Comentário

O programa

João Ferreira

Re­solveu a Co­missão dos As­suntos Eu­ro­peus da As­sem­bleia da Re­pú­blica levar a cabo, na pas­sada se­mana, uma au­dição par­la­mentar sobre «O Pro­grama de Tra­balho da Co­missão Eu­ro­peia para 2010». Na dita – à luz do que diz ser «o es­pí­rito do Tra­tado de Lisboa» – con­vidou a par­ti­ci­parem os de­pu­tados das as­sem­bleias re­gi­o­nais dos Açores e da Ma­deira e os de­pu­tados por­tu­gueses no Par­la­mento Eu­ropeu. O pre­si­dente da re­fe­rida Co­missão, também co­nhe­cido por ser o pro­vedor das em­presas de tra­balho tem­po­rário, ex­plica, gar­boso: «com o Tra­tado de Lisboa os par­la­mentos na­ci­o­nais passam a fazer parte da fo­to­grafia da cons­trução eu­ro­peia».

Na mesa, di­ri­gindo os tra­ba­lhos, para além da vi­ta­lina pre­sença já men­ci­o­nada, es­tavam o se­cre­tário de Es­tado dos As­suntos Eu­ro­peus e o di­rector-geral do Ga­bi­nete de Con­se­lheiros Po­lí­ticos da Co­missão Eu­ro­peia, a quem coube apre­sentar o Pro­grama – cu­nhado com o pe­remp­tório sub­tí­tulo «chegou o mo­mento de agir».

Trans­cor­rido que foi quase meio 2010, nem por isso o de­bate ca­rece de opor­tu­ni­dade, já que o Pro­grama se as­sume como sendo para 2010 – ano que, assim se lê logo na pri­meira pá­gina, «marca o início de uma nova era para a União Eu­ro­peia» – mas também para os anos que se lhe se­guirão, aliás tal como a «es­tra­tégia» que o ins­pira, a su­ces­sora da «Es­tra­tégia de Lisboa» – a «Eu­ropa 2020».

Or­ga­ni­zado em quatro ver­tentes e re­cheado com mais de três de­zenas de «ini­ci­a­tivas es­tra­té­gicas», não é pos­sível nestas breves li­nhas abordar todo o seu con­teúdo, pelo que nos fi­ca­remos, por agora, por dois ou três breves apon­ta­mentos. Convém to­davia dizer que muito do que ali consta tem tido pre­sença re­gular nesta co­luna. Não apenas nestes meses que le­vamos já de 2010, mas desde há vá­rios anos. E aqui re­side a pri­meira di­fi­cul­dade em es­crever sobre o as­sunto: a sen­sação que re­sulta do pe­noso exer­cício de as­sistir à exi­bição re­pe­tida de um mesmo filme, com os mesmos pro­ta­go­nistas, o mesmo guião e a mesma so­frível qua­li­dade.

Tal como há dez anos, a re­tó­rica so­cial e am­bi­ental, os flo­re­ados de «ino­vação e co­nhe­ci­mento», or­na­mentam li­nhas, pa­rá­grafos in­teiros, e en­feitam os dis­cursos a pro­pó­sito. Mas como então, também agora, os reais ob­jec­tivos, a agenda pura e dura a con­cre­tizar, não pre­cisam de ser lidos nas en­tre­li­nhas, sendo em boa me­dida enun­ci­ados de forma clara e inequí­voca no do­cu­mento:

– A «con­so­li­dação or­ça­mental» a todo o custo, a in­tran­si­gente ri­gidez do Pacto de Es­ta­bi­li­dade e Cres­ci­mento, a «nova go­ver­nação eco­nó­mica» – ou seja, uma in­to­le­rável afronta à de­mo­cracia e à so­be­rania dos povos, mais um salto fe­de­ra­lista, de con­tornos e con­teúdo ainda não ab­so­lu­ta­mente es­cla­re­cidos, mas que in­dicia desde já um con­trolo férreo das grandes po­tên­cias e do grande ca­pital eu­ropeu, através dos seus pro­lon­ga­mentos ins­ti­tu­ci­o­nais, sobre as op­ções or­ça­men­tais na­ci­o­nais – o mesmo é dizer, sobre as op­ções po­lí­ticas que estas tra­duzem;

– A «mo­bi­li­dade da mão-de-obra», em es­pe­cial dos jo­vens tra­ba­lha­dores, com a cri­ação de um mer­cado único de tra­balho (ob­jec­tivo que en­contra as suas raízes em Ma­as­tricht e que se pro­cura agora apro­fundar), seg­men­tado e fle­xível, co­lo­cando em com­pe­tição tra­ba­lha­dores com es­ta­tutos so­ciais e con­di­ções de vida e de tra­balho muito di­versos, for­çando um ni­ve­la­mento por baixo, ou seja, cri­ando me­lhores con­di­ções de ex­plo­ração da força de tra­balho;

– O «apro­fun­da­mento do mer­cado único», na energia, nos trans­portes, entre ou­tros sec­tores. A par de duas ou­tras rei­vin­di­ca­ções an­tigas do grande pa­tro­nato eu­ropeu: a «apli­cação in­te­gral da Di­rec­tiva Ser­viços» e a «re­visão da di­rec­tiva re­la­tiva ao tempo de tra­balho» – ou seja, mais ata­ques aos ser­viços pú­blicos e mais ame­aças de re­gressão ci­vi­li­za­ci­onal no que aos di­reitos dos tra­ba­lha­dores diz res­peito;

– O «apro­fun­da­mento da agenda co­mer­cial da Eu­ropa», ou seja, o apro­fun­da­mento da des­re­gu­lação e li­be­ra­li­zação do co­mércio mun­dial, en­ca­rado não numa ló­gica de com­ple­men­ta­ri­dade mas de com­pe­tição, be­ne­fi­ci­ando a «vo­cação ex­por­ta­dora» de al­gumas grandes po­tên­cias e de sec­tores im­por­ta­dores da grande dis­tri­buição eu­ro­peia, mas co­lo­cando acres­cida pressão sobre os sis­temas pro­du­tivos mais dé­beis e agra­vando, desde modo, as­si­me­trias e de­pen­dên­cias na­ci­o­nais.

Pe­rante tudo isto, o go­verno por­tu­guês, através do re­fe­rido se­cre­tário de Es­tado pre­sente na sessão, afirma que «o Pro­grama iden­ti­fica cor­rec­ta­mente o ca­minho a per­correr»…

Por tudo isto e por muito mais, o pro­testo, a re­sis­tência e a luta são a res­posta ne­ces­sária a esta po­lí­tica de ab­di­cação e de traição na­ci­onal. E o pri­meiro e de­ci­sivo passo para a con­cre­ti­zação de um ca­minho e de um rumo al­ter­na­tivos.



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