Igreja, crise capitalista e visita do Papa

Jorge Messias

São três dados his­tó­ricos que, em­bora não pa­reça, se en­tre­laçam no nosso ac­tual quo­ti­diano: a Igreja como com­po­nente so­cial, a su­per­crise ca­pi­ta­lista que tende a fugir a qual­quer con­trolo e uma banal vi­sita de um Papa que pode vir a ga­nhar ou­tros con­tornos.

Como se sabe, é a Igreja que, a partir da sua es­tru­tu­ração, su­gere ao sis­tema ca­pi­ta­lista ac­tual o es­quema da sua or­ga­ni­zação po­lí­tica. A Igreja, tal como o ca­pi­ta­lismo, in­voca raízes éticas, fala uma lin­guagem me­ta­fí­sica mas pro­cura na prá­tica o lucro ime­diato e a qual­quer preço. Tal como acon­tece com todos os sis­temas ca­pi­ta­listas.

Foi assim que a Igreja en­ri­queceu co­lada a es­tru­turas de poder cada vez mais fe­rozes e também, cada vez mais opu­lentas. As re­gras da ética po­lí­tica tornam-se ma­leá­veis e contam com o be­ne­plá­cito da Igreja. Ao longo dos tempos – desde a Re­con­quista até aos fi­nais dos fi­nais do sé­culo XIX – tudo se mos­trou fa­vo­rável à ex­pansão uni­versal destes três prin­ci­pais par­ceiros: a Igreja, o ca­pital e o poder. De­pois, com o de­sen­vol­vi­mento sis­te­má­tico das ci­ên­cias, o apro­fun­da­mento dos mé­todos ma­te­ri­a­listas e di­a­léc­ticos, a vi­tória so­ci­a­lista num grande país do mundo como era a Rússia cza­rista e com a de­sa­gre­gação dos grandes im­pé­rios co­lo­niais, todo o pa­no­rama mun­dial se trans­formou ra­di­cal­mente. Ainda assim, ca­pi­ta­lismo e Igreja pu­deram re­cu­perar o con­trolo da nova si­tu­ação, para eles alar­mante. Man­tinha-se porém, a nível con­fes­si­onal, uma questão de fundo, hoje já pra­ti­ca­mente ine­xis­tente no mundo ca­tó­lico – que é mais im­por­tante para o crente: ter fé e agir de acordo com a sua pró­pria cons­ci­ência moral e po­lí­tica ou curvar-se e obe­decer ce­ga­mente aos in­te­resses da Igreja do Papa? As mul­ti­dões menos es­cla­re­cidas, é claro que es­co­lhiam li­ne­ar­mente a fé e a obe­di­ência. Quanto às hi­e­rar­quias, adop­taram as mesmas po­si­ções mas es­con­deram-nas por de­trás das pa­la­vras. Devia pro­curar con­jugar-se a fé com a te­o­logia; e aceitar-se, si­mul­ta­ne­a­mente, o sa­grado prin­cípio da obe­di­ência ao papa. Fazia-se de novo, ino­vava-se, sob con­dição de tudo ficar tal como es­tava.

Desta forma, ao longo de muitas dé­cadas, mi­lhões de seres hu­manos con­ti­nu­aram amar­rados aos seus jugos an­ces­trais. E assim con­tinua a ser. A men­sagem que re­cebem é a de um Deus que lhes pro­mete fé, es­pe­rança e ca­ri­dade... a con­cre­tizar mais tarde, no Pa­raíso!


As águas es­tag­nadas


Se é ver­dade que as crises cí­clicas sempre acom­pa­nharam a his­tória do ca­pi­ta­lismo, é não menos certo que nos tempos mo­dernos e ac­tuais elas têm sido cada vez mais nu­me­rosas, ga­nhando novos con­tornos e di­mi­nuindo os in­ter­valos entre si.

A crise que vi­vemos (si­mul­ta­ne­a­mente crise fi­nan­ceira, eco­nó­mica e de va­lores) não é com­pa­rável a muitas ou­tras crises. An­te­cipa uma ca­tás­trofe global nunca vista. E não surgem me­zi­nhas mi­la­grosas que lhe acudam. Esta su­per­crise gera, como nas es­cle­roses, uma gi­rân­dola de novas crises. A ban­car­rota final de­senha-se, cada vez mais ni­ti­da­mente, nas so­ci­e­dades con­ver­tidas ao ca­pi­ta­lismo.

Nestes ce­ná­rios de super-crise mun­dial, os go­vernos ca­pi­ta­listas li­mitam-se a co­piar me­ca­ni­ca­mente as re­ceitas já usadas por ou­tros go­vernos ca­pi­ta­listas, em tempos an­te­ri­ores, para com­ba­terem crises muito menos graves. Que­bram a moeda, au­mentam os im­postos, vendem o pa­tri­mónio ao des­ba­rato, ex­tin­guem ou in­vi­a­bi­lizam di­reitos po­pu­lares já con­quis­tados, em­prestam a juros cada vez mais altos, numa pa­lavra, nor­teiam-se pelo prin­cípio in­fle­xível: «Nos bons ve­lhos tempos, en­gor­dámos muito bem... Agora que venha o povo, a cá­fila dos tontos, e pague a crise!».

Assim, esta vinda a Por­tugal de Bento XVI, pode ser en­ten­dida em três ní­veis in­ter­li­gados: dois deles se­cun­dá­rios e um outro es­sen­cial. O pri­meiro é um grito de alarme. A Igreja pre­cisa ur­gen­te­mente de ma­qui­lhar as suas fe­ridas. Os es­cân­dalos re­li­gi­osos li­garam-se aos crimes fi­nan­ceiros das bolsas e da banca. O pres­tígio da igreja en­trou em der­ra­pagem. Pre­cisa-se de um mi­lagre.

O outro nível, por ri­dí­culo que pa­reça, de­sen­volve-se a nível do co­mércio miúdo. A Igreja deve lu­crar o má­ximo com gastos mí­nimos. Acu­mular, acu­mular, acu­mular, con­tinua a ser uma linha de rumo, a «regra de oiro» da pre­sença cristã no mundo. Neste sen­tido, o papa não re­jeita opor­tu­ni­dades: desde o ne­gócio dos mi­cro­fones em oiro aos ca­dei­rais se­te­cen­tistas, às dá­divas das Fun­da­ções e das em­presas, à par­tilha das «es­molas» com as ONG e as IPSS, aos «di­a­bó­licos» lu­cros dos jogos de azar das Santas Casas, a lista não tem fim. O Papa dá lucro.

Mas o fun­da­mental destas di­gres­sões con­siste no re­forço das re­la­ções que unem a Igreja Ca­tó­lica e o sis­tema ca­pi­ta­lista. Re­pre­sentam um mútuo se­guro de vida.



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