A permuta do Parque Mayer/Entrecampos e a burla da hasta pública

Modesto Navarro

O Tri­bunal Ad­mi­nis­tra­tivo e Fiscal de Lisboa anulou re­cen­te­mente a per­muta do ter­reno do Parque Mayer e de parte do ter­reno de En­tre­campos onde fun­ci­o­nava a Feira Po­pular. O tri­bunal anulou também a hasta pú­blica do res­tante ter­ri­tório de En­tre­campos.

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Ambos os casos de­cor­reram em 2005. Graças a um tra­balho con­junto do PSD, do PS e do CDS-PP, na Câ­mara Mu­ni­cipal, foi or­ga­ni­zada e apro­vada a fa­mosa Pro­posta n.º 36/​2005, que va­lo­ri­zava imenso a ca­pa­ci­dade de edi­fi­cação no Parque Mayer e des­va­lo­ri­zava o ter­reno de En­tre­campos, pro­por­ci­o­nando assim um óp­timo ne­gócio à Bra­ga­par­ques. De oito mi­lhões de euros, o Parque Mayer pas­sava a «valer» cin­quenta e cinco mi­lhões.

Esta pro­posta foi apro­vada na Câ­mara por aquelas forças po­lí­ticas, com o voto contra do PCP. Na As­sem­bleia Mu­ni­cipal, em 1 de Março de 2005, o Bloco de Es­querda também votou a favor do me­mo­rável ne­gócio e con­certo po­lí­tico. Vo­taram contra a pro­posta o PCP e Os Verdes.

Pelo meio das duas vo­ta­ções, apa­receu uma ex­celsa e mal ama­nhada carta da Bra­ga­par­ques, di­ri­gida ao pre­si­dente da Câ­mara, Eng.º Car­mona Ro­dri­gues, que deu se­gui­mento a tal en­ge­nharia de ma­nobra, en­vi­ando uma fo­to­cópia da carta, através da sua chefe de ga­bi­nete, ao ad­junto do então pre­si­dente da As­sem­bleia Mu­ni­cipal.

E o que dizia a carta? Que a Bra­ga­par­ques es­tava de acordo com a Pro­posta n.º 36/​2005 e que iria usar o di­reito de pre­fe­rência numa se­guinte hasta pú­blica do ter­reno re­ma­nes­cente de En­tre­campos… Foi assim, com esta «in­fan­ti­li­dade» e esta es­per­teza que vi­nham lá de Braga e que, pro­va­vel­mente, já te­riam dado re­sul­tado nou­tras ci­dades.

A fo­to­cópia da carta foi des­pa­chada apenas para dar co­nhe­ci­mento aos re­pre­sen­tantes dos grupos mu­ni­ci­pais e à co­missão de acom­pa­nha­mento das ques­tões re­la­ci­o­nadas com o Parque Mayer. Nada tinha a ver com a Pro­posta n.º 36/​2005 e, por isso, não foi dis­tri­buída aos de­pu­tados mu­ni­ci­pais. A Câ­mara Mu­ni­cipal não pre­ci­sara dela para aprovar a pro­posta e, no que dizia res­peito a uma hasta pú­blica que teria de ser pre­pa­rada pela Câ­mara Mu­ni­cipal, sempre à luz da le­gis­lação em vigor e do re­gu­la­mento do pa­tri­mónio mu­ni­cipal, seria in­dis­pen­sável uma nova de­cisão da Câ­mara sobre tal ma­téria e sobre qual­quer di­reito de pre­fe­rência que vi­esse a ser con­si­de­rado e sub­me­tido a de­cisão mu­ni­cipal.

Só mais tarde, três meses de­pois, em Junho desse ano, é que houve co­nhe­ci­mento pú­blico do es­cân­dalo e da vi­ga­rice da hasta pú­blica. A ope­ração, di­ri­gida por uma co­missão mu­ni­cipal pre­si­dida por um então alto res­pon­sável de ser­viços da CML, partiu da in­venção de que a As­sem­bleia Mu­ni­cipal tinha apro­vado o di­reito de pre­fe­rência para a Bra­ga­par­ques, e assim passou a pro­posta desta em­presa do 3.º para o 1.º lugar. Na acta da co­missão da hasta pú­blica que serviu de base ao golpe, uti­li­zavam o termo «in­firmou», o que até era o con­trário do que que­riam fazer passar… Uma ane­dota trá­gica de quem nem se­quer sabe por­tu­guês. Ora, três meses antes, em Março, tanto no re­la­tório ela­bo­rado em sede de Co­missão de Acom­pa­nha­mento do Parque Mayer como na dis­cussão na As­sem­bleia Mu­ni­cipal, não houve uma só pa­lavra sobre tal di­reito de pre­fe­rência, nem a questão es­tava, nem podia estar, em aná­lise.

Sobre este as­sunto, o pre­si­dente da As­sem­bleia Mu­ni­cipal propôs de ime­diato ao pre­si­dente da Câ­mara, o então re­gres­sado San­tana Lopes, que a ope­ração da hasta pú­blica fosse sus­pensa. Tal pro­posta que não me­receu atenção de sua ex­ce­lência e a es­cri­tura foi as­si­nada à pressa. Não houve res­peito pelos prazos le­gais, não houve de­fesa da le­ga­li­dade por parte da Câ­mara Mu­ni­cipal. Pe­rante isso, em 6 de Agosto de 2005, a As­sem­bleia Mu­ni­cipal en­viou o pro­cesso em causa para o Tri­bunal de Contas, para a Pro­cu­ra­doria Geral da Re­pú­blica e para a Ins­pecção Geral da Ad­mi­nis­tração do Ter­ri­tório.

Em 1 de Agosto de 2005, o PCP apre­sentou uma queixa junto do Mi­nis­tério Pú­blico no Tri­bunal Ad­mi­nis­tra­tivo, no sen­tido de pe­ti­ci­onar a de­cla­ração de nu­li­dade do ne­gócio da per­muta e da hasta pú­blica, e outra queixa, na Po­lícia Ju­di­ciária, por haver in­dí­cios de Ad­mi­nis­tração Da­nosa e Per­tur­bação de Ar­re­ma­tação com o ne­gócio e hasta pú­blica.

 

Cinco anos de­pois...

 

De­cor­reram cinco anos. Como tes­te­munha em dois dos pro­cessos, tive oca­sião de ve­ri­ficar que essas ma­té­rias e as que foram en­vi­adas pela As­sem­bleia fa­ziam parte dos dos­siers em aná­lise. Agora, a anu­lação da per­muta e da hasta pú­blica vem co­locar de novo sobre a mesa os enormes pre­juízos para o Mu­ni­cípio de Lisboa, desde logo nesses actos e em in­dem­ni­za­ções pagas a fei­rantes e à Fun­dação «O Sé­culo», que eram partes in­te­res­sadas da Feira Po­pular, e na des­truição de dois lo­cais em­ble­má­ticos de Lisboa que estão como se sabe.

Pre­juízos que foram e são crimes de lesa-pa­tri­mónio da ci­dade e, por isso, assim de­viam ser jul­gados de forma res­pon­sável por qual­quer tri­bunal.

A fa­lhada ten­ta­tiva de en­vol­vi­mento da As­sem­bleia Mu­ni­cipal na tão ilegal hasta pú­blica teve agora um exe­crável se­gui­mento pela mão da RTP. No Te­le­jornal de 13 de Julho, o ser­viçal «jor­na­lista» tentou mis­turar Car­mona Ro­dri­gues com o co­mu­nista Mo­desto Na­varro, no «tra­ta­mento» da anu­lação da per­muta e da hasta pú­blica, sem in­formar (mas sa­bendo) que o PCP e o então pre­si­dente da As­sem­bleia Mu­ni­cipal to­maram po­sição firme e apre­sen­taram pro­cessos em ór­gãos do Es­tado, ao con­trário da Câ­mara Mu­ni­cipal de Car­mona Ro­dri­gues, Fontão de Car­valho e ou­tros, que pre­pa­raram o im­bró­glio e o le­varam a cabo, com o apoio, o tra­balho e o en­tu­si­asmo do PSD, do PS, do CDS-PP e do Bloco de Es­querda na apro­vação da Pro­posta n.º 36/​2005.

José Al­berto de Car­valho bem pode limpar as mãos à pa­rede. O Di­rector de In­for­mação da RTP nem se­quer res­pondeu a dois pro­testos que lhe en­viámos, acom­pa­nhados de in­for­mação que bem deve co­nhecer, mas que não lhe in­te­ressa para o ver­da­deiro es­cla­re­ci­mento dos factos. Assim se perde um jor­na­lista, que se fica sos­se­ga­da­mente no si­lêncio cúm­plice, em ga­bi­nete macio e en­tor­pe­cedor. Bom pro­veito lhe faça.

Acres­cento ainda que, em re­centes de­cla­ra­ções à An­tena 1 e à LUSA, sobre a anu­lação da per­muta e da hasta pú­blica, fiz re­fe­rên­cias às queixas apre­sen­tadas pelo PCP sobre estas ma­té­rias e, tanto na­quilo que foi trans­mi­tido pela An­tena 1 e no des­pacho da LUSA, estas re­fe­rên­cias foram omi­tidas. Assim con­ti­nuam a cen­sura e o an­ti­co­mu­nismo em ór­gãos que de­ve­riam prestar ser­viço pú­blico e que estão con­tro­lados por gente que não me­rece a de­sig­nação de pro­fis­si­o­nais de in­for­mação.



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