No mar da amargura
Jerónimo de Sousa visitou, sexta-feira, a Ria de Aveiro, para se inteirar dos problemas da pesca artesanal, nomeadamente dos mariscadores, que, nos meses em que a apanha de bivalves ficou interdita, contraíram dívidas de milhares de euros à Segurança Social. Durante a iniciativa, o Secretário-geral do PCP constatou ainda o abandono a que o PS e o PSD – seja na Assembleia da República, seja nas autarquias locais – têm «premiado» a Ria de Aveiro, uma das principais riquezas e referências do distrito, bem como todos os que dela vivem e dependem.
«Oxalá o PCP ponha mão nisto!»
O dia começou na Marina da Nado, em Ovar. À espera da comitiva da CDU, constituída por Jerónimo de Sousa, Miguel Viegas e Lúcia Gomes (os dois últimos, primeiros candidatos pelo círculo eleitoral do distrito à Assembleia da República), estavam dois barcos moliceiros, «emblemas» da Ria de Aveiro, que agora, infelizmente, estão em vias de extinção. Com um perfil elegante, estas embarcações - que se destinavam à colheita e transporte do moliço (vegetação da Ria, utilizada para fertilizar os campos agrícolas), mercadorias e gado – são conhecidos pela sua decoração magnifica, com cores vivas e populares ilustrações na proa e na popa, representando os mais diversos temas, desde cenas românticas a motivos humorísticos.
O nome da embarcação onde viajou o Secretário-geral do PCP, comandada pelo mestre José Rito, tinha como nome «Renascer», uma alusão à esperança, que se pretende e quer, de um futuro melhor para todos os portugueses. Segundo nos contou o pescador de 53 anos, natural da Praia da Torreira, na Murtuosa, aquele moliceiro foi construído com as próprias mãos, com muito amor, como se de um filho de tratasse.
À hora marcada, que estas coisas das marés têm que se lhes diga, face ao completo estado de abandona da Ria, que urge ser desassoreada, o «Renascer» partiu, em direcção à Costa Nova, uma península junto à cidade de Aveiro.
Durante o percurso, as águas calmas da Ria, que espelhavam extraordinárias paisagens, eram atravessadas pelo moliceiro, movido com um pequeno, embora ruidoso, motor de oito cavalos.
Atentado à vida de quem trabalha
Para além de um grande número de jornalistas, convidados pela CDU a participar na iniciativa, estavam ainda dois convidados de honra, dois pescadores, Sandra Marisa Valente e José Júlio Matos, de gerações e sexos diferentes, mas com o mesmo amor pela «arte» que desenvolvem.
Das mãos de Jerónimo de Sousa, a jovem pescadora, de 27 anos, candidata à Junta de Freguesia da Torreira, recebeu o cartão de militante do PCP. Com pouca experiência nestas andanças, ao Avante!, Sandra Marisa Valente mostrou-se «muito feliz» e prometeu fazer o melhor que sabe para acabar com o «abandono» a que está votada a sua Freguesia. «Se no Verão aqui se vê muita gente, no Inverno não se vê ninguém», lamentou, prometendo, caso seja eleita, trabalhar para que no futuro seja possível «trazer, todas as semanas, uma assistente social à Torreira para minorar os problemas das famílias mais carenciadas».
Por seu lado, José Júlio Matos, num desabafo sentido ao Secretário-geral do PCP, falou dos problemas de escoamento e valorização do produto do trabalho dos pescadores, sejam eles os dos bivalves, sejam os de outras espécies e artes de pesca.
«Em 1986 vendia o choco a 600 e a 800 escudos (a três e a quatro euros, aproximadamente) o quilo. Agora, passados mais de 10 anos, sou obrigado a vender o mesmo produto a, no máximo, três euros», denunciou, lamentando, em contrapartida, o aumento do preço dos combustíveis, que «não parou de subir».
O pescador, de 57 anos, grande parte deles passados na «arte», criticou, de igual forma, o licenciamento das artes de pesca, a discriminação dos chamados mariscadores relativamente ao sistema de descontos para a Segurança Social, que lesa gravemente os seus direitos no que se refere ao acesso às prestações sociais, a falta de apoios atempados em situação de detecção de toxinas e da defesa dos recursos.
«Noutros tempos qualquer proprietário que tivesse uma embarcação podia pescar de tudo, desde que não fosse ilegal. Ou seja, estávamos autorizados a trabalhar em todas as artes. Em 1986, com a entrada na famosa CEE [agora União Europeia], foi criada a Direcção Nacional de Pescas, que nos obrigou a escolher quatro artes. Das que escolhi, duas paralisaram: a enguia, em extinção, e a lampreia, que deixou de existir porque os braços da ria foram assoreando», explicou, acrescentando: «Eu apenas queria mais uma arte para poder sobreviver».
Mais tarde, para agravar a situação, foram atribuídos aos pescadores cartões de mariscador, uma espécie de «recibo verde», onde não se faz descontos para a Segurança Social. «Estes trabalhadores, cerca de 800, estavam a descontar pelo Regime Social da Pesca Artesanal. A Direcção Geral das Pescas, de uma forma habilidosa, em vez de dar licenças às embarcações, passou a atribuí-las individualmente aos pescadores, que deixaram de poder descontar em lota, lesando-os nas prestações sociais, no desemprego, na baixa médica e, mais tarde, na própria reforma», esclareceu, António Macedo, dirigente do Sindicato do Trabalhadores da Pesca do Norte, lembrando que quando há paragens, que já chegaram a atingir mais de cinco meses por causa das toxinas e do defeso, os pescadores têm que continuar a pagar a «totalidade da prestação». «Todos aqueles que fizeram vendas sobre o cartão de mariscador contrairam dívidas mesmo parados, que chegaram aos oito mil euros», adiantou José Júlio Matos.
«Armas» para trabalhar
Agora, com o novo regime contributivo, disse ainda António Macedo, «os pescadores vão passar a pagar 28 por cento sobre o volume total do negócio, o que vai criar graves problemas à pesca artesanal».
«Eu quero descontar, mas sobre aquilo que ganho», afirmou José Júlio Matos, sublinhando: «Se eu ganho, por exemplo, 500 contos num ano [2500 euros] porque é que eu vou ter que pagar sobre 800? Onde é que eu vou buscar os recursos? Têm que me dar “armas” para eu trabalhar.»
No decurso da viagem foi ainda denunciado o completo estado de «abandono» da Ria de Aveiro e do seu espaço envolvente, com precárias condições de navegabilidade.
«Isto não é uma fatalidade. A situação pode ser alterada», frisou, em conversa com o pescador, Jerónimo de Sousa, que obteve como resposta: «É preciso que haja alguém com coragem. Oxalá o PCP ponha mão nisto!»
O dia terminou à volta de uma deliciosa caldeirada, temperada com a tradicional salmoura, minuciosamente preparada pelos pescadores da Costa Nova.
O nome da embarcação onde viajou o Secretário-geral do PCP, comandada pelo mestre José Rito, tinha como nome «Renascer», uma alusão à esperança, que se pretende e quer, de um futuro melhor para todos os portugueses. Segundo nos contou o pescador de 53 anos, natural da Praia da Torreira, na Murtuosa, aquele moliceiro foi construído com as próprias mãos, com muito amor, como se de um filho de tratasse.
À hora marcada, que estas coisas das marés têm que se lhes diga, face ao completo estado de abandona da Ria, que urge ser desassoreada, o «Renascer» partiu, em direcção à Costa Nova, uma península junto à cidade de Aveiro.
Durante o percurso, as águas calmas da Ria, que espelhavam extraordinárias paisagens, eram atravessadas pelo moliceiro, movido com um pequeno, embora ruidoso, motor de oito cavalos.
Atentado à vida de quem trabalha
Para além de um grande número de jornalistas, convidados pela CDU a participar na iniciativa, estavam ainda dois convidados de honra, dois pescadores, Sandra Marisa Valente e José Júlio Matos, de gerações e sexos diferentes, mas com o mesmo amor pela «arte» que desenvolvem.
Das mãos de Jerónimo de Sousa, a jovem pescadora, de 27 anos, candidata à Junta de Freguesia da Torreira, recebeu o cartão de militante do PCP. Com pouca experiência nestas andanças, ao Avante!, Sandra Marisa Valente mostrou-se «muito feliz» e prometeu fazer o melhor que sabe para acabar com o «abandono» a que está votada a sua Freguesia. «Se no Verão aqui se vê muita gente, no Inverno não se vê ninguém», lamentou, prometendo, caso seja eleita, trabalhar para que no futuro seja possível «trazer, todas as semanas, uma assistente social à Torreira para minorar os problemas das famílias mais carenciadas».
Por seu lado, José Júlio Matos, num desabafo sentido ao Secretário-geral do PCP, falou dos problemas de escoamento e valorização do produto do trabalho dos pescadores, sejam eles os dos bivalves, sejam os de outras espécies e artes de pesca.
«Em 1986 vendia o choco a 600 e a 800 escudos (a três e a quatro euros, aproximadamente) o quilo. Agora, passados mais de 10 anos, sou obrigado a vender o mesmo produto a, no máximo, três euros», denunciou, lamentando, em contrapartida, o aumento do preço dos combustíveis, que «não parou de subir».
O pescador, de 57 anos, grande parte deles passados na «arte», criticou, de igual forma, o licenciamento das artes de pesca, a discriminação dos chamados mariscadores relativamente ao sistema de descontos para a Segurança Social, que lesa gravemente os seus direitos no que se refere ao acesso às prestações sociais, a falta de apoios atempados em situação de detecção de toxinas e da defesa dos recursos.
«Noutros tempos qualquer proprietário que tivesse uma embarcação podia pescar de tudo, desde que não fosse ilegal. Ou seja, estávamos autorizados a trabalhar em todas as artes. Em 1986, com a entrada na famosa CEE [agora União Europeia], foi criada a Direcção Nacional de Pescas, que nos obrigou a escolher quatro artes. Das que escolhi, duas paralisaram: a enguia, em extinção, e a lampreia, que deixou de existir porque os braços da ria foram assoreando», explicou, acrescentando: «Eu apenas queria mais uma arte para poder sobreviver».
Mais tarde, para agravar a situação, foram atribuídos aos pescadores cartões de mariscador, uma espécie de «recibo verde», onde não se faz descontos para a Segurança Social. «Estes trabalhadores, cerca de 800, estavam a descontar pelo Regime Social da Pesca Artesanal. A Direcção Geral das Pescas, de uma forma habilidosa, em vez de dar licenças às embarcações, passou a atribuí-las individualmente aos pescadores, que deixaram de poder descontar em lota, lesando-os nas prestações sociais, no desemprego, na baixa médica e, mais tarde, na própria reforma», esclareceu, António Macedo, dirigente do Sindicato do Trabalhadores da Pesca do Norte, lembrando que quando há paragens, que já chegaram a atingir mais de cinco meses por causa das toxinas e do defeso, os pescadores têm que continuar a pagar a «totalidade da prestação». «Todos aqueles que fizeram vendas sobre o cartão de mariscador contrairam dívidas mesmo parados, que chegaram aos oito mil euros», adiantou José Júlio Matos.
«Armas» para trabalhar
Agora, com o novo regime contributivo, disse ainda António Macedo, «os pescadores vão passar a pagar 28 por cento sobre o volume total do negócio, o que vai criar graves problemas à pesca artesanal».
«Eu quero descontar, mas sobre aquilo que ganho», afirmou José Júlio Matos, sublinhando: «Se eu ganho, por exemplo, 500 contos num ano [2500 euros] porque é que eu vou ter que pagar sobre 800? Onde é que eu vou buscar os recursos? Têm que me dar “armas” para eu trabalhar.»
No decurso da viagem foi ainda denunciado o completo estado de «abandono» da Ria de Aveiro e do seu espaço envolvente, com precárias condições de navegabilidade.
«Isto não é uma fatalidade. A situação pode ser alterada», frisou, em conversa com o pescador, Jerónimo de Sousa, que obteve como resposta: «É preciso que haja alguém com coragem. Oxalá o PCP ponha mão nisto!»
O dia terminou à volta de uma deliciosa caldeirada, temperada com a tradicional salmoura, minuciosamente preparada pelos pescadores da Costa Nova.