Os mineiros do Chile

Vasco Cardoso

Trinta e três mineiros estão encurralados há três semanas no fundo de uma mina no Chile a 700 metros de profundidade, em condições de grande pressão física e psicológica.

Um «inquérito» e o «apuramento das responsabilidades» já começou mas a razão da «prisão» destes homens estará onde estão normalmente as causas de milhares de acidentes de trabalho por todo o mundo, onde a perspectiva de maximização do lucro quase sempre se sobrepõe às medidas de segurança e protecção dos trabalhadores.

As entidades oficiais avançam que, na melhor das hipóteses, serão necessários mais dois meses para que qualquer operação de resgate tenha êxito. Um sucesso garantido para as principais cadeias de televisão que se instalaram no terreno e que levam a cabo uma impressionante cobertura mediática do dia-a-dia dos mineiros, aproveitando, aliás, genuínos sentimentos de solidariedade de classe que se desenvolveram por todo o mundo.

O registo dos canais de televisão anda próximo de o de um trágico reality show, com as famílias em lágrimas, as depressões e estados de espírito vários de cada um dos mineiros, os «apoios da NASA» e as palavras de circunstância de quem, pelos vistos, actuou negligentemente em relação aos riscos a que a exploração da mina estava sujeita e que agora se apresenta de cara lavada.

Como milhares de mineiros em todo o mundo que trabalham nas entranhas da terra, numa profissão de grande impacto e desgaste físico que colocam frequentemente em risco a própria vida como esta situação revela, também estes homens só são notícia quando ou se anuncia ou se confirma uma tragédia. Afinal de contas, numa concepção e prática por parte dos media dominantes – onde a classe operária e o seu papel na sociedade é praticamente invisível enquanto as classes dominantes são diariamente promovidas – que batem certo com a desvalorização do papel do trabalho e dos trabalhadores promovida pelo próprio capitalismo.

Imagino que no horizonte mais próximo destes trinta e três mineiros esteja o momento em que voltem a ver a luz do dia e a sentir o abraço quente de quem lhes é próximo, mas recuso-me a acreditar que, mesmo nestas difíceis condições, os seus sonhos e aspirações fiquem por aí. Que à notícia da sobrevivência destes homens se juntem outras (muitas) vitórias da classe operária e dos trabalhadores em todo o mundo.

Voltem depressa, a luta continua!



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