Comentário

A biodiversidade e a UE

As Nações Unidas proclamaram 2010 como o Ano Internacional da Biodiversidade. A Comissão Europeia, que em 2001 fixou o objectivo de «travar a perda de biodiversidade até 2010», reconhece hoje que a UE «não irá alcançar o seu objectivo» e que «a biodiversidade global está gravemente ameaçada, com perdas que ocorrem a uma taxa 100 a 1000 vezes superior à taxa normal». Como consequência, antevê perdas significativas a nível económico, de bem-estar social e de qualidade de vida das populações.

Bi­o­di­ver­si­dade e eco­nomia

A biodiversidade pode ser entendida como a enorme diversidade que o mundo vivo encerra, englobando as suas várias escalas de organização. Habitualmente, associa-se o termo à variedade de espécies existentes à face da Terra – uma das dimensões da biodiversidade. Mas o conceito é mais amplo, incluindo também, entre outras, a variedade de genes (também chamada diversidade genética, suporte da anterior, é a «matéria-prima» sobre a qual actua a evolução biológica) ou a diversidade de ecossistemas – o nível mais amplo de organização do mundo vivo, que engloba a diversidade de organismos, de funções ecológicas por estes desempenhadas e de habitats.
A economia, não obstante as confusões e diversões ideológicas que frequentemente ocultam esta sua acepção, pode ser entendida como a forma como a sociedade se organiza para, através da acção transformadora exercida sobre a Natureza – ou seja, através do trabalho humano – satisfazer, melhor ou pior, as necessidades humanas.
Entre uma e outra existe um vínculo evidente: a satisfação de muitas necessidades humanas – alimentação, água e ar limpos, abrigo (do vestuário às construções), energia ou medicamentos, entre outras – depende directa ou indirectamente da biodiversidade; por outro lado, a forma como a sociedade se organiza não deixa de influenciar a Natureza em geral (de que somos parte integrante) e a biodiversidade em particular.
O tipo de relação que o homem tem vindo a estabelecer com a Natureza, no quadro da formação económica e social dominante – o capitalismo, vem ameaçando e destruindo a biodiversidade e, dessa forma, comprometendo a prazo a possibilidade de satisfação das referidas necessidades. Por isso dizemos que não há «desenvolvimento sustentável» com o capitalismo.
Na União Europeia – pela sua natureza e objectivos uma construção do capitalismo – é evidente a contradição entre as repetidas (mas inconsequentes) declarações de intenção sobre a preservação da biodiversidade e as políticas sectoriais que se vêm promovendo.
A PAC, a política agrícola comum, por exemplo, ao longo dos anos, promoveu o abandono de modos de produção extensivos, compatíveis com a preservação da biodiversidade nas zonas rurais, nalguns casos mesmo potenciadores dessa biodiversidade. Provocou a despovoação e desertificação dessas zonas e a concentração de população nas zonas urbanas, gerando desequilíbrios territoriais e colocando uma enorme pressão sobre determinados ecossistemas e, consequentemente, sobre a biodiversidade. Por outro lado, esta mesma PAC, promoveu uma intensificação da produção noutras regiões, favorecendo modelos exportadores intensivos, muitas vezes em regime de monocultura, empobrecendo a biodiversidade animal, vegetal e do solo.
A política comercial (que é hoje uma «competência exclusiva» da UE, usurpada que foi à esfera dos Estados) acentua estes efeitos. A liberalização e desregulação do comércio mundial que tem vindo a ser preconizada pela UE, tende a conferir uma dimensão planetária ao fenómeno acima descrito. Vejam-se as pressões para reclamar novas áreas de cultivo a ecossistemas naturais, como florestas e zonas húmidas, em países tropicais, ao mesmo tempo que noutros países (como Portugal) antigas áreas de cultivo extensivo ficam ao abandono, criando pasto para incêndios.

Me­didas ne­ces­sá­rias

Para inverter esta situação são necessárias políticas agrícolas e comerciais que reconheçam o direito de cada país e de cada povo a produzir, favorecendo modelos de produção promotores não apenas da biodiversidade mas também da soberania e segurança alimentares. Igualmente, são necessárias acções específicas dirigidas à conservação da biodiversidade, seja através de programas como o LIFE+ (alvo de cortes injustificáveis nos últimos orçamentos comunitários), seja através de instrumentos como a Rede Natura 2000, assegurando um efectivo financiamento comunitário dirigido às áreas classificadas, que há muito está por concretizar. Para além de avanços no conhecimento sobre o funcionamento dos ecossistemas, sobre a biodiversidade e os mecanismos que a promovem ou ameaçam.


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