A sobrevivência do clube popular

A. Mello de Carvalho

Os di­ri­gentes e téc­nicos que tra­ba­lham nos clubes po­pu­lares são os pri­meiros a re­ferir a crise de­vido às cons­tantes di­fi­cul­dades com que se de­frontam na sua acção. Ou­tros re­ferem que o as­so­ci­a­ti­vismo, tal como o co­nhe­cemos, é coisa do pas­sado, con­de­nada a de­sa­pa­recer por in­ca­pa­ci­dade de adap­tação à so­ci­e­dade ac­tual.

Os pri­meiros têm, cer­ta­mente, toda a razão, e os se­gundos po­derão ter al­guma. Al­guns destes ele­mentos per­tencem a uma cor­rente de pen­sa­mento que de­fende, ainda que nunca ex­pli­ci­ta­mente, a ex­tinção de todos os clubes que não possam (ou não queiram) so­bre­viver por si pró­prios ou in­te­grar-se no pro­cesso de mer­cado de con­sumo.

O Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo en­contra-se, assim, numa po­sição di­fícil, quer por esta úl­tima razão, quer porque, pela sua pró­pria na­tu­reza e vo­cação, não pode so­bre­viver por si pró­prio em muitas si­tu­a­ções. Po­demos, por exemplo, pensar na si­tu­ação de um clube criado numa al­deia do in­te­rior do País com al­gumas cen­tenas de ha­bi­tantes. Po­demos, ainda, pensar num pe­queno clube de bairro po­pular, de uma grande ou média ci­dade, super po­voada, mas em que os seus ha­bi­tantes têm baixa ca­pa­ci­dade eco­nó­mica e ne­ces­sitam de res­posta a pro­blemas es­sen­ciais para o seu bem estar, o pre­en­chi­mento sadio do seu tempo livre a par­ti­ci­pação res­pon­sável na vida da co­mu­ni­dade.

Nestes, em que a sua so­bre­vi­vência é pro­ble­má­tica de­vido às ca­rac­te­rís­ticas das po­pu­la­ções e da sua acção, como jus­ti­ficar a sua so­bre­vi­vência? A res­posta a esta questão passa pela de­fi­nição das fun­ções que o clube de­sem­penha nestas si­tu­a­ções.

Quer num, quer noutro caso, mas es­pe­ci­al­mente no pri­meiro, o clube po­pular cons­titui o único local de ex­pressão e re­so­lução de al­gumas das ne­ces­si­dades de ca­rácter so­cial e o nível ini­cial de vida de­mo­crá­tica. Além disso é, na grande mai­oria das si­tu­a­ções, o único local de par­ti­ci­pação dos in­di­ví­duos num pro­jecto comum e de re­lação cri­a­tiva com a cul­tura sob qual­quer das suas formas. A con­clusão é que a pre­sença do clube po­pular, quer nestas si­tu­a­ções que apre­sen­támos com a fi­na­li­dade de cla­ri­ficar me­lhor o que deve ser ana­li­sado, quer, de uma forma geral, em re­lação a muitos ou­tros clubes é o ga­rante do apro­fun­da­mento da ci­da­dania local, da de­mo­cracia e da luta contra a in­jus­tiça so­cial, na co­mu­ni­dade local.

Isto é vá­lido para todos os clubes po­pu­lares. Sa­bemos que não é acon­se­lhável falar do «clubes» como en­ti­dade abs­tracta e ge­ne­ra­li­zada. Os clubes des­por­tivos po­pu­lares podem di­vidir-se em di­fe­rentes ca­te­go­rias, uns de­sem­pe­nhando ple­na­mente aquelas fun­ções, ou­tros não.

Quer isto dizer que o de­sa­pa­re­ci­mento de qual­quer um da­queles clubes, cons­ti­tuirá uma perda ir­re­pa­rável para a vida so­cial, cul­tural e des­por­tiva, e um em­po­bre­ci­mento pro­fundo da vida das po­pu­la­ções. Mas, pre­ci­sa­mente porque de­sem­pe­nham sempre aquelas fun­ções, de uma forma mais ou menos eficaz, é com­pre­en­sível que sejam ata­cados por aqueles que não as aceitam de boa mente.

É im­por­tante com­pre­ender que existem forças so­ciais que se opõem à exis­tência destes “corpos in­ter­mé­dios” porque são in­có­modos, rei­vin­di­ca­tivos e exi­gindo di­nheiros do Or­ça­mento de Es­tado para o de­sem­penho das suas fun­ções. Em suma, põem em causa a visão do­mi­nante da de­mo­cracia re­pre­sen­ta­tiva por de­le­gação, pro­cu­rando es­tru­turar um pro­cesso com­ple­mentar da de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva.

Desta forma é man­tido o clima so­cial que pos­si­bi­lita o alar­ga­mento cons­tante do es­pec­tá­culo des­por­tivo, e a uti­li­zação do des­porto em be­ne­fício do ca­pital. O clube des­por­tivo po­pular de­sem­penha, neste grande mo­vi­mento, um papel es­sen­cial pois não só as­sume o ca­rácter de ins­ti­tuição re­pro­du­tora desta ide­o­logia, como se res­pon­sa­bi­liza pela or­ga­ni­zação e a «ali­men­tação» da pró­pria prá­tica em todos os seus ní­veis.

A ati­tude do Es­tado em re­lação a esta si­tu­ação é clara: ou o Mo­vi­mento As­so­ci­a­tivo aceita e se adapta a esta pers­pec­tiva, ou… está con­de­nado a morrer. Re­ti­rando-lhe todo o apoio, de­fen­dendo a ló­gica em­pre­sa­rial li­beral e mon­tando uma vasta ope­ração de pro­pa­ganda, o Es­tado co­loca em cheque o as­so­ci­a­ti­vismo.

Nisto tudo há uma grande es­que­cido: a po­pu­lação. No fundo é ela que jus­ti­fica a acção do clube. Mas a sa­tis­fação das suas ne­ces­si­dades, a res­posta aos seus in­te­resses, a li­qui­dação das de­si­gual­dades e da se­gre­gação so­cial, não cons­ti­tuem pre­o­cu­pa­ções para as novas téc­nicas de gestão em­pre­sa­rial. De facto, o que se pre­tende é subs­ti­tuir a efi­cácia so­cial do ser­viço pú­blico, pela efi­cácia fi­nan­ceira da gestão do clube ao ser­viço do ca­pital pri­vado. É im­pedir o de­sen­vol­vi­mento de um pro­cesso de in­ter­venção ac­tiva do ci­dadão na vida do clube e, por ex­tensão, da co­mu­ni­dade.

Quer isto dizer que a uti­li­zação das mo­dernas tec­no­lo­gias e mé­todos de gestão devem ser ba­nidos do fun­ci­o­na­mento dos clubes po­pu­lares? Evi­den­te­mente que não! De­fender tal po­sição é con­dená-lo a não se re­novar e a im­pedir a sua ade­quação às ne­ces­si­dades do nosso tempo. Mas, umas e ou­tros devem ser co­lo­cados ao ser­viço das po­pu­la­ções com a fi­na­li­dade de pro­mover a re­vi­go­ração da di­nâ­mica so­cial e a es­tru­tu­ração da nova «ci­da­dania» de que tanto se fala.



Mais artigos de: Argumentos

O canto viciado

Um destes dias pudemos ouvir na TV uma jovem intérprete de fados, ou sobretudo de fados, a cantar uma canção de José Afonso. Não foi nada de raro e muito menos de escandaloso: há muito que as canções de José Afonso são interpretadas por gente das...

Aí está a 72.ª Volta a Portugal!

Começou esta semana a 72.ª Volta a Portugal em bicicleta, uma prova desportiva com grande popularidade – e tradição - no nosso País, que geralmente mobiliza multidões a acorrer a todos os percursos, para ver e aplaudir os atletas que passam. A edição deste...

O meu amigo Kralisch

Para o meu velho amigo Kralisch, que há tanto tempo não vejo Elsterwerda – Alemanha Eu e o Kralisch já éramos amigos há anos, porque ele vendia e eu comprava máquinas de ordenha mecânica da RDA. Essas máquinas tinham um bom êxito no mercado...

Despachos I

O despacho final do Ministério Público (MP) no inquérito ao licenciamento do Freeport não detectou a existência de crimes de corrupção e de tráfico de influências, mas, segundo o Público, «deixa claro que não se sabe qual foi o destino de...