Hipátias do nosso tempo

Luísa Araújo (Membro do Secretariado)
Não são queimadas na ágora (*) nem sujeitas ao Mar­telo das Bruxas (**) as mulheres do nosso tempo, mas o desenvolvimento histórico e social em geral está longe de reconhecer, respeitar e potenciar a inteligência, a capacidade produtiva e criativa e o papel da mulher na sociedade.

As po­lí­ticas e as prá­ticas são de­ter­mi­nantes para a igual­dade

Viveu em Ale­xan­dria, no Egipto, a as­tró­noma, ma­te­má­tica e fi­ló­sofa Hi­pátia (370 – 415 d.c.). Foi re­co­nhe­cida como a prin­cipal mente da es­cola fi­lo­só­fica ne­o­pla­tó­nica de Ale­xan­dria. De­fendeu a se­pa­ração entre os as­suntos re­li­gi­osos e a ad­mi­nis­tração do Es­tado. Foi cru­el­mente as­sas­si­nada por cris­tãos fa­ná­ticos, os pa­ra­bo­lani, se­gui­dores do Bispo Ci­rilo. Os re­gistos mais an­tigos de mu­lheres vol­tadas para as prá­ticas as­tro­nó­micas re­montam a 6000 anos a.c.(1), o que não cau­sará ad­mi­ração já que a as­tro­nomia é tida como a ci­ência mais an­tiga de que se tem co­nhe­ci­mento. Na An­ti­gui­dade e na Idade Média as mu­lheres li­gadas à as­tro­nomia eram as­so­ci­adas a bruxas, sendo a mai­oria delas con­de­nadas e quei­madas vivas. A pro­pó­sito de Hi­pátia, Odete Santos pu­blicou re­cen­te­mente o livro «A Bruxa Hi­pátia (o cé­rebro tem sexo?)»,(2) que pre­tende que seja um livro pela li­ber­dade de pen­sa­mento, um livro pelo co­nhe­ci­mento contra todas as ideias obs­cu­ran­tistas. A au­tora, bem nossa co­nhe­cida, fez um livro sobre mu­lheres, como ela pró­pria re­fere, in­ves­tigou e apro­fundou as­pectos ci­en­tí­ficos e dá-nos con­tri­butos para aná­lises no plano so­cial, po­lí­tico e ide­o­ló­gico. Afirma: Têm sur­gido su­ces­si­va­mente te­o­rias apre­go­ando as di­fe­renças do cé­rebro entre ho­mens e mu­lheres, ten­tando jus­ti­ficar as de­si­gual­dades entre ho­mens e mu­lheres, mas que também serve para jus­ti­ficar as di­fe­renças entre brancos e ne­gros, entre ho­mos­se­xuais e he­te­ros­se­xuais, dando como jus­ti­fi­cação as di­fe­renças bi­o­ló­gicas, pre­ci­sa­mente aquelas que não de­sa­pa­recem e per­pe­tuam as de­si­gual­dades para toda a vida. O livro de Odete Santos fala de mu­lheres que se des­ta­caram no co­nhe­ci­mento ci­en­tí­fico. Faz uma abor­dagem muito séria e expõe si­tu­a­ções que tocam o ri­dí­culo. Por exemplo «”Oh! Eu pen­sava que vós éreis um homem”, ex­clamou o cé­lebre fí­sico Er­nest Ruther­ford quando en­con­trou pela pri­meira vez Lise Meitner (1878-1969), a mu­lher que teve um papel im­por­tante na des­co­berta da fissão nu­clear». (3)

Um es­tí­mulo à aná­lise Este livro é um es­tí­mulo à aná­lise sobre a dis­cri­mi­nação da mu­lher nas áreas ci­en­tí­ficas e dá-nos uma im­por­tante sis­te­ma­ti­zação da sub-re­pre­sen­tação das mu­lheres nas res­pec­tivas car­reiras – acen­tuada no âm­bito das ci­ên­cias exactas –, são des­mon­tadas te­o­rias que atri­buem a fac­tores ge­né­ticos a ex­pli­cação para a re­du­zida par­ti­ci­pação das mu­lheres nas ci­ên­cias e en­ge­nha­rias e é re­a­fir­mado que as po­lí­ticas e as prá­ticas são de­ter­mi­nantes para a igual­dade de opor­tu­ni­dades e de re­a­li­zação do ser hu­mano. Ao apre­sentar o livro, Luísa Mota, Pre­si­dente da As­so­ci­ação de Bol­seiros de In­ves­ti­gação Ci­en­tí­fica (ABIC), co­loca-o também como um alerta para este sector de mu­lheres sobre a sua si­tu­ação es­pe­cí­fica no quadro da dis­cri­mi­nação, da qual nem sempre elas pró­prias terão a cons­ci­ência. Quanto à baixa re­pre­sen­tação de mu­lheres nas áreas da en­ge­nharia, da fí­sica e da ma­te­má­tica, e ao su­bli­nhar que as ra­pa­rigas optam mais pelas áreas das le­tras e das hu­ma­ni­dades mas também pelas ci­ên­cias li­gadas à na­tu­reza e às ques­tões hu­manas e so­ciais, co­locou a in­ter­ro­gação se as mu­lheres re­pro­duzem na vida pro­fis­si­onal o que para a so­ci­e­dade e para elas pró­prias é ex­pec­tável – tratar dos ou­tros? Esta in­ves­ti­ga­dora con­firma que o con­texto po­lí­tico, eco­nó­mico, so­cial e cul­tural de­ter­mina a re­a­li­dade. A po­lí­tica para a ci­ência e a in­ves­ti­gação re­flecte-se na re­du­zida con­tra­tação la­boral dos in­ves­ti­ga­dores, si­tu­ação que é agra­vada no caso das mu­lheres. Su­blinha ainda que a car­reira ci­en­tí­fica é muito ab­sor­vente e a ma­ter­ni­dade leva nor­mal­mente a hi­atos no tra­balho das in­ves­ti­ga­doras, cujos co­legas ho­mens, não sendo su­jeitos a este tipo de li­mi­ta­ções, têm opor­tu­ni­dade de avançar nos seus tra­ba­lhos e mais ra­pi­da­mente atingir o topo da car­reira. Cabe aqui chamar a atenção para um es­tudo da Eu­ro­fond, de 2007, e dados do Mi­nis­tério do Tra­balho e da So­li­da­ri­e­dade So­cial que de­mons­tram que a dis­cri­mi­nação re­mu­ne­ra­tória a que a mu­lher por­tu­guesa está su­jeita é tanto maior quanto mais ele­vada é a sua es­co­la­ri­dade e tanto maior ainda quanto mais ele­vada é a sua qua­li­fi­cação. Eu­génio Rosa, a partir de qua­dros de pes­soal das em­presas e do ganho médio de uma mu­lher em Por­tugal, apre­senta-nos cál­culos dos so­bre­lu­cros ob­tidos pelos pa­trões – mais 6,8 mi­lhões de euros/​ano – através da dis­cri­mi­nação pro­fis­si­onal e sa­la­rial das mu­lheres tra­ba­lha­doras. Fi­camos com a in­ter­ro­gação: qual é a quota parte desta ex­plo­ração sobre as tra­ba­lha­doras das áreas ci­en­tí­ficas e qua­dros su­pe­ri­ores? É ilusão se estas mu­lheres, porque atin­giram este nível no mer­cado de tra­balho, se con­si­deram acima da dis­cri­mi­nação na car­reira, na pro­fissão, no sa­lário, na so­ci­e­dade. A luta eman­ci­pa­dora da mu­lher, parte in­te­grante da luta contra a po­lí­tica de di­reita, também é a luta delas.

(*) A prin­cipal praça pú­blica nas ci­dades da Grécia An­tiga
(**) Guia para a In­qui­sição julgar as bruxas
(1) Ro­naldo Mourão. Portal do As­tró­nomo.
(2) Pá­gina a Pá­gina – Di­vul­gação do Livro SA, Fe­ve­reiro 2010
(3) “At­trac­ting Women to Sci­ence”, Ec­site Bul­letin, Eu­ro­pean col­la­bo­ra­tive for Sci­ence, In­dustry and Te­ch­no­logy Exi­bi­tions, nº39, 1999, p. 10



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Cavaco e a juventude


É indisfarçável o desconforto que as comemorações da Revolução de Abril causam ao Presidente da República. Não é caso único: basta ver o chorrilho de disparates e provocações que os representantes dos partidos da política de direita disseram no Parlamento este ano. Nada que nos surpreenda: os ideais, o projecto e as conquistas de Abril são o oposto dos seus interesses e é por isso natural que os pretendam esconder e diminuir.
Neste seu quinto discurso na sessão solene do 25 de Abril, Cavaco Silva voltou a dar largas às suas «preocupações» com a juventude. Em 2006 questionava-se sobre o sentido a dar à «efeméride», segundo ele gasta e nada motivadora. Em 2007 referia-se às comemorações como «um ritual que já diz pouco» à juventude. Em 2008 indignava-se com a «ignorância» dos jovens sobre a história de Portugal. Em 2010, referindo-se aos três milhões de portugueses nascidos depois de 1974 que «vêem a democracia como um dado adquirido», alerta: «a injustiça social cria sentimentos de revolta, sobretudo quando lhe está associada a ideia de que não há justiça igual para todos».
Cavaco Silva sabe que a política de direita praticada pelo PS, PSD e CDS, com o alto patrocínio do grande capital, piorou muito a situação da juventude. Sabe que a taxa de abandono escolar era de mais de 36% em 2007, que as propinas aumentaram 425% entre 1997 e 2009, que 60% dos jovens trabalhadores têm um contrato de trabalho precário, que cerca de 20% dos desempregados têm menos de 25 anos.
Mas também sabe que milhares de estudantes do ensino secundário e do superior se manifestaram neste ano lectivo, que são cada vez mais os jovens trabalhadores a participar nas acções de luta, que entre 2004 e 2008 foram cerca de 45 mil os jovens que se sindicalizaram em sindicatos da CGTP-IN. E sabe que muitos milhares de jovens participaram nas comemorações populares do 25 de Abril em todo o país, desmentindo com a sua presença e a sua alegria todas as teses sobre «rituais gastos e passadistas».
É porque o grande capital sabe isto tudo que Cavaco avisa sobre os «sentimentos de revolta» e que se dedicam tantos esforços à ofensiva ideológica contra os jovens. Não vão eles querer Abril de novo...

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