Conter os incêndios florestais?

Assim é que não

Entre o que ficou por fazer e o que foi mal feito, num con­texto de po­lí­ticas que acen­tu­aram o aban­dono da agri­cul­tura e a de­ser­ti­fi­cação de muitas re­giões, os pro­blemas cau­sados pela po­lí­tica de di­reita nos úl­timos 30 anos não foram ven­cidos pelas boas in­ten­ções de­cla­radas após as ca­tás­trofes de 2003 e 2005.

O Es­tado aban­donou a flo­resta

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Aos jor­na­listas foram in­di­cados por Agos­tinho Lopes vá­rios exem­plos de como as po­ten­ci­a­li­dades não foram de­sen­vol­vidas, os alertas foram ig­no­rados e o es­sen­cial não foi feito. De­fendeu que, no fun­da­mental, trata-se de pro­blemas de des­pesa pú­blica. As res­tri­ções or­ça­men­tais notam-se mesmo no dis­po­si­tivo de pre­venção e com­bate aos in­cên­dios flo­res­tais.

Como re­sul­tado das po­lí­ticas se­guidas, o Es­tado re­tirou-se da flo­resta, fora do pe­ríodo de in­cên­dios. Foi li­qui­dado o corpo efec­tivo de 1500 guardas-flo­res­tais, que es­tava sob tu­tela do Mi­nis­tério da Agri­cul­tura e que, nos anos de 2003 e 2005 já tinha sido re­du­zido a 400 ou 500. Em 2006 os guardas-flo­res­tais foram in­te­grados na GNR, com pro­blemas ainda hoje por re­solver, e pas­saram para a tu­tela do Mi­nis­tério da Ad­mi­nis­tração In­terna.

A re­dução do nú­mero de tra­ba­lha­dores, pela não con­tra­tação e pela «mo­bi­li­dade es­pe­cial», acabou com ser­viços do Mi­nis­tério da Agri­cul­tura para a flo­resta.

A pró­pria Au­to­ri­dade Flo­restal Na­ci­onal está muito fra­gi­li­zada.

Por outro lado, o Go­verno passou res­pon­sa­bi­li­dades para as câ­maras mu­ni­ci­pais, sem ga­rantir que estas te­riam os meios e as verbas cor­res­pon­dentes.

 

PRODER
a zero

 

Há uma total au­sência de in­ves­ti­mentos na flo­resta no quadro do PRODER (Pro­grama de De­sen­vol­vi­mento Rural 2007-2013). Se o quadro geral deste pro­grama é de um enorme atraso, a si­tu­ação na flo­resta é um de­sastre: não há um pro­jecto apro­vado nem um con­tra­tu­a­li­zado. Na flo­resta não foi in­ves­tido nem um euro do PRODER!

Foi de­tec­tado um obs­tá­culo de monta, que con­tribui para este re­sul­tado: a ele­vada com­par­ti­ci­pação fi­nan­ceira exi­gida a quem re­corre ao pro­grama. Na dis­cussão do Or­ça­mento do Es­tado, o PCP apre­sentou pro­postas para au­mentar as con­tra­par­tidas na­ci­o­nais. Mas, em vez do re­forço ne­ces­sário, até o que es­tava já or­ça­men­tado tem vindo a ser re­du­zido.

A si­tu­ação com o Fundo Flo­restal Per­ma­nente (30 mi­lhões de euros/​ano) não é me­lhor. A maior parte das suas do­ta­ções tem sido «des­viada» de uma apli­cação di­recta na flo­resta (tem ido para o su­porte de ser­viços e ac­ti­vi­dades flo­res­tais dos mu­ni­cí­pios e ad­mi­nis­tração cen­tral), a par de um cró­nico atraso no pa­ga­mento de in­ves­ti­mentos re­a­li­zados (pro­jectos de 2008).

Re­la­ti­va­mente às Zonas de In­ter­venção Flo­restal (ZIF), o Go­verno vai en­chendo a boca com a área flo­restal for­mal­mente já abran­gida (500 a 600 mil hec­tares), mas é in­capaz de in­formar quantas ZIF já têm uma in­ter­venção real no or­de­na­mento e gestão flo­restal ac­tiva. E o mais grave é que não tomou as me­didas de apoio ne­ces­sá­rias ao seu de­sen­vol­vi­mento no ter­reno. Se não houver ra­pi­da­mente um salto qua­li­ta­tivo no apoio às ZIF, po­de­remos chegar a uma si­tu­ação pior do que a que se vivia antes de ser de­ci­dida a sua cons­ti­tuição, alertou Agos­tinho Lopes.

Em ma­téria de Ca­dastro Flo­restal, ins­tru­mento im­pres­cin­dível à con­cre­ti­zação de qual­quer po­lí­tica flo­restal, o Go­verno anun­ciou um pro­jecto-pi­loto, en­vol­vendo 7 con­ce­lhos e um in­ves­ti­mento de 15 mi­lhões de euros. Ora, a Es­tra­tégia Na­ci­onal para as Flo­restas (ENF, apro­vada pelo Go­verno em Se­tembro de 2006) previa que o Ca­dastro Flo­restal das áreas bal­dias e das áreas in­te­gradas em ZIF es­ti­vesse re­a­li­zado até final de 2009 e con­cluído em 2013 - o que sig­ni­fi­caria in­ves­ti­mentos de cen­tenas de mi­lhões de euros, e não de de­zena e meia.

 

Com­bate sem meios

 

As con­sequên­cias das res­tri­ções or­ça­men­tais notam-se até no quadro do dis­po­si­tivo de pre­venção e com­bate aos in­cên­dios flo­res­tais, ainda que, apa­ren­te­mente, não te­nham criado pro­blemas na efi­ci­ência. Também aqui foram apon­tados pelo PCP al­guns exem­plos bem ilus­tra­tivos, como o do GAUF (ver caixa).

Nas áreas pro­te­gidas, as ca­rên­cias em meios e re­cursos hu­manos per­ma­necem, no­me­a­da­mente quanto a vi­gi­lantes da na­tu­reza e vi­a­turas de pri­meira in­ter­venção. Como ex­pres­siva ma­ni­fes­tação deste quadro de ca­rên­cias, é apon­tado o facto de, já em plena Fase Bravo (de 15 de Maio a 30 de Junho, na de­fi­nição dos pe­ríodos de pre­vi­sível pe­rigo e pron­tidão dos meios) o se­cre­tário de Es­tado do Am­bi­ente ter in­for­mado ofi­ci­al­mente que... ti­nham sido abertos con­cursos para a con­tra­tação de mais vi­gi­lantes e ti­nham sido apre­sen­tadas can­di­da­turas ao QREN para a aqui­sição de vi­a­turas!

O Parque Na­ci­onal do Douro In­ter­na­ci­onal este todo o ano de 2009 sem um único vi­gi­lante da na­tu­reza e sem qual­quer vi­a­tura de pri­meira in­ter­venção.

No Parque Na­ci­onal da Pe­neda-Gerês, as dez vi­a­turas es­tavam todas ava­ri­adas. Por falta de di­nheiro para um filtro, um tractor ficou pa­rado; re­sol­vida a compra do filtro, parou por falta de di­nheiro para ga­sóleo.

Nos sec­tores sob tu­tela do Mi­nis­tério da Ad­mi­nis­tração In­terna, avulta o atraso no re­e­qui­pa­mento dos Bom­beiros com vi­a­turas de com­bate (há cerca de duas mil a ne­ces­sitar de subs­ti­tuição), en­quanto con­ti­nuam por en­tregar muitas das 95 novas vi­a­turas pro­me­tidas em 2007.

Como caso mais pa­ra­dig­má­tico foram re­al­çadas as co­mu­ni­ca­ções. O SI­RESP (Sis­tema In­te­grado de Redes de Emer­gência e Se­gu­rança de Por­tugal, que de­veria ser a rede na­ci­onal única de te­le­co­mu­ni­ca­ções, em tec­no­logia di­gital, para voz, dados e imagem, li­gando a ge­ne­ra­li­dade dos ser­viços pú­blicos que têm in­ter­venção em se­gu­rança, emer­gência, pro­tecção e so­corro) con­tinua a deixar de fora os corpos de bom­beiros e os ser­viços mu­ni­ci­pais de Pro­tecção Civil.

 

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O in­crível caso do GAUF

 

Em 2006 foi criado o GAUF, Grupo de Aná­lise e Uso do Fogo, com o ob­jec­tivo de in­tro­duzir um maior grau de tec­ni­ci­dade e co­nhe­ci­mento na es­tra­tégia de com­bate aos fogos flo­res­tais. É um grupo cons­ti­tuído por téc­nicos jo­vens, al­ta­mente qua­li­fi­cados e cre­den­ci­ados no uso e com­por­ta­mento do fogo, uma es­pe­ci­a­li­zação única ou quase única a nível eu­ropeu. Mas tem vi­vido uma per­ma­nente ins­ta­bi­li­dade con­tra­tual com o Es­tado, porque os mi­nis­té­rios da Ad­mi­nis­tração In­terna e da Agri­cul­tura não estão a con­tratar.

Es­ti­veram em re­gime de re­cibos verdes, no seio da Di­recção-Geral dos Re­cursos Flo­res­tais. Houve al­turas em que es­ti­veram sem re­ceber. Em 2009, pas­saram a uma si­tu­ação de em­presa pres­ta­dora de ser­viços, con­tra­tada pela Au­to­ri­dade Flo­restal Na­ci­onal e Au­to­ri­dade Na­ci­onal de Pro­tecção Civil. Ainda a 15 de Junho, des­co­nhe­ciam o seu fu­turo no DECIF 2010 (Dis­po­si­tivo Es­pe­cial de Com­bate a In­cên­dios Flo­res­tais), aca­bando por ser con­tra­tados até 17 de No­vembro. Ainda hoje ig­noram o que vai ser o seu fu­turo de­pois desta data.

Para o PCP, não é acei­tável tal si­tu­ação de ins­ta­bi­li­dade e de­veria ser ga­ran­tida a con­tra­tação destes pro­fis­si­o­nais no quadro da Ad­mi­nis­tração Pú­blica.



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É possível conter os fogos

Me­lho­rias no dis­po­si­tivo de com­bate aos in­cên­dios flo­res­tais com­provam que, como o PCP de­fendeu, é pos­sível travar este fla­gelo. Mas esse ca­minho está por fazer, as res­tri­ções or­ça­men­tais vão em sen­tido in­verso e o Go­verno foge às suas res­pon­sa­bi­li­dades, ten­tando aliviá-las para o calor e para actos ne­gli­gentes ou do­losos. Na acção po­lí­tica geral e na in­ter­venção ins­ti­tu­ci­onal, os co­mu­nistas vão con­ti­nuar a pri­vi­le­giar as res­postas aos pro­blemas es­tru­tu­rais da flo­resta por­tu­guesa e a luta por outra po­lí­tica agrí­cola.