Multidões nas cerimónias fúnebres do escritor comunista

Saramago, a luta continua!

 Nos di­versos passos da ho­me­nagem que cons­ti­tuiu o fu­neral de José Sa­ra­mago, o Prémio Nobel da Li­te­ra­tura, acla­mado por mul­ti­dões de amigos e ca­ma­radas que en­ten­deram a men­sagem da sua obra de es­critor com­pro­me­tido com a sua época e com as lutas tra­vadas pelos tra­ba­lha­dores da sua Pá­tria, o grito de «Sa­ra­mago, a luta con­tinua!» co­briu pro­to­colos e deu uma ver­da­deira di­mensão, que per­du­rará, da li­gação po­pular aos seus li­vros.

 

Pela sua vida per­passa o ideal de um pro­ta­go­nista de Abril

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 Cravos ver­me­lhos, todos sim­bo­li­zando a luta pela li­ber­dade e a li­ber­dade con­quis­tada, re­cortes de jor­nais e de re­vistas, li­vros, a ban­deira do PCP, sus­ten­tada pelas mãos dos seus ca­ma­radas que não vergam. Foi assim que muitos mi­lhares de pes­soas se des­pe­diram, do­mingo, no Alto de São João, em Lisboa, de José Sa­ra­mago, Prémio Nobel da Li­te­ra­tura, mi­li­tante co­mu­nista desde 1969, Par­tido que ele quis que fosse o seu até ao fim da sua vida.

«Sa­ra­mago, a luta con­tinua!», foi a frase mais gri­tada por todos aqueles que se con­cen­traram junto à en­trada do cre­ma­tório. Um clamor de vozes que foi cres­cendo. «O Sa­ra­mago não tinha medo das pa­la­vras», dizia um entre muitos que ali se en­con­travam. Pre­sentes, es­ti­veram ainda vá­rios es­cri­tores, ar­tistas plás­ticos, mú­sicos, o Pri­meiro-mi­nistro e vá­rios di­ri­gentes po­lí­ticos, com des­taque para a co­mi­tiva do PCP com­posta por Je­ró­nimo de Sousa, Vasco Car­doso, Ar­mindo Mi­randa, Carlos Car­va­lhas, Carlos Gon­çalves, Do­mingos Abrantes, Ma­nuela Ber­nar­dino, José Ca­pucho, Ale­xandre Araújo, Ma­nuela Pinto Ângelo. No local en­con­travam-se ainda José Luis Cen­tella, Se­cre­tário-geral do Par­tido Co­mu­nista de Es­panha, Cayo Lara, Co­or­de­nador da Es­querda Unida, acom­pa­nhado por res­pon­sá­veis de Or­ga­ni­zação e de im­prensa.

De­pois de en­cer­radas as portas, re­ser­vando o es­paço para a fa­mília e os amigos, con­ti­nuou-se a ouvir, du­rante mais de 20 mi­nutos, os aplausos e ou­tras pa­la­vras sen­tidas: «Sa­ra­mago, amigo, o povo está con­tigo».

Pros­se­guir o seu ideal

Pa­la­vras de luto, que se ini­ci­aram logo pela manhã, no Salão Nobre dos Paços do Con­celho de Lisboa, onde o corpo do Prémio Nobel, fa­le­cido na sexta-feira, aos 87 anos de idade, na Ilha de Lan­za­rote, es­teve em câ­mara ar­dente.

«Per­mitam-me que vos trans­mita, em par­ti­cular a Pilar del Rio e a toda a sua fa­mília, o sen­ti­mento de perda par­ti­lhado por muitos mi­lhares de ca­ma­radas do meu Par­tido no mo­mento da morte do ca­ma­rada José Sa­ra­mago. Deixou-nos de luto, a nós e ao povo por­tu­guês, em par­ti­cular ao povo tra­ba­lhador de onde veio, a quem amou e foi fiel», afirmou, na oca­sião, Je­ró­nimo de Sousa, que des­tacou o «es­critor» pela «sua vasta e sin­gular obra li­te­rária» que «deu à língua por­tu­guesa e a todos os povos que a falam um Prémio Nobel, com tudo o que ele sig­ni­ficou de re­co­nhe­ci­mento in­ter­na­ci­onal, de ad­mi­ração entre os tra­ba­lha­dores da cul­tura, um pouco por todo o mundo, trans­for­mando-se num em­bai­xador da cul­tura e da nossa língua».

«A sua obra e os seus prin­ci­pais dis­po­si­tivos nar­ra­tivos - um tipo de frase dita a vá­rios, a ex­pressão ino­va­dora de um ritmo oral na es­crita, um nar­rador que não se li­mitou a narrar mas a par­ti­cipar ac­ti­va­mente, a res­ti­tuir a his­tória àqueles que são ig­no­rados muitas vezes pela his­to­ri­o­grafia ofi­cial, o seu ques­ti­o­na­mento, o seu es­panto e in­dig­nação face às mul­ti­fa­ce­tadas opres­sões no tempo que vi­vemos - são marcas im­pres­sivas do seu com­pro­misso ético e po­lí­tico que, até ao fim da vida, o uniu aos ex­plo­rados e opri­midos. Usando e de­sen­vol­vendo a sua obra para fazer hu­manos todos os sen­tidos do homem, pela sua vida per­passa o ideal de um pro­ta­go­nista de Abril, que en­con­trou no seu Par­tido, no PCP, que quis que fosse o seu até ao fim da sua vida, um ideal mais avan­çado», con­ti­nuou.

«Um homem que acre­ditou nos ho­mens»

O Se­cre­tário-geral do PCP sa­li­entou, de igual forma, que José Sa­ra­mago «foi mais» do que «só um es­critor maior da língua por­tu­guesa», «foi um homem que acre­ditou nos ho­mens, mesmo quando os ques­ti­o­nava, que deu ex­pressão con­creta à afir­mação de Bento de Jesus Ca­raça da aqui­sição da cul­tura como um factor de con­quista de li­ber­dade».

«José Sa­ra­mago sabia que a sua obra e a sua luta se­riam sempre algo ina­ca­bado. Mas que tinha va­lido a pena. Valeu sim! É por isso que, para além do sen­ti­mento da perda, lhe fa­zemos uma ho­me­nagem sin­cera que não se que­dará neste dia e neste ano da sua morte, fa­zendo-o como me­lhor sa­bemos fazer: pros­se­guindo o seu ideal», frisou.

Após os dis­cursos, que foram trans­mi­tidos na te­le­visão, nas rá­dios e num ecrã gi­gante no ex­te­rior do edi­fício, onde se con­cen­travam cen­tenas de pes­soas anó­nimas, a vi­o­lon­ce­lista Irene Lima, que en­ver­gava um ves­tido ver­melho de Pilar del Rio, usado no dia em que José Sa­ra­mago re­cebeu o Nobel, in­ter­pretou as peças «Sa­ra­banda» - o «Canto dos Pás­saros» de Bach. Mar­caram ainda pre­sença o Rancho dos Cam­pinos de Azi­nhaga e a Banda Fi­lár­mó­nica da Azi­nhaga, terra natal do es­critor.



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