Efeito borboleta

Anabela Fino

Longe vão os tempos em que Ca­vaco Silva, então pri­meiro-mi­nistro, cau­sava in­veja às mi­nis­te­riais bar­rigas do seu exe­cu­tivo e de­mais pro­e­mi­nentes ven­tres de certa classe po­lí­tica re­gis­tando para a pos­te­ri­dade a es­ca­lada ao co­queiro. O agora pre­si­dente con­tinua es­cor­rido de carnes, mas seja porque lhe pesem os anos ou a res­pon­sa­bi­li­dade do cargo deixou-se de tais aven­turas. Quanto a Só­crates, apesar de não dis­pensar uma cor­ri­dinha hi­gié­nica onde quer que vá, de­vi­da­mente acom­pa­nhado pelo seu sé­quito de mi­nis­tros, as­ses­sores e câ­maras de te­le­visão, acusa de ano para ano o peso das res­pon­sa­bi­li­dades go­ver­na­tivas no evi­dente ar­ren­dondar de formas e na perda da­quele passo cheio de elas­ti­ci­dade de que tanto pa­recia fazer gala. Ossos do ofício que devem con­viver mal – é da hu­mana na­tu­reza – com a per­sis­tência de al­guns que, sabe-se lá por que malas artes, dão cartas na ma­téria. É o caso, por exemplo, de Putin – ac­tual pri­meiro-mi­nistro e an­tigo pre­si­dente russo – que não só pa­rece ter feito um pacto com o diabo para manter uma in­ve­jável forma fí­sica, como ainda por cima sabe pi­lotar he­li­cóp­teros e, diz-se, apagar fogos, para além de ter pas­sado com dis­tinção na ca­deira de mar­ke­ting po­lí­tico. A sua imagem de chefe-de-go­verno-pi­loto-bom­beiro correu mundo e não deixou nin­guém in­di­fe­rente. Ca­vaco e Só­crates não es­ca­param ao efeito me­diá­tico e fi­zeram o que era su­posto fazer pe­rante ta­manho im­pacto: in­ter­rom­peram por umas horas as suas fé­rias vá-para-fora-cá-dentro para par­ti­ci­parem na úl­tima sexta-feira numa reu­nião de tra­balho no Co­mando Na­ci­onal de Ope­ra­ções de So­corro da Au­to­ri­dade Na­ci­onal da Pro­tecção Civil.

A ini­ci­a­tiva partiu de Ca­vaco, que avi­sa­da­mente alertou de vés­pera as re­dac­ções para a im­por­tante ini­ci­a­tiva que ia levar a cabo, a saber, que subia do Al­garve à ca­pital para se in­formar «com mais por­menor» sobre o com­bate aos fogos. Uma hora mais tarde – os ser­viços de in­for­mação levam o seu tempo – era a vez de o pri­meiro-mi­nistro anun­ciar que acom­pa­nharia a pre­si­den­cial vi­sita com o ti­tular da pasta da Ad­mi­nis­tração In­terna, Rui Pe­reira.

Ah, grande Putin, que com o seu exemplo con­se­guiu pôr em mo­vi­mento, cá na ponta da Eu­ropa, não uma, mas duas fi­guras de Es­tado! Con­se­guiu com o seu gesto o que não con­se­guiram duas ví­timas mor­tais e mais de três de­zenas de fe­ridos (só este mês há re­gisto de 25 fe­ridos, além dos dois mortos – a bom­beira Jo­sefa Santos, de Lou­rosa, e o chefe João Pombo, de Al­co­baça.), re­gis­tados no com­bate aos in­cên­dios que desde o início de Junho de­vastam o País, e que de acordo com os dados di­fun­didos no final da se­mana pelo Sis­tema Eu­ropeu de In­for­mação de Fogos Flo­res­tais (EFFIS) já con­su­miram mais de 68 000 hec­tares. Con­se­guiu ainda que Ca­vaco se di­ri­gisse aos por­tu­gueses, antes de re­gressar ao Al­garve, para dizer que o dis­po­si­tivo de com­bate aos in­cên­dios «está em con­di­ções de res­ponder às ocor­rên­cias que podem surgir», o que di­a­ri­a­mente os pró­prios des­mentem, e que Só­crates dis­sesse ter fi­cado com uma «ideia tran­qui­li­za­dora» da si­tu­ação.

Não é à toa que se diz que um es­pirro em Wall Street pode pro­vocar uma pneu­monia na Eu­ropa ou que um bater de asas de uma bor­bo­leta na China pode causar um fu­racão na Amé­rica.



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