Feito à medida

Anabela Fino

Meio cheio ou meio vazio? Mesmo sem fa­larmos de copos a res­posta de­pende ob­vi­a­mente da sede, caso o con­teúdo seja ape­te­cível, da ne­ces­si­dade, ou do es­forço a fazer quando o que há a tragar deixa amargos de boca. Seja como for é sempre uma questão de pers­pec­tiva, e nisto de pers­pec­tivas cada um tem as que pode.

Veja-se o caso de Só­crates, por exemplo. An­dava ele esta se­mana na sua afa­di­gada ta­refa de inau­gura re­gresso às aulas / des­cerra lá­pides / acena a cri­an­ci­nhas / fala para as te­le­vi­sões – não há nada como en­cerrar cen­tenas e cen­tenas de es­colas para pôr o Go­verno a vi­ajar pelo País –, an­dava o pri­meiro-mi­nistro nesta di­li­gente ac­ti­vi­dade, dizia-se, e eis que nem a pro­pó­sito lhe cai na sopa (é uma ma­neira de dizer...) o mais re­cente es­tudo da Or­ga­ni­zação para a Co­o­pe­ração e De­sen­vol­vi­mento Eco­nó­mico (OCDE) no que res­peita ao in­ves­ti­mento na Edu­cação. O do­cu­mento, que ana­lisa a si­tu­ação com base em dados de 2009, re­fere que Por­tugal não só está abaixo da média dos 31 países nesta ma­téria como a per­cen­tagem de in­ves­ti­mento do go­verno por­tu­guês em edu­cação di­mi­nuiu em re­lação ao que se re­gis­tava há 15 anos: apenas 11,6 por cento do total da des­pesa pú­blica na­ci­onal vai para a edu­cação, quando a média da OCDE se situa nos 13 por cento, sendo que essa per­cen­tagem é hoje menor do que em 1994, al­tura em que o in­ves­ti­mento era de 11,7 por cento.

Ainda de acordo com o es­tudo, o in­ves­ti­mento anual por aluno au­mentou mil euros em com­pa­ração com os dados do re­la­tório de 2008, si­tu­ando-se ac­tu­al­mente em 5200 euros, mas con­tinua abaixo da média da OCDE, que é de 6400 euros anuais por aluno.

O mesmo su­cede quando se com­para a per­cen­tagem do Pro­duto In­terno Bruto (PIB) de­di­cado por Por­tugal à Edu­cação: apenas 5,5 por cento, quando a média nos 31 países da OCDE é de 6,2 por cento.

Também no res­pei­tante à po­pu­lação adulta a si­tu­ação deixa bas­tante a de­sejar: em Por­tugal, tal como no Mé­xico, na Tur­quia e no Brasil, dois terços das pes­soas com idades entre os 25 e os 64 anos não com­ple­taram o en­sino se­cun­dário.

Este negro pa­no­rama num sector tão de­ter­mi­nante para o de­sen­vol­vi­mento na­ci­onal como é a edu­cação re­gista no en­tanto uma ex­cepção, que im­porta va­lo­rizar e que só pode pecar por tardia. Trata-se da taxa de co­ber­tura do en­sino pré-es­colar, onde, se­gundo os dados di­vul­gados, Por­tugal fica acima da média da OCDE.

A ex­cepção, no que devia ser a regra, foi quanto bastou a Só­crates para, em de­cla­ra­ções à im­prensa, tentar tapar o Sol com a pe­neira. Ig­no­rando todos os res­tantes ín­dices que nos en­ver­go­nham – e que por mai­oria de ra­zões de­viam en­ver­go­nhar o Go­verno –, Só­crates não he­sitou em con­si­derar que «estamos sem dú­vida pe­rante um feito», já que ul­tra­pas­sámos os res­tantes par­ceiros num dos sec­tores do en­sino que «tinha fi­cado para trás». Quanto à res­tante ma­téria que con­tinua a ficar para trás, nem uma pa­lavra, que cada um va­lo­riza os «feitos» à sua justa me­dida. Exac­ta­mente como quem olha para o copo e, para não ser obri­gado a re­co­nhecer que está a morrer à sede, pro­clama ufano que o tem meio cheio.



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