À procura da alma perdida
O Congresso do Partido Trabalhista britânico, no poder, atraiu as atenções do mundo posto que se previa uma luta fratricida pelo controlo da direcção do partido entre as duas facções principais, a do «New Labour» (Blair) e a do «Labour» tradicional cuja voz mais representativa se supunha ser a do chanceler do Tesouro, Gordon Brown. Era enorme a curiosidade quanto à atitude que tomaria o grupo parlamentar e quanto ao apoio que Tony Blair receberia, ou não, da forte representação das estruturas partidárias vindas de todas as circunscrições eleitorais. Só a posição dos sindicatos não oferecia dúvidas. Os seus principais representantes tinham declarado, antecipadamente, que estavam contra Blair e o seu governo.
Para além da política geral do Executivo blairista, as questões particulares da guerra no Iraque, da decisão de libertar certos hospitais para o mercado dando-lhes o nome da Hospitais-Fundação, do espectacular aumento das propinas pagáveis pelos alunos universitários, da colossal perda de postos de trabalho em toda a indústria transformadora, do fecho por falência ou por outras razões de inúmeros Fundos de Pensões de Reforma, tinham prioridade na ordem da curiosidade pública. Toda a Grã-Bretanha aguardava os debates desapaixonadamente, como é habitual, mas com evidente interesse. Entretanto, logo o primeiro ponto (o da guerra no Iraque), foi retirado à Ordem dos Trabalhos, que o próprio governo dirigia. Os três principais sectores do Congresso dividiram-se a este respeito permitindo antever que a revolução antiblairista poderia não acontecer. Ficou claro que os delegados das circunscrições eram, em grande número, partidários do primeiro-ministro, gente sem ligações à classe trabalhadora, pessoas de muito recente adesão ao partido influenciadas em larga medida por ideias alheias à tradição do trabalhismo e próximas do pensamento conservador. Era, em duas palavras, o «New Labour» que Tony Blair tem, pacientemente, infiltrado nas fileiras do velho partido.
1.º dia - segunda-feira, 29.09.2003
O Congresso abriu às 09.15 da manhã. Na presidência, Patricia Hewitt, hábil Secretária de Estado da Indústria. Gordon Brown, o chanceler do Tesouro, dirigiria aos delegados um importante discurso logo após o almoço. Mas no dia anterior, movimentadíssimo pela constante chegada das delegações e das personalidades, a cidade de Bournemouth onde o Congresso se realizou, assistiu a uma ruidosa e bem organizada manifestação de trabalhadores da indústria metalúrgica que vieram à bela cidade do Sul de Inglaterra manifestar o seu protesto contra as condições actuais. Alguns parlamentares consideravam que Blair poderia ser obrigado a demitir-se. E Peter Hain, leader da Câmara dos Comuns, disse: «Os nossos inimigos já notam o odor do sangue que poderá correr.» O Secretário de Estado da Saúde, John Reid, gritava: «Nós somos pela democracia!» Mas ele é o homem que mais encarniçadamente defende os Hospitais-Fundação e a entrega de muitos serviços públicos a empresas particulares. Estas aceitam a retoma dos trabalhadores ainda ao serviço, mas sem garantias para o futuro e com salários mais baixos. Alguém despejou na cara de Mr. Reid: «Então isso é que é a democracia?».
Quando Gordon Brown se levantou para iniciar o seu discurso, o Congresso ainda digeria as últimas informações fornecidas, a saber: 1 - que o Partido perdeu 150 000 membros desde 1997, sendo o número de militantes, agora, inferior a 250 000; 2 - que o número de empregos perdidos pela indústria transformadora era superior a 12 000, mensalmente. Ouviam-se, lá fora, os gritos dos trabalhadores da Rolls-Royce, da Shell, da BAE Systems, da Alstom.
Gordon Brown, repetidamente, acentuava o «governo Labour» ou o «Labour Party». Nem uma só vez mencionou o «New Labour». Muita gente o aplaudiu por isso. E disse, depois, ter havido um encontro, de facto, entre ele e Tony Blair em 1994, após a morte de John Smith, o anterior leader do partido. E que nesse encontro se assentara em que Blair serviria como primeiro-ministro em dois parlamentos após o que se demitiria para entregar a chefia a ele próprio, Gordon Brown. Estupefacção em toda a vasta sala do Congresso. Prosseguiu entre aplausos: «Na minha opinião, o que este Partido necessita, não é de um programa, mas, sim, de recuperar a sua alma.»
2.º dia - terça-feira
Ferido, mas de pé, e combativo como raramente o vimos, Tony Blair tinha o país na sua frente quando tomou a palavra. Eram 02.15 da tarde. «O povo britânico não nos perdoará», disse, «se demonstrarmos cobardia perante os desafios que se nos apresentam.» E continuou: «Na verdade, atingimos maturidade suficiente para podermos declarar que nos apresentaremos a uma nova eleição para um histórico terceiro mandato consecutivo. Mas aviso de que perderemos o poder se nos desconjuntarmos e abandonarmos o centro do panorama político nacional.» Quanto ao Iraque, disse em tom breve: «Vacilei, sim, vacilei, ao ler cartas que me foram dirigidas por famílias dos nossos soldados mortos. Continuo a dizer que não somos criados dos americanos. A lógica da nossa decisão de invadir o Iraque, está perfeitamente comprovada.» Um dos deputados trabalhistas que mais se têm oposto à guerra contra a nação iraquiana, Bob Marshall-Andrews, entretanto, diria: «A menção das famílias dos combatentes mortos, por parte do primeiro-ministro, pareceu-me de muito mau gosto. Aliás, todo o discurso de Blair foi uma viagem no reino da paranóia.»
3.º dia - quarta-feira
O discurso de Blair e o relativo êxito obtido ocupavam as páginas dos jornais. E o mais conservador, «The Daily Telegraph» dizia: «Goobye Gordon». Nunca em tempo algum vimos o célebre jornal apoiar um primeiro-ministro trabalhista. Também nunca vimos um primeiro-ministro «Labour» governar em tão profunda concordância de métodos e de princípios como Blair o faz relativamente à classe dirigente. Mas esta quarta-feira era o dia em que os sindicatos, unidos, apresentariam ao Congresso moções de rejeição dos mais alienados aspectos da política governamental.
Com efeito, a principal moção exigia a anulação da proposta de lançamento de Hospitais-Fundação. Os ministros blairistas reagiram mal. E John Reid chegaria ao ponto de declarar: «Como Secretário de Estado da Saúde, represento 60 milhões de pessoas. Para mim, essas pessoas são mais importantes do que quatro sindicatos.» Mas a votação em bloco por parte destes, acabaria por triunfar e o governo, apesar de toda a demagogia empregue, sairia derrotado. Tony Woodley, secretário-geral da Transport & General Workers Union, afirmou: «Com o governo de Blair, o povo trabalhador deixou de registar avanços. É preciso que o nome "Labour" volte a designar aquilo que no passado representava.»
4.º dia - quinta-feira
Cantou-se o hino da «Red Flag» (Bandeira Vermelha). Mas sem alma. Certas manchas de delegados (blairistas) não sentiam vocação para aquilo. Estão impressionados com cálculos financeiros que lhes permitam, talvez, adquirir um segundo ou terceiro carro e comprar uma casa de férias no Sul de Espanha. Designam-se a si próprios como de classe média. Mas temem aquele novo poder de que os sindicatos deram mostras no dia anterior. Na sua opinião, é essencial placar os novos «barões» sindicais. É essa, também, a opinião de Tony Blair.
Irresolvida, a situação no partido trabalhista ameaça complicar-se. É uma realidade que a maioria do povo britânico, dados os factos que se conhecem, não votará mais no «Labour», se liderado pelo actual primeiro-ministro. Assim, os trabalhistas perderão o poder. A única hipótese de continuarem na situação de principal partido nacional e na chefia do governo britânico reside na demissão de Blair e na adopção de propostas políticas menos controversas, menos de espectáculo, mais voltadas para os interesses dos trabalhadores, dos desempregados, dos excluídos, do povo em geral e para a recuperação dos serviços públicos, como os da Saúde, da Educação, dos Transportes. A luta vai recomeçar.
Um matrimónio difícil
Os Sindicatos e o Partido Trabalhista
O movimento sindical ganhou ímpeto, na Grã-Bretanha, a partir de 1851. Nessa altura, a fundação do sindicato dos mecânicos, num país profundamente industrial, deu origem ao emergir de grande uniões nacionais de trabalhadores, diferentes, segundo as profissões, mas iguais quanto aos objectivos da sua luta. A Federação dos Sindicatos dos Mineiros, a mais militante de todas elas, talvez, reforçou aquele ímpeto. A greve dos «dockers» (trabalhadores portuários), em 1889, iluminaria o espírito e a determinação do operariado quanto à grandeza da sua força sempre que unido.
Por esta altura, as ideias socialistas penetravam já todo o movimento. Mas, a partir de 1917, dirigentes sindicais comunistas começaram a distinguir-se à frente das poderosas «Unions», já tão temidas e combatidas pelo patronato e pelo imperialismo. Esses dirigentes mostraram aos trabalhadores britânicos o caminho do futuro. Mas a ilusão do Império, as múltiplas religiões e a propaganda anticomunista feroz de que os capitalistas lançaram mão, a par do uso de frequentes e brutais meios repressivos, teriam consequências desastrosas para o movimento quando, em 1926, a greve geral foi declarada em apoio dos mineiros.
Hoje, em condições diversas, os sindicatos britânicos são a força principal no seio do Partido Trabalhista. E é por isso que a reacção em peso, impulsionando com ela Tony Blair e outros trabalhistas de direita, tenta destruir aquilo que julgava não mais poder regressar após a guerra infame lançada contra os trabalhadores pelos governos Thatcher - as velhas «Trades Unions» dirigidas por novos militantes. Os sindicatos são membros do Partido. Mas, ao contrário de qualquer pessoa individual, eles possuem um voto colectivo, o chamado «block vote», tão do desagrado dos «defensores» da democracia.
O voto em bloco é igual à soma dos membros de cada sindicato que concordaram em ser, simultaneamente, membros do «Labour Party». Ora, dado que os sindicatos são a grande fonte de financiamento do partido, exigem o direito, em contrapartida, de representar nos congressos a voz dos seus membros inscritos. Mas o voto é exercido, criteriosamente. Nem toda a gente aprecia o sistema do «block vote». Por outro lado, os sindicatos não podem eleger delegados separados - uns, representando o sindicato propriamente dito, outros, na qualidade de militantes individuais. Mas enquanto os dirigentes das «unions» se acomodavam à política de Blair, a reacção calava-se. Agora, porém, porque esses leaders são outros e surgem decididos a transformar todo o panorama, chamam-lhes os novos «barões» do movimento dos trabalhadores. A verdade, porém, é que eles estão a pôr nas reivindicações e nas lutas da actualidade, uma agressividade e uma confiança nunca vistas.
A voz da História
Os trabalhistas na oposição e no governo
Desde 1869, os sindicatos lutavam para fazerem eleger ao Parlamento os seus próprios deputados. Mas, sendo poucos os eleitos, estes tinham de juntar-se aos Liberais nos trabalhos parlamentares. Caberia ao escocês Keir Hardie, a tarefa de convencer os dirigentes sindicais de que seria mais viável possuírem o seu próprio partido. Assim, em 1863, surgia o «Independent Labour Party» e, em 1906, o «Labour Party», o actual Partido Trabalhista. Apesar de vacilante, este partido aparecia, frequentemente, como terceira força entre os dois maiores - o «Tory» (conservador) e o Liberal.
As crises do capitalismo que as duas formações referidas não eram (nem são) capazes de resolver, permitiram a criação do primeiro governo «Labour», em 22.01.1924, sendo primeiro-ministro, James Ramsey MacDonald (1866-1937). Mas a campanha reaccionária contra a proposta de normalização de relações com a URSS não o poupou. A 4 de Novembro de 1924, caía o governo trabalhista que seria substituído pelo de Baldwin (Tory). Mas McDonald conseguiria voltar ao poder em 1929 quando a crise económica mais torturava o sistema. Com três milhões de desempregados em 1931 e a falência do Estado em perspectiva, o primeiro-ministro trabalhista viu-se forçado a aceitar drásticas medidas de contenção das despesas públicas e a partilhar o executivo na formação de um governo de coligação que durou até 1935. Nesse ano, Stanley Baldwin (1867-1947) e os conservadores retomaram o poder.
Durante a 2.ª Guerra Mundial, o povo britânico voltou a acreditar no seu próprio potencial e na sua capacidade para produzir alterações no sistema que o vinha explorando. Em 1945, não obstante a visível gratidão pelo trabalho e pela eloquência de Winston Churchill, o eleitorado concluiu ter chegado a hora de mudar. Liderados por Clement Attlee, os trabalhistas conseguiram uma maioria absoluta de 200 lugares na Câmara, num mandato que exigia uma viragem clara para o socialismo. Mas surgiu o sofrimento de uma nação que, desejando avançar, também adorava as «doçuras» do capitalismo. As primeiras grandes medidas entusiasmaram. Aneurin Bevan (1897-1960), histórico leader dos mineiros galeses, subscreveu as primeiras medidas de fundo socialista, como a fundação do Serviço Nacional de Saúde. Ernest Bevin (1881-1951), pelo contrário, na chefia do «Foreign Office», dirigia uma política externa reaccionária. Contradição no governo. Angústia na alma do povo.
O descrédito do governo Attlee conduziria ao regresso de Churchill (1951) e, depois, a novos executivos conservadores chefiados por Anthony Eden, Harold Macmillan e Alec Douglas-Hume. Os trabalhistas só reconquistariam o poder em 1968 quando se sentiram de novo inspirados por Harold Wilson. As forças do imperialismo, porém, nunca permitiram que o ministro da Energia, Anthony Wedgewood Benn, criasse as condições que, se levadas à prática, teriam alterado o curso da História. Harold Wilson e o seu sucessor, James Callaghan, ficaram pelo caminho. Nos anos de Margaret Thatcher, o capitalismo viveu horas de glória. Mas, como sempre, tombou no pântano que ele próprio criara. O drama do povo da Grã-Bretanha levou-o a voltar-se para Blair. Agora, a História de tantos anos começa a repetir-se nas condições que temos diante dos olhos.
1.º dia - segunda-feira, 29.09.2003
O Congresso abriu às 09.15 da manhã. Na presidência, Patricia Hewitt, hábil Secretária de Estado da Indústria. Gordon Brown, o chanceler do Tesouro, dirigiria aos delegados um importante discurso logo após o almoço. Mas no dia anterior, movimentadíssimo pela constante chegada das delegações e das personalidades, a cidade de Bournemouth onde o Congresso se realizou, assistiu a uma ruidosa e bem organizada manifestação de trabalhadores da indústria metalúrgica que vieram à bela cidade do Sul de Inglaterra manifestar o seu protesto contra as condições actuais. Alguns parlamentares consideravam que Blair poderia ser obrigado a demitir-se. E Peter Hain, leader da Câmara dos Comuns, disse: «Os nossos inimigos já notam o odor do sangue que poderá correr.» O Secretário de Estado da Saúde, John Reid, gritava: «Nós somos pela democracia!» Mas ele é o homem que mais encarniçadamente defende os Hospitais-Fundação e a entrega de muitos serviços públicos a empresas particulares. Estas aceitam a retoma dos trabalhadores ainda ao serviço, mas sem garantias para o futuro e com salários mais baixos. Alguém despejou na cara de Mr. Reid: «Então isso é que é a democracia?».
Quando Gordon Brown se levantou para iniciar o seu discurso, o Congresso ainda digeria as últimas informações fornecidas, a saber: 1 - que o Partido perdeu 150 000 membros desde 1997, sendo o número de militantes, agora, inferior a 250 000; 2 - que o número de empregos perdidos pela indústria transformadora era superior a 12 000, mensalmente. Ouviam-se, lá fora, os gritos dos trabalhadores da Rolls-Royce, da Shell, da BAE Systems, da Alstom.
Gordon Brown, repetidamente, acentuava o «governo Labour» ou o «Labour Party». Nem uma só vez mencionou o «New Labour». Muita gente o aplaudiu por isso. E disse, depois, ter havido um encontro, de facto, entre ele e Tony Blair em 1994, após a morte de John Smith, o anterior leader do partido. E que nesse encontro se assentara em que Blair serviria como primeiro-ministro em dois parlamentos após o que se demitiria para entregar a chefia a ele próprio, Gordon Brown. Estupefacção em toda a vasta sala do Congresso. Prosseguiu entre aplausos: «Na minha opinião, o que este Partido necessita, não é de um programa, mas, sim, de recuperar a sua alma.»
2.º dia - terça-feira
Ferido, mas de pé, e combativo como raramente o vimos, Tony Blair tinha o país na sua frente quando tomou a palavra. Eram 02.15 da tarde. «O povo britânico não nos perdoará», disse, «se demonstrarmos cobardia perante os desafios que se nos apresentam.» E continuou: «Na verdade, atingimos maturidade suficiente para podermos declarar que nos apresentaremos a uma nova eleição para um histórico terceiro mandato consecutivo. Mas aviso de que perderemos o poder se nos desconjuntarmos e abandonarmos o centro do panorama político nacional.» Quanto ao Iraque, disse em tom breve: «Vacilei, sim, vacilei, ao ler cartas que me foram dirigidas por famílias dos nossos soldados mortos. Continuo a dizer que não somos criados dos americanos. A lógica da nossa decisão de invadir o Iraque, está perfeitamente comprovada.» Um dos deputados trabalhistas que mais se têm oposto à guerra contra a nação iraquiana, Bob Marshall-Andrews, entretanto, diria: «A menção das famílias dos combatentes mortos, por parte do primeiro-ministro, pareceu-me de muito mau gosto. Aliás, todo o discurso de Blair foi uma viagem no reino da paranóia.»
3.º dia - quarta-feira
O discurso de Blair e o relativo êxito obtido ocupavam as páginas dos jornais. E o mais conservador, «The Daily Telegraph» dizia: «Goobye Gordon». Nunca em tempo algum vimos o célebre jornal apoiar um primeiro-ministro trabalhista. Também nunca vimos um primeiro-ministro «Labour» governar em tão profunda concordância de métodos e de princípios como Blair o faz relativamente à classe dirigente. Mas esta quarta-feira era o dia em que os sindicatos, unidos, apresentariam ao Congresso moções de rejeição dos mais alienados aspectos da política governamental.
Com efeito, a principal moção exigia a anulação da proposta de lançamento de Hospitais-Fundação. Os ministros blairistas reagiram mal. E John Reid chegaria ao ponto de declarar: «Como Secretário de Estado da Saúde, represento 60 milhões de pessoas. Para mim, essas pessoas são mais importantes do que quatro sindicatos.» Mas a votação em bloco por parte destes, acabaria por triunfar e o governo, apesar de toda a demagogia empregue, sairia derrotado. Tony Woodley, secretário-geral da Transport & General Workers Union, afirmou: «Com o governo de Blair, o povo trabalhador deixou de registar avanços. É preciso que o nome "Labour" volte a designar aquilo que no passado representava.»
4.º dia - quinta-feira
Cantou-se o hino da «Red Flag» (Bandeira Vermelha). Mas sem alma. Certas manchas de delegados (blairistas) não sentiam vocação para aquilo. Estão impressionados com cálculos financeiros que lhes permitam, talvez, adquirir um segundo ou terceiro carro e comprar uma casa de férias no Sul de Espanha. Designam-se a si próprios como de classe média. Mas temem aquele novo poder de que os sindicatos deram mostras no dia anterior. Na sua opinião, é essencial placar os novos «barões» sindicais. É essa, também, a opinião de Tony Blair.
Irresolvida, a situação no partido trabalhista ameaça complicar-se. É uma realidade que a maioria do povo britânico, dados os factos que se conhecem, não votará mais no «Labour», se liderado pelo actual primeiro-ministro. Assim, os trabalhistas perderão o poder. A única hipótese de continuarem na situação de principal partido nacional e na chefia do governo britânico reside na demissão de Blair e na adopção de propostas políticas menos controversas, menos de espectáculo, mais voltadas para os interesses dos trabalhadores, dos desempregados, dos excluídos, do povo em geral e para a recuperação dos serviços públicos, como os da Saúde, da Educação, dos Transportes. A luta vai recomeçar.
Um matrimónio difícil
Os Sindicatos e o Partido Trabalhista
O movimento sindical ganhou ímpeto, na Grã-Bretanha, a partir de 1851. Nessa altura, a fundação do sindicato dos mecânicos, num país profundamente industrial, deu origem ao emergir de grande uniões nacionais de trabalhadores, diferentes, segundo as profissões, mas iguais quanto aos objectivos da sua luta. A Federação dos Sindicatos dos Mineiros, a mais militante de todas elas, talvez, reforçou aquele ímpeto. A greve dos «dockers» (trabalhadores portuários), em 1889, iluminaria o espírito e a determinação do operariado quanto à grandeza da sua força sempre que unido.
Por esta altura, as ideias socialistas penetravam já todo o movimento. Mas, a partir de 1917, dirigentes sindicais comunistas começaram a distinguir-se à frente das poderosas «Unions», já tão temidas e combatidas pelo patronato e pelo imperialismo. Esses dirigentes mostraram aos trabalhadores britânicos o caminho do futuro. Mas a ilusão do Império, as múltiplas religiões e a propaganda anticomunista feroz de que os capitalistas lançaram mão, a par do uso de frequentes e brutais meios repressivos, teriam consequências desastrosas para o movimento quando, em 1926, a greve geral foi declarada em apoio dos mineiros.
Hoje, em condições diversas, os sindicatos britânicos são a força principal no seio do Partido Trabalhista. E é por isso que a reacção em peso, impulsionando com ela Tony Blair e outros trabalhistas de direita, tenta destruir aquilo que julgava não mais poder regressar após a guerra infame lançada contra os trabalhadores pelos governos Thatcher - as velhas «Trades Unions» dirigidas por novos militantes. Os sindicatos são membros do Partido. Mas, ao contrário de qualquer pessoa individual, eles possuem um voto colectivo, o chamado «block vote», tão do desagrado dos «defensores» da democracia.
O voto em bloco é igual à soma dos membros de cada sindicato que concordaram em ser, simultaneamente, membros do «Labour Party». Ora, dado que os sindicatos são a grande fonte de financiamento do partido, exigem o direito, em contrapartida, de representar nos congressos a voz dos seus membros inscritos. Mas o voto é exercido, criteriosamente. Nem toda a gente aprecia o sistema do «block vote». Por outro lado, os sindicatos não podem eleger delegados separados - uns, representando o sindicato propriamente dito, outros, na qualidade de militantes individuais. Mas enquanto os dirigentes das «unions» se acomodavam à política de Blair, a reacção calava-se. Agora, porém, porque esses leaders são outros e surgem decididos a transformar todo o panorama, chamam-lhes os novos «barões» do movimento dos trabalhadores. A verdade, porém, é que eles estão a pôr nas reivindicações e nas lutas da actualidade, uma agressividade e uma confiança nunca vistas.
A voz da História
Os trabalhistas na oposição e no governo
Desde 1869, os sindicatos lutavam para fazerem eleger ao Parlamento os seus próprios deputados. Mas, sendo poucos os eleitos, estes tinham de juntar-se aos Liberais nos trabalhos parlamentares. Caberia ao escocês Keir Hardie, a tarefa de convencer os dirigentes sindicais de que seria mais viável possuírem o seu próprio partido. Assim, em 1863, surgia o «Independent Labour Party» e, em 1906, o «Labour Party», o actual Partido Trabalhista. Apesar de vacilante, este partido aparecia, frequentemente, como terceira força entre os dois maiores - o «Tory» (conservador) e o Liberal.
As crises do capitalismo que as duas formações referidas não eram (nem são) capazes de resolver, permitiram a criação do primeiro governo «Labour», em 22.01.1924, sendo primeiro-ministro, James Ramsey MacDonald (1866-1937). Mas a campanha reaccionária contra a proposta de normalização de relações com a URSS não o poupou. A 4 de Novembro de 1924, caía o governo trabalhista que seria substituído pelo de Baldwin (Tory). Mas McDonald conseguiria voltar ao poder em 1929 quando a crise económica mais torturava o sistema. Com três milhões de desempregados em 1931 e a falência do Estado em perspectiva, o primeiro-ministro trabalhista viu-se forçado a aceitar drásticas medidas de contenção das despesas públicas e a partilhar o executivo na formação de um governo de coligação que durou até 1935. Nesse ano, Stanley Baldwin (1867-1947) e os conservadores retomaram o poder.
Durante a 2.ª Guerra Mundial, o povo britânico voltou a acreditar no seu próprio potencial e na sua capacidade para produzir alterações no sistema que o vinha explorando. Em 1945, não obstante a visível gratidão pelo trabalho e pela eloquência de Winston Churchill, o eleitorado concluiu ter chegado a hora de mudar. Liderados por Clement Attlee, os trabalhistas conseguiram uma maioria absoluta de 200 lugares na Câmara, num mandato que exigia uma viragem clara para o socialismo. Mas surgiu o sofrimento de uma nação que, desejando avançar, também adorava as «doçuras» do capitalismo. As primeiras grandes medidas entusiasmaram. Aneurin Bevan (1897-1960), histórico leader dos mineiros galeses, subscreveu as primeiras medidas de fundo socialista, como a fundação do Serviço Nacional de Saúde. Ernest Bevin (1881-1951), pelo contrário, na chefia do «Foreign Office», dirigia uma política externa reaccionária. Contradição no governo. Angústia na alma do povo.
O descrédito do governo Attlee conduziria ao regresso de Churchill (1951) e, depois, a novos executivos conservadores chefiados por Anthony Eden, Harold Macmillan e Alec Douglas-Hume. Os trabalhistas só reconquistariam o poder em 1968 quando se sentiram de novo inspirados por Harold Wilson. As forças do imperialismo, porém, nunca permitiram que o ministro da Energia, Anthony Wedgewood Benn, criasse as condições que, se levadas à prática, teriam alterado o curso da História. Harold Wilson e o seu sucessor, James Callaghan, ficaram pelo caminho. Nos anos de Margaret Thatcher, o capitalismo viveu horas de glória. Mas, como sempre, tombou no pântano que ele próprio criara. O drama do povo da Grã-Bretanha levou-o a voltar-se para Blair. Agora, a História de tantos anos começa a repetir-se nas condições que temos diante dos olhos.