Comunicado da Comissão Política do PCP

A Revolução Republicana de 1910 – Importante marco na história da luta libertadora do povo português

A Co­missão Po­lí­tica do Co­mité Cen­tral do PCP emitiu um co­mu­ni­cado, no dia 28, re­la­tivo ao cen­te­nário da re­vo­lução re­pu­bli­cana de 1910, que pu­bli­camos na ín­tegra.

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1. Num mo­mento em que passam cem anos sobre a Re­vo­lução Re­pu­bli­cana de 1910, o PCP su­blinha o sig­ni­fi­cado desta data en­quanto marco im­por­tante na longa ca­mi­nhada do povo por­tu­guês pela sua li­ber­tação.

A vi­tória da Re­vo­lução Re­pu­bli­cana de 1910 pôs fim a um re­gime mo­nár­quico ana­cró­nico e pa­ra­si­tário e re­a­lizou im­por­tantes pro­gressos no plano das li­ber­dades e di­reitos fun­da­men­tais, da edu­cação e da cul­tura, da lai­ci­zação do Es­tado e dotou o País de uma Cons­ti­tuição avan­çada para a época, a Cons­ti­tuição de 1911.

O PCP va­lo­riza tudo quanto de de­mo­crá­tico e pro­gres­sista foi al­can­çado e com­bate com fir­meza li­nhas de ataque re­ac­ci­o­ná­rias, que visam jus­ti­ficar o golpe mi­litar de 1926 e a ins­tau­ração do fas­cismo e o bran­que­a­mento dos seus crimes. Não é por acaso que, sob a ban­deira do 5 de Ou­tubro, ti­veram lugar im­por­tantes jor­nadas de uni­dade e re­sis­tência anti-fas­cista. Mas ao mesmo tempo re­jeita as vi­sões acrí­ticas e idí­licas do re­pu­bli­ca­nismo e da Re­pú­blica que pre­do­minam nas co­me­mo­ra­ções ofi­ciais do cen­te­nário da Re­vo­lução de 1910, re­co­nhe­cendo os li­mites desta re­vo­lução e do re­gime que im­plantou no País.

É neste quadro que, ao longo do ano, o PCP vem as­si­na­lando este acon­te­ci­mento com um va­riado con­junto de ini­ci­a­tivas ori­en­tadas para o es­cla­re­ci­mento sobre o que foi e o que efec­ti­va­mente re­pre­sentou esta re­vo­lução; que cir­cuns­tân­cias his­tó­ricas a de­ter­mi­naram; que pro­blemas e con­tra­di­ções se propôs re­solver e su­perar; que classes so­ciais nela se em­pe­nharam e aquelas que re­al­mente be­ne­fi­ci­aram com a im­plan­tação da Re­pú­blica e as po­lí­ticas do poder; o que tornou pos­sível o avanço das forças mais re­ac­ci­o­ná­rias e o triunfo, apenas 16 anos de­pois das jor­nadas his­tó­ricas de 4 e 5 de Ou­tubro, do golpe mi­litar que abriu ca­minho a quase meio sé­culo de di­ta­dura fas­cista; e como se pro­jectam nos dias de hoje as li­ções e ex­pe­ri­ên­cias da re­vo­lução.

 

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2. A re­vo­lução de 1910 cul­minou num amplo mo­vi­mento de des­con­ten­ta­mento e pro­testo po­pular em que o ideário re­pu­bli­cano, com as suas pro­messas de li­ber­dade e jus­tiça so­cial, sus­citou uma grande adesão de massas e o der­rube da Mo­nar­quia e a im­plan­tação da Re­pú­blica tornou-se um ob­jec­tivo em que con­ver­giram as as­pi­ra­ções da bur­guesia li­beral, da pe­quena bur­guesia, da classe ope­rária, das ca­madas in­ter­mé­dias da po­pu­lação ur­bana.

Por­tugal era, na vi­ragem do sé­culo XX, um país eco­no­mi­ca­mente atra­sado, es­sen­ci­al­mente agrário, com uma in­dús­tria in­ci­pi­ente, uma ele­va­dís­sima taxa de anal­fa­be­tismo, um baixo nível de vida. No campo, a grande pro­pri­e­dade la­ti­fun­diária e ab­sen­tista do Sul co­e­xistia com o pre­do­mínio da pe­que­nís­sima pro­pri­e­dade no Centro e Norte do País. Cen­tenas de mi­lhares de por­tu­gueses pro­cu­ravam na emi­gração, so­bre­tudo no Brasil, o que lhes era ne­gado no seu país. País co­lo­ni­zador, Por­tugal era si­mul­ta­ne­a­mente um país de­pen­dente, su­jeito ao do­mínio es­tran­geiro, so­bre­tudo da In­gla­terra, fac­tores que es­tran­gu­lavam o seu de­sen­vol­vi­mento. As de­gra­dantes con­di­ções de vida do povo – sa­lá­rios baixos, longas jor­nadas de tra­balho, au­sência de po­lí­ticas so­ciais – fa­ziam re­alçar a de­ca­dência e o pa­ra­si­tismo do re­gime mo­nár­quico e a exi­gência do seu der­rube. O sig­ni­fi­ca­tivo pro­cesso de in­dus­tri­a­li­zação que se ve­ri­ficou nos úl­timos anos da Mo­nar­quia, com o au­mento de uni­dades fa­bris em Lisboa, Porto e ou­tras re­giões do País, e o cres­ci­mento cor­res­pon­dente da classe ope­rária, foram acom­pa­nhados do de­sen­vol­vi­mento da luta so­cial e con­tri­buíram para a cri­ação das con­di­ções que tor­naram pos­sível o triunfo da re­vo­lução.

Cres­cen­te­mente iso­lada e de­sa­cre­di­tada, so­bre­tudo após a ver­go­nhosa ab­di­cação que con­duziu à re­volta de 31 de Ja­neiro de 1891, e in­capaz de en­frentar os graves pro­blemas eco­nó­micos e so­ciais do País, a Mo­nar­quia res­ponde com a re­pressão ao de­sen­vol­vi­mento da luta dos tra­ba­lha­dores e da opo­sição re­pu­bli­cana que, por sua vez, opta pela con­quista do poder pela força das armas. Com o de­ci­sivo apoio po­pular, a Re­pú­blica é pro­cla­mada a 4 de Ou­tubro em vá­rios mu­ni­cí­pios da re­gião de Lisboa e Margem Sul e a 5 de Ou­tubro na ca­pital. Por­tugal tor­nava-se, para honra do povo por­tu­guês, a ter­ceira Re­pú­blica da Eu­ropa.

 

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3. A Re­vo­lução Re­pu­bli­cana de 1910 teve uma forte di­mensão po­pular, triunfou graças à par­ti­ci­pação dos tra­ba­lha­dores e das po­pu­la­ções de Lisboa e Margem Sul, do Porto e ou­tros cen­tros ur­banos, e sus­citou grandes es­pe­ranças numa vida me­lhor. Os pri­meiros tempos da Re­pú­blica fi­caram mar­cados por um au­mento da ini­ci­a­tiva po­pular e, em par­ti­cular, por um as­censo do mo­vi­mento ope­rário e da luta rei­vin­di­ca­tiva dos tra­ba­lha­dores da ci­dade e dos campos do Sul. Mas su­ces­sivos go­vernos não só es­que­ceram pro­messas feitas como res­pon­deram às le­gí­timas re­cla­ma­ções dos tra­ba­lha­dores com a re­pressão e um ataque vi­o­len­tís­simo ao mo­vi­mento sin­dical, pren­dendo di­ri­gentes, en­cer­rando sin­di­catos e jor­nais ope­rá­rios, de­por­tando mi­lhares de ac­ti­vistas. En­trando ra­pi­da­mente em rota de co­lisão com o mo­vi­mento ope­rário e sin­dical, a Re­pú­blica cedo ali­enou o apoio po­pular in­dis­pen­sável para con­so­lidar o re­gime de­mo­crá­tico e en­frentar a re­acção mo­nár­quica e fas­cista, que, de­pois de vá­rias ten­ta­tivas, sempre frus­tradas pela de­ci­siva mo­bi­li­zação das massas po­pu­lares, acabou por impor uma di­ta­dura mi­litar 16 anos apenas após o triunfo da re­vo­lução.

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4. A Re­vo­lução Re­pu­bli­cana de 1910, quanto à sua na­tu­reza de classe, foi uma re­vo­lução de­mo­crá­tico-bur­guesa que cum­priu ta­refas que as re­vo­lu­ções li­be­rais de 1820 e 1834 não ha­viam com­ple­tado. Com ela as so­bre­vi­vên­cias feu­dais foram for­te­mente gol­pe­adas, a no­breza e o clero per­deram a sua po­sição do­mi­nante, que passou para a bur­guesia li­beral, re­mo­veram-se im­por­tantes obs­tá­culos ao de­sen­vol­vi­mento ca­pi­ta­lista, com­bateu-se a ig­no­rância e o obs­cu­ran­tismo, im­ple­men­taram-se re­formas po­si­tivas em re­lação à fa­mília, aos di­reitos das mu­lheres (em­bora re­cu­sando-lhe o di­reito de voto), e ou­tras.

Mas ao con­trário da Re­vo­lução de Abril, que li­quidou os mo­no­pó­lios e os la­ti­fún­dios e pôs fim às guerras co­lo­niais, a Re­vo­lução Re­pu­bli­cana foi es­sen­ci­al­mente uma re­vo­lução po­lí­tica, «por cima», que deixou pra­ti­ca­mente in­tactas as es­tru­turas eco­nó­micas e so­ciais, pros­se­guiu uma po­lí­tica co­lo­ni­a­lista e de sub­missão ao im­pe­ri­a­lismo. A en­trada de Por­tugal na I Guerra Mun­dial, que sus­citou a opo­sição dos tra­ba­lha­dores e as grandes ma­ni­fes­ta­ções «da fome», in­sere-se neste quadro de po­lí­ticas de classe es­tra­nhas aos in­te­resses do povo e do país. Por isso, o PCP sempre su­bli­nhou que a li­qui­dação do fas­cismo im­pli­cava não um «re­gresso à Re­pú­blica» li­beral bur­guesa im­plan­tada em 1910, mas a uma re­vo­lução de­mo­crá­tica e na­ci­onal pro­funda. Por isso, o PCP opôs-se e opõe-se a quais­quer ten­ta­tivas de, a pre­texto da co­me­mo­ração do cen­té­simo ani­ver­sário da Re­vo­lução Re­pu­bli­cana, des­va­lo­rizar e mesmo apagar a Re­vo­lução de Abril e o seu lugar ci­meiro na His­tória de Por­tugal, di­mi­nuir e atacar os seus va­lores e re­a­li­za­ções, como está a acon­tecer com a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica Por­tu­guesa.

 

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5. O al­cance da Re­vo­lução Re­pu­bli­cana de 1910 foi à par­tida con­di­ci­o­nado pelo atraso das es­tru­turas sócio-eco­nó­micas, a re­du­zida ex­pressão da classe ope­rária, a forte in­fluência da ide­o­logia pe­queno-bur­guesa anar­quista no mo­vi­mento sin­dical, a ine­xis­tência do par­tido re­vo­lu­ci­o­nário do pro­le­ta­riado.

Com a fun­dação do Par­tido Co­mu­nista Por­tu­guês, em 6 de Março de 1921, inicia-se uma nova etapa do mo­vi­mento ope­rário por­tu­guês – a ac­tu­ação da classe ope­rária como força so­cial au­tó­noma. Criado sob a in­fluência da Re­vo­lução de Ou­tubro e no quadro do afluxo re­vo­lu­ci­o­nário na Eu­ropa, o PCP é uma cri­ação da classe ope­rária por­tu­guesa, do de­sen­vol­vi­mento da sua luta co­ra­josa, do ama­du­re­ci­mento da sua cons­ci­ência de classe. Abrindo ca­minho através de grandes di­fi­cul­dades, e for­çado à clan­des­ti­ni­dade apenas cinco anos após a sua cri­ação, o PCP lançou raízes fundas nas massas tra­ba­lha­doras, re­sistiu à vi­o­lência da re­pressão, con­duziu po­de­rosas lutas po­pu­lares, tornou-se a grande força da Re­sis­tência, da Re­vo­lução de Abril, da de­fesa dos seus va­lores e con­quistas. É esta a ver­dade his­tó­rica. Ten­ta­tivas para pro­mover o papel da bur­guesia re­pu­bli­cana na luta an­ti­fas­cista e di­mi­nuir o papel da classe ope­rária e do PCP não al­teram esta re­a­li­dade.

 

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6. O cen­te­nário da Re­vo­lução Re­pu­bli­cana de 1910 ocorre numa si­tu­ação par­ti­cu­lar­mente grave no plano na­ci­onal e in­ter­na­ci­onal, em que os tra­ba­lha­dores e o povo por­tu­guês en­frentam a mais vi­o­lenta ofen­siva contra os seus di­reitos e con­di­ções de vida desde o 25 de Abril, o que é in­se­pa­rável da pro­funda crise, es­tru­tural e sis­té­mica, com que se de­bate o sis­tema ca­pi­ta­lista que ar­rasta con­sigo o pe­rigo de uma ter­rível re­gressão ci­vi­li­za­ci­onal.

Uma tal si­tu­ação – da total res­pon­sa­bi­li­dade do PS, PSD e CDS e das suas po­lí­ticas ao ser­viço dos grupos eco­nó­micos – torna par­ti­cu­lar­mente grave a ins­tru­men­ta­li­zação de que têm sido alvo, por parte do Go­verno e do Pre­si­dente da Re­pú­blica, as ce­le­bra­ções ofi­ciais do cen­te­nário da Re­pú­blica, no­me­a­da­mente como acon­teceu com o 10 de Junho e está anun­ciado para 5 de Ou­tubro, com a ver­go­nhosa ope­ração de «inau­gu­ração de cem es­colas», de­pois de terem im­posto o en­cer­ra­mento de quase 4000, num au­tên­tico in­sulto à me­mória das me­didas po­si­tivas da Re­pú­blica no do­mínio da Es­cola Pú­blica.

Uma ope­ração que não po­derá es­conder nem o rumo pro­fun­da­mente ne­ga­tivo que as po­lí­ticas ao ser­viço dos grupos eco­nó­micos estão a impor ao País, nem a cres­cente di­mensão do pro­testo, da in­dig­nação e da luta dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês por mu­danças pro­fundas.

O PCP, pela sua na­tu­reza de classe e pelo lugar que ocupa na his­tória da luta dos tra­ba­lha­dores e do povo por­tu­guês, é o her­deiro do que de mais avan­çado e li­ber­tador a Re­vo­lução Re­pu­bli­cana de 1910 com­porta. Ao evocar esta im­por­tante efe­mé­ride, o PCP fá-lo, não vol­tado para o pas­sado mas para o pre­sente e para o fu­turo de Por­tugal e do mundo, pro­cu­rando tirar ex­pe­ri­ên­cias e en­si­na­mentos que dêem mais força e con­fi­ança à sua luta pela rup­tura com as po­lí­ticas de di­reita que têm ar­rui­nado o País, por uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda, em de­fesa do re­gime de­mo­crá­tico con­sa­grado na Cons­ti­tuição, pelo pro­gresso so­cial, a in­de­pen­dência na­ci­onal, o so­ci­a­lismo.



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