ga­tivo e outro po­si­tivo, o au­mento será igual ao valor po­si­tivo do PIB ou do IPC acres­cido de 0,3 pontos per­cen­tuais.

III - Pen­sões iguais ou su­pe­ri­ores a 6 vezes o IAS ( pen­sões iguais ou su­pe­ri­ores a 2512,32 euros).
a) No caso de os dois va­lores serem po­si­tivos (in­flação e PIB), o au­mento será igual ao valor do IPC do ano an­te­rior acres­cido de um quarto da taxa de cres­ci­mento real do PIB, não po­dendo ser in­fe­rior ao valor da taxa de in­flação ve­ri­fi­cada no ano an­te­rior;
b) No caso dos dois va­lores serem ne­ga­tivos, o au­mento será de 0,1 ponto per­cen­tual;
c) No caso de um valor ser ne­ga­tivo e outro po­si­tivo, o au­mento será igual ao valor po­si­tivo do PIB ou do IPC.


Di­fe­renças entre a pro­posta do PCP
e o texto im­posto pelo PS


As diferenças entre a nossa proposta e o sistema imposto pelo PS colocam-se em quatro planos:

Em pri­meiro lugar: propomos a existência de três escalões, em função do valor das pensões, em vez dos quatro escalões impostos pelo PS;

Em se­gundo lugar: propomos, no âmbito da quantificação do indexante de apoios sociais, uma nova formulação, em beneficio dos reformados, com especial destaque para os casos em que a economia e a inflação cresçam a valores negativos, situações não previstas no diploma imposto pelo governo.

Em ter­ceiro lugar: propomos subalternizar a correlação da actualização das pensões à evolução da economia, ou seja, ao crescimento do PIB. Com efeito, independentemente do crescimento da economia haveria sempre, a ser cumprida a nossa proposta, aumentos reais do poder de compra para todos os pensionistas com pensões inferiores a 2512,32 (valores actuais). Convergentemente com actualizações superiores à taxa de inflação haveria, igualmente, um acréscimo em função do crescimento do PIB;

Em quarto lugar: propomos que as pensões superiores a 2512,32 euros não sejam penalizadas, havendo, até, no caso de regressão, quer da economia, quer da inflação, um aumento modesto, é certo, mas um aumento de 0,1% sobre o valor da pensão fixada no ano anterior.

Sin­te­ti­zando: a nossa proposta determina, em todos os casos, um aumento real do poder de compra dos reformados e considera que o aumento dos preços, medido pela taxa média da inflação, constitui o factor determinante para a actualização do valor das reformas, a que acresce outros dois factores:
- uma majoração em função da evolução da economia;
- um acréscimo mínimo garantido, no caso da economia ser reduzida, nula ou negativa.

O PS, ao contrário da nossa proposta, endeusa o PIB como factor determinante para a actualização do valor das reformas, pelo que, se a mesma evo­luir abaixo dos 2% não ha­verá au­mentos reais para nin­guém. Estamos, pois, perante um cenário de empobrecimento de milhões de reformados, empobrecimento tanto maior quanto mais elevada for a taxa de inflação e tanto maior quanto maior for a durabilidade da fraca evolução da nossa economia, como tudo indica que irá acontecer.

Ou­tros fac­tores que de­verão
ser equa­ci­o­nados fu­tu­ra­mente


Dada a forma profundamente injusta como a riqueza é distribuída, importa equacionar, no futuro, como devem ser processadas as actualizações das pensões.
Em nossa opinião as mesmas devem reflectir:

- O au­mento do preço dos bens e ser­viços as­so­ciado ao cabaz de com­pras dos vá­rios ex­tractos so­ciais, tendo em conta que o peso da ali­men­tação, da ha­bi­tação e da saúde é maior nos re­for­mados e pen­si­o­nistas mais po­bres, do que nos ex­tractos com ren­di­mentos mais ele­vados. Daqui de­corre que não deve ser ge­ne­ra­li­zada a apli­cação do valor médio da taxa de in­flação, mas sim o valor cor­res­pon­dente aos vá­rios ex­tractos so­ciais, de acordo com a na­tu­reza e a di­mensão das suas des­pesas fa­mi­li­ares;

- Uma outra po­lí­tica fiscal que faça re­verter para o Or­ça­mento de Es­tado os meios fi­nan­ceiros ade­quados a uma mais justa re­dis­tri­buição da ri­queza criada, com base, por exemplo, na pro­gres­si­vi­dade do IRS, a in­cidir nos cerca de 47 000 agre­gados fa­mi­li­ares (1% das fa­mí­lias por­tu­guesas) com ren­di­mentos anuais su­pe­ri­ores a 100.000 euros;

- A exi­gência que o co­e­fi­ci­ente entre os 20% mais ricos e os 20% mais po­bres tenda a estar ao mesmo nível da média eu­ro­peia, o que pres­supõe uma me­lhoria, quer dos sa­lá­rios , quer das re­formas o que con­tri­buiria para a me­lhoria do nível de vida de cerca de 6 800 000 por­tu­gueses.



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