Oh Sr. Doutor!!!

Francisco Mota

Para aqueles que se en­ri­quecem com as coisas novas

 Nunca a co­mida ja­po­nesa, e so­bre­tudo o tão ba­da­lado sushi, foi para mim fonte de prazer. Talvez porque nunca o tenha co­mido bem feito e com bons in­gre­di­entes. O que comi eram ro­li­nhos de arroz em­bru­lhando pe­da­ci­nhos de salmão e ou­tros peixes de aviário, ali­men­tados com fa­ri­nhas e cheios de an­ti­bió­ticos. E por essas coisas e ou­tras dou­tras formas, mas igual­mente ba­ratas, pedem um di­nheirão e o cli­ente tem que se sentir como nos te­le­filmes de Nova Iorque, feliz e mo­derno, e sem se lem­brar que a mai­oria da­queles in­tér­pretes não sabe comer.

Foi por­tanto com sur­presa que na RDA dos anos oi­tenta, com muro de Berlim tão te­le­vi­sado, ouvi o meu amigo Kra­lisch anun­ciar-me que vamos nesse dia a um res­tau­rante ja­ponês. Lá fomos. O sítio fi­cava na Tu­ríngia a mais de uma hora de carro e che­gámos a uma linda al­deia, no meio de um bosque, que era fa­mosa por fazer ar­tís­ticas es­pin­gardas de caça que ex­por­tava para todo o mundo.

Sa­bíamos que nos íamos en­con­trar com uns con­vi­dados da minha em­presa que tra­ba­lhavam como En­ge­nheiros Téc­nicos Agrá­rios aju­dando co­o­pe­ra­tivas de entre Douro e Mon­dego. A todos lhes cha­má­vamos ETAs para nos rirmos un pouco.

Che­gámos, ba­temos à porta, abriram com um largo sor­riso, pas­sámos e o dono disse-nos, mos­trando um quarto com ar­má­rios in­di­vi­duais: Dispam-se aqui to­tal­mente e de­pois po­nham um ki­mono e calcem umas san­dá­lias. Não havia al­ter­na­tiva. Ves­ti­di­nhos com os ki­monos pas­sámos a uma sala onde já es­tavam os ou­tros por­tu­gueses e uma de­zena de ale­mães e ale­moas (como diz o meu amigo Vila).

O dono apa­receu, também de ki­mono, e falou do Japão e da sua co­mida, mos­trou slides e todos per­ce­bemos qual era a sua paixão. Ia lá pelo menos uma vez por ano. Co­me­çaram a trazer umas mal­gui­nhas com sopa e massa, uma va­ri­e­dade in­crível de ro­li­nhos e pra­ti­nhos de cores va­ri­adas e bo­nitas. Cada novo ali­mento era ex­pli­cado, com de­talhe. Era in­te­res­sante, apesar da ca­pa­ci­dade de co­mu­ni­cação com os ale­mães ser mí­nima em pa­la­vras e ampla em sor­risos.

De­pois de umas duas horas, sen­tados numas ca­deiras bai­xi­nhas mas con­for­tá­veis, o dono pediu que o acom­pa­nhás­semos. Fomo-nos le­van­tando por grupos, fi­cando eu, o Kra­lisch e algum por­tu­guês para trás. No fim lá fomos também. Disse o chefe: deixem aqui os ki­monos e as san­dá­lias, passem pelo duche e vão para a pis­cina. Ou seja: todos como vi­emos ao mundo.

Fui o pri­meiro dos úl­timos. O pes­soal go­zava com ri­si­nhos ner­vosos. O gordo Kra­lisch saltou com os seus cento e pico quilos e es­va­ziou boa parte da pis­cina. A água es­tava quente, mais de 30 graus, e toda a gente es­tava sen­tada num re­bordo que havia ao redor da pis­cina, de forma que só fi­cava de fora a ca­beça. Assim ta­pavam-se as ver­go­nhas pes­soais. Dos ale­mães havia umas seis mu­lheres, duas das quais lindas, per­feitas, cân­didas e que não te­riam feito 25 anos. Era para elas que os en­ver­go­nhados olhares dos por­tu­gueses da Bair­rada se di­ri­giam fu­gaz­mente. Pas­sados uns vinte mi­nutos umas me­ninas (ves­tidas) dão a cada pessoa um flute com cham­pagne alemão (sekt). Todos brin­dámos. O calor da água co­me­çava a ser de­ma­siado e uma se­nhora duns cin­quenta anos de­cidiu sentar-se na borda da pis­cina. Foi imi­tada pelas duas lindas jo­vens, com ale­gria no olhar e sem sombra de ver­gonha. Algum por­tu­guês mais des­te­mido se­guiu a ideia e pouco a pouco todos fomos fa­zendo o mesmo.

No lado oposto ao meu es­tava um ETA, re­tor­nado de An­gola, que eu tinha visto ter pavor de olhar para al­guém, ele pró­prio in­cluído. Nisto vejo que co­meça a andar ao longo da pis­cina, de olhos muito abertos na minha di­recção, e quando chegou à minha frente abriu ainda mais os olhos e diz-me com voz quase so­lu­çante: Oh Sr. Doutor! Eu agora chego lá à minha terra, conto isto e nin­guém acre­dita!!!

Sem es­perar res­posta deu meia volta e voltou ao seu sítio, sem ter co­ragem de olhar para as duas be­le­zi­nhas tão lindas que es­tavam a dois me­tros dele.



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